Espiritismo
e Espíritas
Martins Peralva
Reformador (FEB) Fev 1962
Qualquer movimento que possa
constituir ameaça à integridade doutrinária e moral do Espiritismo encontra
sempre os espíritas unidos, coesos, pensando em termos de homogeneidade,
firmes, afinal, na defesa e na preservação dos seus augustos princípios.
Toda vez que irmãos nossos, operosos
e cultos e de cuja boa intenção e bons propósitos não temos o direito de
duvidar, tentam introduzir na seara espírita certas inovações que estão em
desacordo com os seus fundamentos, que, para todos nós, devem ter um sentido
sagrado, porque divino, inclusive procurando misturar dois ingredientes que
reputamos inconciliáveis, incompatíveis - Espiritismo e Política - a reação se
faz, pronta, inevitável, imediata.
Allan Kardec e quantos lhe seguem a
orientação superior, sábia e ponderada, bem assim os legítimos Instrutores da
Vida Mais Alta, são incansáveis em reiteradas afirmativas de que o Espiritismo
é movimento espiritual.
Doutrina essencialmente
espiritualizante.
O insigne mestre lionês define-o por
filosofia que estuda as leis que regem o intercâmbio entre o mundo físico e o
extra físico.
Amigos espirituais categorizados
conceituam-no como revelação divina para a renovação fundamental dos homens.
Obreiros do campo terrestre,
encarnados, apontam-no como doutrina iluminativa, destinada a encaminhar as
criaturas para o Bem, para a Moral, para a Cultura superior, para os misteres
da Fraternidade.
Léon Denis declara que o Espiritismo
abre perspectivas novas à Humanidade, iniciando-a nos mistérios da vida futura
e do mundo invisível.
Apesar disso, de vez em quando
despontam iniciativas, que pessoalmente consideramos menos inspiradas,
insinuando movimentos não só desnecessários, mas, sobretudo, inconvenientes,
por sua manifesta e inequívoca incompatibilidade com o espírito da Doutrina.
Tais iniciativas, esposadas, via de
regra, por minoria aritmeticamente inexpressiva, são fatalmente rechaçadas, pelo
menos assim o têm sido até hoje, nada restando aos seus propugnadores senão o
retraimento, não sabemos nós se em recuo estratégico ou definitivo.
Toda a família espírita levanta-se,
altaneira e esclarecida, consciente e firme, para a decidida reação que
repercute, vigorosa, por todos os rincões da Pátria do Evangelho.
E a iniciativa, muita vez convertida
em teses, é unanimemente rejeitada em congressos, concentrações, etc.
*
Nessas horas de extrema gravidade
para o Espiritismo e de indisfarçável responsabilidade para os espíritas, todos
se unem.
Todos se entendem, se harmonizam, se
articulam para a negação in limine da
ideia. A
família espírita brasileira se manifesta como se fora uma orquestra muito bem
ensaiada, onde cada músico, sob a batuta do maestro, desempenha o seu papel com
engenho e arte, com
aprumo e beleza.
A orquestra é a Codificação, austera
e respeitável.
O maestro é Allan Kardec, o
inconfundível discípulo de Nosso Senhor Jesus-Cristo. Os
músicos somos nós, os espíritas, herdeiros do magnífico patrimônio.
Numerosos companheiros comparecem às
tribunas ou escrevem crônicas e artigos, moderados mas incisivos, nos quais
proclamam, alto e bom som, que o Espiritismo e as instituições espíritas devem
ficar à margem das organizações políticas, fora das atribuições que competem a César, afastados de atividades
que se não integram no corpo da Doutrina.
A função do Espiritismo e dos
Centros Espíritas é encaminhar as criaturas para Deus. Educá-las
para a vida superior.
Amparar-lhes o coração nas provas
rudes, nos sofrimentos morais e físicos.
Esclarecê-las, afinal,
convenientemente, com base no Evangelho do Mestre, a fim de que possam elas
dirigir seus próprios passos; proceder corretamente; disciplinar os
sentimentos; conduzir-se dignamente na sociedade inclusive na esfera das
atividades políticas.
*
Em hipótese alguma devemos colaborar
para a
aproximação do Espiritismo com a Política, o que, a nosso ver, poderia
representar um começo, sutil é bem verdade, de constantinização da Doutrina.
Qualquer tentativa nesse sentido,
agora ou mais tarde, deverá encontrar a coletividade espírita em posição de
alerta, em fraterna observação.
Movimentos dessa natureza,
objetivando o matrimônio de elementos tão opostos, caracteristicamente
antagônicos, deverão encontrar a família espírita sempre unida, solidamente congregada,
não para condenar ou ferir o irmão que os aceita, mas, sim, para, estreitando-o
ao peito, reconduzi-lo amorosamente ao pensamento justo, ao raciocínio adequado.
Nessas horas, sabem os espíritas
entender-se.
Calam-se, de improviso, os pruridos
pessoais.
Cessam as divergências.
Dissipam-se possíveis
mal-entendidos, olvidam-se diversidades de interpretação doutrinária.
Formam um só bloco, expressam um só
pensamento, tomam a mesma atitude, o espírita religioso, o filosófico, o
científico.
Allan Kardec é o denominador comum.
Jesus-Cristo é o Supremo Guia.
Erguem a voz, todos, do Norte e do
Sul, do Leste e do Oeste, para o não definitivo, embora fraterno.
E completam: No Espiritismo não deve
haver, jamais, lugar para movimentos que se assemelhem
a ligas eleitorais.
A Doutrina, que o missionário de Lyon
codificou, sob o comando e supervisão dos Espíritos Superiores, prepostos do
Cristo, é, substancialmente, de libertação individual.
Sua finalidade, precípua,
inconfundível, é quebrar os grilhões da ignorância e do atraso moral da
Humanidade terrestre.
Seu objetivo, indisfarçável, é
destruir o formalismo, em qualquer de suas expressões e significados.
O papel da Doutrina Espírita é
operar, junto à inteligência e ao coração das criaturas humanas,
no sentido de reconduzi-las ao Pai, pela superação de suas fraquezas.
*
Aquele que deseje participar de
atividades políticas, que o faça como cidadão comum, com a sua inteira e
exclusiva responsabilidade pessoal.
Todo brasileiro, inclusive o
espírita, tem o dever de votar e o direito de ser votado. Dever
e direito absolutamente pacíficos, porque constitucionais.
Que exerça, no entanto, esse dever,
e desfrute, igualmente, desse direito, por sua conta e risco.
Filie-se ao partido que mais lhe
convier, porém exclua o Espiritismo e suas instituições de qualquer participação
no assunto.
Inegavelmente, temos admiráveis
companheiros em atividades parlamentares, nos âmbitos federal, estadual e
municipal, nas quais ressalte-se, a bem da verdade - se comportam com
dignidade, com bravura moral e com decência.
Coerentes e sinceros no testemunho
da fé espírita-cristã, proclamam-na, corajosamente, sempre que necessário.
Engrandecem, por seu trabalho, por
sua conduta, por seu idealismo em prol das causas nobres, o ideal que cultivam;
todavia, nem por isso representam as instituições, nem traduzem o pensamento do
Espiritismo, que é impessoal, divino, transcendente, sobrepondo-se, destarte, a
pessoas, partidos e acontecimentos.
Convém não confundir Espiritismo com
espíritas.
Assim sendo, não devem vicejar entre
nós movimentos que visem, sutilmente, a comprometer a Doutrina Espírita.
*
A autoridade moral de uma religião -
é interessante nunca esquecer esta verdade histórica! - está na razão direta do
seu distanciamento das vantagens humanas.
Sua respeitabilidade é tanto maior
quanto maior for a sua desvinculação dos interesses meramente terrestres,
transitórios e perecíveis, em sua feição política ou financeira.
Seu acatamento é tanto maior quanto
mais ausente venha ela a encontrar-se dos banquetes de César.
Essa autoridade, essa
respeitabilidade e esse acatamento começariam a decrescer, a declinar, a
empobrecer-se, a cadaverizar-se, a decompor-se, à medida que se fossem tornando
comuns os interesses, que se tentasse amplexar César e Deus, num conúbio
absurdo e detestável, num consórcio tão impossível, no atual estágio evolutivo
da Humanidade, quanto a mistura da água ao óleo.
Semelhante matrimônio - estranho,
impossível mesmo de produzir bons frutos - assinalaria na história do
Espiritismo uma página realmente lastimável, sob todos os aspectos. Um capítulo
não só de angústia e tristeza, de mácula e retrocesso moral, mas, sobretudo, de
desvirtuamento, de dissensões, de inevitáveis desavenças geradas pela paixão
política, que os prélios eleitorais exacerbam, ampliam, cavando abismos entre
os homens.
Seria o melancólico começo do fim de
um movimento espiritualista glorioso e respeitável, austero e acatado, como tem
sido o Espiritismo, que há esparzido sobre a Humanidade, num mundo de
incertezas e descrenças, de temores e lágrimas, as mais fecundas sementes de
consolação e amor, de solidariedade e cultura.
Seria, finalmente, a conspurcação da
água cristalina que a Doutrina Espírita, nestes cento e quatro anos de
Codificação, tem ofertado a todos os sedentos do caminho, encaminhando-lhes o
pensamento, com segurança e lógica, para elevadas concepções de felicidade e
progresso.
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