Zamenhof, ao centro
Humanismo
Porto
Carreiro Neto
Reformador
Dezembro 1946
"A mais alta Força, incompreensível para mim,
que é a causa das causas no mundo material e no moral, posso designar pelo nome
"Deus" ou por outro qualquer, mas sinto que a essência dessa Força
cada qual tem o direito de imaginá-la do modo pelo qual lhe ditem a razão e o
coração ou os ensinamentos de sua igreja. Não devo jamais odiar ou perseguir
quem quer que seja por ser diferente da minha a sua crença em Deus.
''Sinto que a
essência dos verdadeiros mandamentos religiosos reside no coração de todo homem
sob forma de consciência, e que o primeiro princípio desses mandamentos,
obrigatórios para todos, é: procedei para com outrem da mesma sorte que
desejaríeis que outrem procedesse convosco."
A
"regra de ouro", formulada por estas últimas palavras, é bem
conhecida de todos nós; o preceito acima, porém, não foi colhido da narrativa
da passagem do Maior Mestre, Jesus, nem de outro Espírito superior de que nos
dá notícia a História: representa a tradução para o nosso vernáculo, de um dos
"princípios" da doutrina "Homaranismo", imaginada pelo
grande Zamenhof, o genial criador do idioma auxiliar internacional Esperanto; e
se atentarmos nos dois princípios supra traduzidos, veremos que grau, na
infinita hierarquia dos filhos de Deus, ocupa esse admirável Espírito.
Intraduzível
é o nome com o qual Zamenhof assinalou o corpo de princípios que concebera,
para que nesse "terreno neutro" todos os homens se aproximassem, se
entendessem e se estimassem. O vocábulo se compõe, de uma raiz e de três sufixos,
além da terminação "o" dos substantivos, a
saber: "hom", homem (em geral, pessoa); "ar", conjunto;
"an", membro; "ism" , sufixo para se designar doutrina, sistema;
significará, pois, aproximadamente, "doutrina (ou sistema) que liga os
membros da família humana". Ao dizermos "doutrina", o leitor não
pense que se trate de formulário destinado a derruir os princípios em que se
firme cada um de nós para se conduzir dentro da sua ética própria ou das regras de sua religião; Zamenhof declara
mesmo: "Devemos lembrar-nos de que o "humanismo" não quer, de
nenhum modo, substituir as religiões e templos existentes por quaisquer outros
... " Voltando ao equivalente de "homaranismo": traduzimo-lo
aqui por "humanismo", sem com isto querer dizer que o sistema
alvitrado por Zamenhof haja algo de comum com o termo "humanismo"
consagrado na língua. Parodiando a célebre frase, poderíamos dizer: "o
Esperanto, em tal maneira é flexível, que, em se querendo, dir-se-á nele
tudo": tudo, veja bem o leitor, e mais alguma coisa, para a qual as
orgulhosas e ciumentas línguas nacionais não contam com termo próprio...
O
imortal mestre (que ele não nos leia, pois solicitava que não lhe dessem este
título), ao que parece, não seguia nenhuma doutrina religiosa: tal verificação
a um tempo nos causa espanto e não nos é motivo de surpresa a respeito de
pessoa que tão alto conceito fazia da "mais alta Força", in
compreensível para ele. Com efeito, não deixava o sábio e quantas vezes sábio!
- passar o ensejo de se referir a essa Incógnita, sem que, por isto, se visse
forçado a confessar algum credo religioso. A cada passo mencionava "essa
grande Força moral", a "Força Misteriosa"; e, certa vez, chegou
a se dirigir ao "potente mistério incorpóreo, força imensa que governa o
mundo,.. grande fonte do amor e da verdade e fonte perene da vida ... a qual
cada um imagina de modo diferente, mas que todos sentem de igual modo no
coração", dizendo-Lhe: "a Ti,
que crias, a Ti, que reinas, hoje oramos"! Nesta mesma súplica, em
belíssima poesia, que é a "Prece sob
o Estandarte Verde" e recitada em sessão solene do 1º Congresso
Internacional do Esperanto, reunido em Boulogne-sur-Mer, Zamenhof roga: "Oh! quem sejas Tu, misteriosa força, ouve a
voz da prece sincera, restitui a paz à infância da grande humanidade!",
e adiante: "cristãos, hebreus ou
maometanos, todos somos filhos de Deus"!
Este
o grande assombro a que acima aludimos; quer parecer-nos, entretanto, que nada
é de admirar que Espírito dessa magnitude nutrisse tais pensamentos e emitisse
tais conceitos, pois uns e outros eram a ele inerentes, a esse magnífico
missionário que tão precisa e lealmente cumpriu a tarefa que trouxera. E
dizemos, em acréscimo: se estivesse ele jungido a algum dogma, pelo menos
difícil lhe seria pôr em prática o seu cabedal neste espinhoso terreno, onde se
enredaria nos ditames rígidos e intolerantes de leis mais humanas que divinas.
A
finalidade que teve Zamenhof com a criação do Esperanto não foi senão a de
aproximar os homens pelo intelecto para que se congregassem pelo espírito.
Impossível num artigo estender-nos sobre a profundeza dessa concepção: esta,
percebeu-a perfeitamente a nossa Federação, divulgando agora, no idioma neutro, a sábia doutrina dos Espíritos,
uma e outros sem qualquer compromisso com este ou aquele povo. Não nos podemos,
contudo, furtar às seguintes considerações.
Por
ocasião do Congresso de Raças, realizado em Julho de 1911, em Londres, Zamenhof
analisa as várias causas que poderiam determinar "o ódio mútuo e a luta
entre as gentes" (melhor e mais extenso termo do que simplesmente
"raças"); examina detidamente cada uma dessas prováveis causas,
inquirindo e respondendo com argumentos irretorquíveis, e termina:
"Que
é, então, a verdadeira causa do estado de separação e de ódio entre as gentes?
De tudo quanto acima apresentei já se pode ver que, mal grado todas as teorias
pseudocientíficas sobre peculiaridades raciais, climas, sangue, etc., as
verdadeiras muralhas entre as gentes, a verdadeira causa de todo ódio entre as
gentes, residem na diferença das línguas e das religiões. Principalmente a
língua representa tão grande e quase exclusivo papel na diversidade das gentes,
que em alguns idiomas os vocábulos "língua" e "gente" são
sinônimos perfeitos. Se dois homens falam a mesma língua, sem humilhação para
qualquer deles, com iguais direitos sobre ela, e graças a ela, não somente se
compreendem um ao outro, mas possuem a mesma literatura (oral ou escrita), a
mesma educação, os mesmos ideais, a mesma dignidade humana e os mesmos
direitos; se, além disto, eles têm o mesmo "Deus", as mesmas festas,
os mesmos costumes, tradições e modo de viver, sentem-se absolutamente irmãos,
sentem que pertencem à mesma gente, Se dois homens não compreendem um ao outro,
se, outrossim, possuem costumes e modos de viver de todo diversos, olham-se
como estranhos, quais mudos e bárbaros, instintivamente se evitam e desconfiam
um do outro, da mesma sorte que instintivamente desconfiamos de tudo quanto aos
nossos olhos se oculta nas trevas."
Zamenhof
assim conclui essa mensagem ao referido congresso:
"Nenhum paliativo de compromissos,
nenhum sagaz tratado político trará a paz à Humanidade: Quanto mais,
entretanto, o Esperantismo se fortalecer no mundo, quanto mais frequentemente
os homens de diversas gentes se reunirem e se relacionarem sobre um fundamento
neutro, tanto mais eles se habituarão à compreensão e amor recíprocos: tanto
mais sentirão que todos têm iguais corações, iguais entendimentos, iguais
ideais, iguais sofrimentos e dores, e que todo ódio entre as gentes nada mais é
do que resquício dos tempos - da barbárie. Desse fundamento neutro... pouco a
pouco surgirá essa futura humanidade, unida e puramente humana, com a qual
sonharam os profetas de todas as gentes e de todos os tempos."
Pese
cada um estas palavras e conceitos sempre atuais; e, apreciando o alto grau de
progresso que atingiu Espírito de tal quilate, sinta e colabore na obra que,
deste modo, auxilia a confraternização dos homens, objetivo precípuo da Lei
Divina.
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