sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Diatribes à Casa de Ismael



Diatribes à Casa de Ismael
Luciano dos Anjos
Reformador (FEB) Maio 1963

            Embora decorridos já muitos anos, ainda lembramos quando nosso primeiro artigo assinado era publicado com singular destaque na grande imprensa do País, ao tempo em que ensaiávamos os primeiros e mais incertos passos no jornalismo profissional. Recebemos, com surpresa, três ou quatro cartas (nunca supuséramos serem os leitores tão atentos ao que escrevemos) das quais apenas uma nos transmitia congratulações pelo trabalho elaborado. As demais espumejavam de indignação contra os alvitres que esposávamos. Em nossas primícias jornalísticas, ainda epitetado como simples "foca", (neófito, em gíria de imprensa), ingênuo de sentimentos, não apenas ficamos lívido com a reação daqueles leitores mal-ensinados, mas sobretudo nos deixámos dominar por inusitada revolta íntima. Não podíamos aceitar que dois ou três analfabetos (as cartas atestavam essa qualidade) pudessem ter tido o ousio de nos contraditar. Afinal, não demonstravam conhecer uma nesga do assunto em tela, mas, em contrapartida, vituperavam a gramática e afrontavam a lógica do mais simples raciocínio. Como, pois, aturá-los, um minuto que fosse?! Resoluto, sentamos à máquina e começamos a redigir-lhes, para cada qual, resposta à altura do que mereciam. Já lá íamos pela segunda lauda datilografada quando o secretário da Redação por qualquer motivo nos veio ter à mesa e inteirou-se do que fazíamos. Sorriu, então. Pousou-nos a destra sobre o ombro, que longe estava ainda de denotar cansaço do peso dos anos, e comentou do alto da sua experiência e da sua tarimba:
           
            - Meu caro, se você for nesse andar, estará perdido, senão louco. Não haverá colunas que cheguem para publicar somente as respostas que você tiver de dar a seus leitores...

            Resfriamos. Paramos de dedilhar a máquina e fomos juntos até o bar em frente, onde mantivemos longa e saborosa conversa, durante a qual aprendemos lições inesquecíveis. A rotina do homem que escreve para jornal era um pouco diferente do que supúnhamos. O leitor é a figura mais heterogênea que existe. Os assuntos todos contêm aspectos abscônditos que mal imaginamos. A técnica redacional varia de propósito para propósito. Cada coisa tem o seu segredo; cada segredo a sua oportunidade. Aprendemos muita novidade importante, mas acima de tudo decoramos esse grande ensinamento, que o tempo e a experiência, dali por diante, transformaram em ponto basilar da nossa vida de profissional de imprensa: nem todos os leitores merecem resposta... É preciso revelar muita sensatez, muita segurança, muita precisão e muita significação para que a réplica de um leitor seja treplicada. Nem por isso, entretanto, esse comportamento do jornalista deve ser caracterizado como algum desprezo pelos seus leitores.

            Mas, somente a longa prática, a carreira vivida muitos anos é capaz de emprestar-nos a fleuma indispensável ante as cartas e os telefonemas que nos chegam do público, alguns tamanhamente insultuosos que os lá de fora não sabem como um "dromedário" (o jornalista tarimbeiro) consegue conter; a exaltação. De fato, vamos aos poucos cumulando tal frieza diante não apenas dessas cartas, mas também de todos os demais fatos diários (as notícias rolam a cada minuto, com toda a sua dramaticidade dentro das redações de jornal), que até nos confundem os sentimentos. E, não raro, acham estranho que não nos lancemos à rua, lado a lado com o povo, quando alguma crise vira manchete. Todavia, ao contrário do que julgam, a isso podemos chamar antes ponderação, do que frieza inconsequente ou indiferença doentia. Em linguagem doutrinária, talvez coubesse o termo humildade.

            Perdoem-nos os leitores de "Reformador" essa longa prolusão, através da qual, já agora escorçando, queremos apenas dizer-lhes que nossa consideração é por todos a mais profunda e respeitosa, mas não somos mais capazes de alterar nosso sorriso nem mesmo ante as cartas que vez por outra nos chegam à mão, repassadas de insultos, doestos e estultícias maiores. Somente a crítica elevada, a censura construtiva, o comentário sincero ou a dúvida honesta hão de merecer-nos maior atenção; nunca o histerismo impróprio dos que, certamente, gostariam antes de ter seus nomes transmudados em letra de forma, do que refutar alguma ideia contrária. Nossa constante, pois, tem sido o silêncio. Até mesmo por um dever de consciência religiosa, para não tisnar a Doutrina que pregamos.
             
            Agora, entretanto, o panorama é bem outro. Resolvemos afinal escrever este artigo tendo em vista o comportamento, não epistolar, mas pessoal, dum honrado e dedicado companheiro de ideais espíritas. E companheiro integrado na Doutrina, estudioso dela, cioso dos seus compromissos com ela. É em consideração ao seu trabalho já realizado, à sua honestidade de propósitos sempre revelada, que nos abalançamos a dirigir-lhe estas palavras, porque certos de que nossa resposta, por coincidência, senão por extensão, servirá a muitos outros intransigentes adversários da Federação Espírita Brasileira e da conduta desta venerável instituição, mercê da assistência dos mais elevados Espíritos de luz.

            Acusam-nos de seguir cegamente a Federação, a lembrar-nos de que também os padres seguem o Papa dentro do mesmo espírito de submissão e subserviência. Acusam-nos de fazer um tabu de tudo quanto a Federação diz. Acusam-nos de trabalhar apenas na seara da Federação.

            Desminta-se, antes que tudo, aquela primeira afirmativa, para depois explicarmos porque seguimos a FEB e finalmente negar que colaboremos apenas na seara da Casa Máter, embora evidentemente lhe dediquemos maior atenção, dada a nossa posição de membro do seu Conselho Superior. Seria preciso um desconhecimento integral da Doutrina que professamos, para enceguecer-nos por alguma coisa. Não somos espírita por acaso, por tradição ou por comodismo. Alguns dos que nos acusam - perdoem-nos a imodéstia - talvez não tenham estudado tanto a Terceira Revelação quanto o fizemos, por amor à Verdade, Só lhe aceitamos os postulados depois de examinar com nímio cuidado tudo o que se continha nas pregações das demais religiões do mundo. Não nos escasseou ânimo sequer para o estudo das principais doutrinas do passado, nas quais fomos buscar, em cada qual, a sua parcela de autenticidade e de sentido vero. Fomos conhecer as ideias de Trismegisto, no Egito, e de Akhnaton, seu reformador. Lemos sobre o Código de Hammurabi, origem da religião assírío-babilônica e no qual já se fala de Deus assistido pelos "santos". Saboreamos os "Cânticos órficos", de Orfeu, e os "Versos Dourados" de Pitágoras, bases da religião grega, inicialmente tão séria, mas infelizmente deturpada pelo povo, que acabou divinizando as estátuas de seus santos e seus deuses. Estudamos as "Leis de Numa Pompílio", onde pudemos sentir todas as coordenadas da religião dós romanos. Não deixamos escapar o "Vedas:', o "Upanichade", o "Maabarata", o "Ramaiana", o "Darmas" e o "Purunas", do hinduísmo pré-histórico. Estudamos o Judaísmo, especialmente através do "Tora" ou "Pentateuco". O "Avesta" nos ensinou a filosofia de Zoroastro ou Zaratustra, com a célebre figura do diabo e o princípio do Mal. O "Damapada" nos mostrou as luzes do budismo, de Sidarta Gautama ou Saquia Muni. De Lao-Tse, o "Tao-Tse-King" revelou-nos a doutrina da não-resistência contida no taoísmo. O "Shi-King", o "Shu-,King", o "Yi-King", o "Li-Ki" e o "Ch'un Ch'iu", do confucionismo, nos falaram duma doutrina de profunda sabedoria. O sintoísmo trouxe-nos ao conhecimento a crença dos japoneses nos seus antepassados e a concepção do seu deus masculino-feminino. De Maomé tivemos oportunidade de conhecer o "Alcorão", e de Nanak, reformador do hinduísmo, conhecemos com satisfação o "Granth", donde se esparge o ensino maravilhoso da eficácia da oração e da meditação, embora, estranhamente, pregasse também a violência. A doutrina de Bah explicada por Bahá'u'Ilah, empolgou-nos sobremodo, principalmente quando prega a unidade e tolerância de todas as religiões do mundo. Mas estudamos também a religião dos mórmons (Igreja de Jesus-Cristo dos Santos dos últimos Dias), revelada pelo Espírito de Moroni, filho de Mórmon, a José Smith, em Ontário, nos Estados Unidos. As obras básicas do gandismo, o "Neethi-Darma" e as "Cartas ao Ashram", esclareceram-nos sobre a poderosa reforma cristã introduzida no hinduísmo por Moandas Gandhi, o mahatma, em pleno século XX. Fomos conhecer ainda todos os detalhes históricos do chamado cristianismo ortodoxo, que ainda hoje domina quase inteiramente o Oriente Médio, não nos esquecendo de estudar com acuidade e mais vagar o catolicismo de São Jerônimo, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e do Concílio de Trento. Aprendemos a história da Reforma, de Lutero e Calvino, a Umbanda afro-brasileira, o Cristianismo puro de Jesus Cristo e por fim o puro Espiritismo de Allan Kardec.

            Pesando e sopesando todos os conceitos e ensinamentos contidos em todos esses valiosos estudos a que procedemos, acabamos por compreender que só o Espiritismo era bastante para esclarecer completamente todos os problemas que nos atribulam o espírito sequioso de conhecimento. Só o Espiritismo responde com exação e carradas de bom senso às perguntas do homem sobre as mais complexas e abstrusas questões filosóficas.

            Por tudo isso, quando um leitor como aquele de Niterói, irritadiço, nos acusa de provável "egresso do catolicismo", sem dúvida comete equívoco alvar. Aliás, invectivadores desse jaez são às vezes os que menos conhecem a doutrina católica e julgam mesmo que ela se reduz à crença em Adão e Eva, no Céu e Inferno, em Satanás, na missa ou no Juízo Final. "Vis-à-vis" com um seminarista inteligente haveriam por certo de se surpreender com muita coisa que ignoram. O Espiritismo é sobejamente profícuo em teses e proposições altamente racionais de forma a desnudar todas as incongruências e aberrações lógicas do Catolicismo; mas este não é confutável tão só com o juízo pueril daqueles que, em vez de se lançarem a essa empreitada dialética, deveriam antes estudar um pouco mais a sua própria religião. No grupamento de que fazemos parte - o "Grupo Espírita Léon Denis" - tivemos ensejo de enfrentar, todos nós, em épocas distintas, três Espíritos terríveis: um professor de sociologia, católico, desencarnado no início deste século; um bispo, arguto e erudito; e um antigo inquisidor português. A defesa que essas entidades fizeram da doutrina católica - especialmente o professor - foi impressionantemente séria. Exceto o último, com o qual perdemos o contato, os dois primeiros graças a Deus chegaram a ser tocados pela Verdade que lhes procuramos oferecer em troca de suas ideias dogmáticas e sobremodo formais. O Catolicismo, na sua essência, é prenhe de impropriedades e postulados chocantes, mas é mister estudá-lo bastante para combatê-lo com proveito. Não basta proclamar-se espírita e acusar os outros de "egresso do catolicismo" para que esta doutrina seja contraditada ou aquela comprovada.

            Outro leitor, cheio de animadversão, vem-nos ensinar que, ao contrário da nossa opinião expendida em determinado artigo, Allan Kardec conhecia muito bem as materializações. E copia trechos enormes de "A Gênese" para atestar o que diz. Ora, que poderíamos responder a esse moço, senão que ele pensa que sabe, mas não sabe nada? As experiências de materializações começaram apenas em 1870, com Wíllíam Crookes, e Kardec desencarnou em 1869. Disséramos precisamente isso, que o Codificador recebera ensinamentos sobre o assunto e os inserira na sua obra, sem entretanto ter tido a oportunidade de testar experimentalmente essas lições teóricas, aprendidas dos Espíritos.

            Outro mais, cuida de nos recomendar a leitura de alguns escritos contrários ao corpo fluídico de Jesus, prometendo-nos mesmo enviar alguns trechos para nosso aprendizado. Que lhe poderíamos, também, responder? Que já havíamos lido todos aqueles disparates, dilatados pela má fé e o ódio gratuito? Um desses escritos, embora publicado a bem da verdade, se celebrizou pela confusão que o autor fez entre João Batista e João Evangelista. A certa altura, a fim de negar-lhe o caráter de revelação, critica a mudança do título da obra de Roustaing, ignorando que Allan Kardec também mudou o título do seu "Evangelho segundo o Espiritismo". À página 95 diz que Maria era um Espírito puríssimo, mas admite irreverentemente que ela tenha ficado grávida de outro homem que não José. Considera a teoria do corpo fluídico um dogma e dogmáticos os seus defensores, sem se lembrar de que os nossos irmãos anglo-saxônios também consideram um dogma a teoria da reencarnação de Allan Kardec, aliás, por este mesmo assim considerada. Em suma, um chorrilho de incongruências que só comprometem o autor e nos suscita a lembrança daquela sentença de André Luiz contida em "Vozes do Grande Além": "A lâmina de nossa reprovação volta-se, invariàvelmente, contra nós, expondo-nos as próprias deficiências" (pág. 109, 1ª ed.).

            Outro livro, recomendado pelo nosso caro leitor é aquele que, nas suas conclusões finais, sugere uma sessão durante a qual se evocariam os Espíritos de Allan Kardec e J. B. Roustaing para dirimir a dúvida sobre o corpo de Jesus! Se tivéssemos oportunidade, pediríamos a esse escrevinhadeiro que aproveitasse para indagar também sobre a cura do câncer ou até mesmo o bilhete que vai dar amanhã na loteria... Ismael Gomes Braga, nosso brilhante confrade, diria mais tarde, sobre esse trabalho, que ao autor "faltou a serenidade construtiva"...

            De São Paulo, outro missivista nos vem dizer que o livro "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" foi adulterado da segunda edição em diante, na parte que diz respeito ao consenso de Humberto de Campos ao papel de Roustaing como organizador do trabalho de fé do Espiritismo. A primeira edição do referido livro está à disposição do leitor na biblioteca da Federação (possivelmente em muitas outras, inclusive de São Paulo), para que pessoalmente verifique a calúnia assacada.

            E assim, uma série de cartas de todos os coloridos, de todos os diapasões. Quanto à Federação Espírita Brasileira, seguimos seu programa - e com absoluta fidelidade - porque nada temos racionalmente que lhe criticar. Essa história de chamar-lhe Papado já está sobremodo desgastada. Os que assim procedem mostram completa ignorância dos seus métodos e do mecanismo interno que lhe imprime a marcha ascensional. Sua diretoria é eleita anualmente por um conselho de trinta e sete membros que, quando bem queira, pode alijá-la, se assim o desejar. Todos os anos é lido pelo presidente um relatório das atividades. Este, pode ser interpelado sempre, sobre qualquer assunto. Os livros editados pela entidade só o são depois de examinados por uma comissão especial. A Federação não obriga ninguém a coisa alguma. Ela se preocupa tão somente com a divulgação da Doutrina Espírita. Não faz política, não faz conchavos, não faz exibições, não faz histerismos. Os que a atacam, fazem-no simplesmente porque ela não lhes encampa os pontos de vista pessoais. Quem são afinal os intransigentes? A Federação, que segue rigorosamente um programa estatutário aprovado em assembleia geral, ou os que de fora gostariam que ela lhes apoiasse o programa individual de cada um? Diariamente chegam à FEB dezenas de cartas com sugestões, críticas, novas ideias, etc. Se a sua diretoria fosse atender a todos esses missivistas - dentre os quais, não esqueçamos nunca, proliferam os obsidiados -, sua missão seria um fracasso. Por isso a Casa de Ismael não tem de seguir ninguém particularmente, senão o seu próprio programa de trabalho. E este é traçado pelo Alto, não pelos seus dirigentes, pelos seus conselheiros ou pelos seus associados. Muito menos pelos seus adversários. A esse propósito, leiamos o que nos diz Humberto de Campos em "Crônicas de Além-Túmulo", à pág. 119, 6ª ed.: "A obra da Federação Espírita Brasileira é a expressão do pensamento imaterial dos seus diretores do plano invisível, indene de qualquer influenciação da personalidade dos homens." "O roteiro de sua marcha é conhecido e analisado no mundo das verdades do Espírito e a sua orientação nasce da fonte das realidades superiores e eternas, não obstante todas as incompreensões e todos os debates."

            É sempre oportuno esclarecer um aspecto sobremaneira mal interpretado pelos eternos detratores da Instituição. Fingem não compreender como possa o Alto nortear os trabalhos da FEB sem que se negue o ensinamento espírita de que cabe aos homens sua parcela de trabalho aqui na Terra. Ora, o que promana do Alto é apenas o programa, tanto quanto aconteceu com a própria codificação da Doutrina Espírita. Os homens encarregados de cumpri-lo, estes serão sempre livres para vencer ou fracassar na sua missão. Mas não podem se surpreender, caso fracassem, se "inexplicavelmente" forem afastados da seara para a qual não se mostraram à altura. Isto porque, os homens podem falhar, mas o programa - que é do Alto - não pode falhar nunca. Se Kardec falhasse, outro se encarregaria da Codificação. Se os dirigentes da FEB falharem, outros os substituirão. Não ocorrendo isso, é porque tudo vai muito bem, com o beneplácito do Alto. E não precisa ser muito inteligente para descobrir, pelo trabalho já realizado, que tudo vai de fato muito ao gosto do Cristo.

            Aos que alegam ser pequena a ajuda material que a FEB oferece, apesar de sempre crescente, devemos lembrar que os tempos são outros e os critérios de serviço devem também ser renovados.

            Atualmente, por ser muito mais importante e fundamental do que qualquer outra tarefa, a FEB vem-se dedicando com mais empenho àquele compromisso que, de todos, há de ser sempre o mais altanado. O livro espírita, a sua impressão, a sua divulgação e a sua distribuição pelo Brasil inteiro, e mesmo pelo mundo afora, levando a todos os rincões os ensinamentos do Evangelho e da Terceira Revelação, vale mais, muito mais do que qualquer esmola dada a um necessitado da carne. Releiamos, a propósito, o que Irmão X nos ditava através de "Reformador" de Abril de 1957, pág. 74: "Celebrando, pois, o primeiro centenário de "O Livro dos Espíritos", reverenciamos a memória de Allan Kardec, saudando igualmente a Federação Espírita Brasileira que, em três quartos de século do Espiritismo Codificado, vem construindo no silêncio e no trabalho de sua obra impessoal, sob a égide dos Mensageiros da Vida Superior, o santuário moral do Livro Espírita, dentro da dignidade doutrinária, clareando consciências e inspirando corações para o serviço do Cristo, como roteiro de caridade, fonte de esperança e celeiro de luz."

            A assistência material é nobre, não há que duvidar, mas, sozinha, não desperta ninguém para os labores da própria redenção. O livro, este sim, atinge diretamente o Espírito, modificando-o, iluminando-o, aprimorando-o. Camilo Castelo Branco afirmou com muita sabedoria e muita gratidão: "Nos livros aprendi a fugir ao mal sem o experimentar." E Eça de Queirós completou: "Só um livro é capaz de fazer a eternidade dum povo." No mais - convém repetir com assiduidade - o Espiritismo não veio senão para redimir o homem, transformá-lo, remoçá-lo e salvá-lo para Deus. Essa tarefa só é factível através do aprendizado, da aculturação, cuja base é o livro, sempre o livro. Os que criticam a FEB fazem questão de ignorar esse essencial mister a que a quase secular instituição se tem dedicado com todo o denodo. Ao mesmo tempo, deslembram, esses impenitentes, que não foram capazes até hoje de escrever meia dúzia de linhas sequer em benefício da propagação da Doutrina. E se, em raríssimas oportunidades o fazem, não esquecem nunca de cobrar, direta ou indiretamente, os direitos autorais... Só aprenderam a criticar destrutivamente; nunca construíram nada. Vale, para eles, a assertiva do tribuno popular francês Camilo Desmoulins: "Não há gente mais disposta a criticar os que fazem alguma coisa, do que os que não fazem nada."

            Contudo, de todas as assacadilhas contra a FEB, a mais virulenta é sempre relativa à sua posição de propagadora da obra de J. B. Roustaing. E nós também vamos pegando algumas sobras por nos colocarmos nessa mesma linha, em razão do que até "irmã vicentina" já nos chamaram, nas colunas de certo periódico. Tivemos ocasião de escrever modesto artigo catalogando todos os espíritas de renome, encarnados e desencarnados, que advogavam a tese do corpo fluídico de Jesus. Foi o bastante para que caíssemos na desgraça de alguns confrades menos ponderados. Mas, que querem eles, afinal? Que lhes sigamos os passos e nos afastemos do pensamento de Ewerton Quadros, Bezerra de Menezes, Guillon Ribeiro, Manuel Quintão, Bittencourt Sampaio, Leopoldo Cirne, Manuel Spindola, Antônio Lima, Ismael Gomes Braga, Newton Boechat, Indalício Mendes, Antônio Luiz Saião, Humberto de Campos, Emmanuel e tantos outros? Ou, então, que fiquemos com aquela história do Cristo Cósmico, Período Lunar, Período Solar, Espírito Planetário, etc? Ou gostariam ainda que aceitássemos o Cristo-Deus? Aproveitamos o instante para lembrar àquele leitor que deitou sobre nós tantos conhecimentos a respeito do corpo de Jesus, acusando-nos de falsear o verdadeiro sentido do item 277 de "O Consolador", que poderíamos ser ainda mais objetivos na nossa argumentação, se em vez daquela citação transcrevêssemos a resposta de nº 243, onde se pode ler: "Todas as entidades espirituais encarnadas no orbe terrestre são Espíritos que se resgatam ou aprendem nas experiências humanas, após as quedas do passado, com exceção de Jesus-Cristo, fundamento de toda a verdade neste mundo, cuja evolução se verificou em linha reta para Deus e em cujas mãos angélicas repousa o governo espiritual do Planeta, desde os seus primórdios.”

            Parece-nos que aqui não há dúvida. Emmanuel foi categórico na afirmativa de que Jesus nunca encarnou. Sobre a célebre mensagem recebida no início do presente século, no Grupo "Vinha do Senhor", nesta cidade, e inculcada como sendo de J. B. Roustaing, penitenciando-se, este, de haver aceito a teoria do corpo fluídico de Jesus, recomendamos nosso leitor a procurar saber que fim levou aquela agremiação, seus dirigentes, seus frequentadores e o médium que recebeu a mensagem, Aqui, infelizmente, já não temos mais espaço para contar com minúcias a história.

            Restaria perguntar, a esses detratores todos, por onde anda sua vontade de aprender, a qual não lhes ensejou até hoje a leitura de determinadas obras do Além através de médiuns de grande envergadura moral, como por exemplo Chico Xavier. Compulsemos, de passagem, o livro "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", transmitido por Humberto de Campos, nas suas páginas 199/200 da 2ª edição: "A realidade é que, considerada às vezes como excessivamente conservadora, pela inquietação do século, a respeitável e antiga Instituição é, até hoje, a depositária e diretora de todas as atividades evangélicas da Pátria do Cruzeiro." "As forças das sombras alimentam, muitas vezes, o personalismo e a vaidade dos homens, mesmo daqueles que se encontram reunidos nas tarefas mais sagradas; mas a direção suprema do trabalho do Evangelho se processa no Alto e a Federação Espírita Brasileira, dentro da sua organização baseada nos ensinamentos do Mestre, está sempre segura do seu labor junto das almas e dos corações, cultivando os mais belos frutos de espiritualidade na seara de Jesus, consciente da sua responsabilidade e da sua elevada missão.

            Na verdade, podemos sentir, sem esforço, que o Alto não se afasta de orientar a FEB, inspirando os seus dirigentes na sua conduta terrena. Os fatos aí estão para demonstrá-lo e só um cego não os vê. Enquanto as demais organizações nascidas e alimentadas do ódio à FEB vão desaparecendo paulatinamente, a Casa de Ismael permanece intangível, altaneira, vencendo os anos e as vicissitudes todas. Os periódicos que lhe dão combate têm sua trajetória interrompida, sendo de se notar a recente extinção duma característica publicação que, de todas, quiçá primasse pelo mais longo afastamento da doutrina espírita-cristã, tal o seu habitual linguajar irreverente e pretensioso. Entre seus articulistas um se destacava, comicamente, pela sua constante posição "do contra". Era contra a FEB, contra Roustaing, contra Emmanuel, contra André Luiz, contra Chico Xavier, contra Waldo Vieira, contra Humberto de Campos, contra nós, contra tudo, contra todos. Quem sabe até contra ele mesmo ... ? Quanto aos livros de oposição à FEB, dormem nas prateleiras de livrarias, ou rolam pelos sebos e nunca mais são reimpressos. As tribunas escasseiam para aqueles que não têm sabido fazer dela um verdadeiro recurso de pregação do amor e da verdade, mas que seriam os primeiros a abrandar a língua se a FEB lhes destinasse uma coluna no "Reformador" ou cinco minutos no seu salão de conferências. Não desejam mais do que exibir-se e, faltos de autocrítica, pregar suas teorias preconcebidas. Em "Obras Póstumas", pág . 319, 11ª ed., Allan Kardec quis por certo aludir a esses, quando escreveu: "Não faltarão intrigantes, pseudo-espíritas, que queiram elevar-se por orgulho, ambição ou cupidez; outros, que estadeiem pretensas revelações com o auxílio das quais procurem salientar-se e fascinar as imaginações por demais crédulas."

            Sim. Seguimos a FEB, porque seu programa é o que nos agrada, pautado que está rigorosamente na própria Doutrina Espírita. Nenhum reparo temos a fazer ao seu trabalho e à sua conduta. Os ideais que ali vigem são os que abraçamos, os serviços que ela empreita são os que nos satisfazem. Nunca nos impuseram coisa alguma e muito antes de lhe pertencermos ao Conselho Superior, já dela éramos beneficiário, não apenas materialmente (ali recebemos inestimável assistência espiritual, através de passes magnéticos) mas, acima de tudo, doutrinária e evolutivamente, com as lições que aprendemos emanadas das obras que há mais de meio século vem divulgando. Lemos muito sobre Espiritismo. E de tudo o que lemos, ficou-nos a autoridade, mínima que seja, para escolher sem cegueira nem paixão: estamos com a FEB. Aos que quiserem conhecer melhor os argumentos esfarrapados dos que a combatem, recomendamos os capítulos IX, X, XI e XII do livro "Elos Doutrinários", do nosso erudito confrade Ismael Gomes Braga. Vale a pena ler.

            Nossos leitores que continuem a escrever-nos, pois suas críticas hão de agradar-nos sempre. Pedimos apenas que o façam em termos evangélicos, sem facciosismos, sem ódios, sem o desejo de aluir coisa alguma. Quanto ao companheiro que nos obrigou a esse longo artigo, nosso convite sincero para que venha conhecer melhor a obra da Federação Espírita Brasileira, principalmente seu trabalho de divulgação do livro espírita, em muitos dos quais, estamos certos, foi beber os conhecimentos que hoje o fazem um espírita honesto e senhor de cabedal respeitável. O Papado, que ele andou adivinhando na direção da FEB, não existe na realidade. Por outro lado, esta não pode nem deve descuidar-se um minuto sequer, para que a Instituição não acabe caindo em mãos menos dignas. Essa cautela, de resto, quem a aconselha é o próprio Allan Kardec, quando diz em "Obras Póstumas": "É também de prever que, sob falsas aparências, indivíduos haja que tentem apoderar-se do leme, com a ideia preconcebida de fazerem soçobrar o navio, desviando-o da sua rota. O navio não soçobrará, mas poderia sofrer prejudiciais atrasos que se devem evitar" (pág. 219, 11ª ed.).


            Deixem-nos por fim, o companheiro e todos os leitores nossos, lembrar-lhes que bastaria a conquista do selo comemorativo do centenário de "O Livro dos Espíritos", conseguido duramente pela FEB, para credenciá-la - em especial a sua atual diretoria - junto ao coração dos espíritas de todo o mundo. E, ao seguir pela avenida Passos, que nosso companheiro se detenha um instante em frente à Casa de Ismael, se nela não quiser entrar, para sentir pessoalmente, ao passar por ela, que de fato os homens passam e a FEB fica, eterna e imortal.

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