Platão
XX a
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Ninguém vos domine a seu bel-prazer
com pretexto de humildade
e culto dos anjos, metendo-se em
coisas que não viu;
estando debalde inchado em sua
carnal compreensão.”
(Epístola aos Colossenses, 2:18)
Cuidado com as subjugações ou com a
escravidão mental!
O espírita-cristão é, antes de tudo,
livre pensador. Deve passar todos os ensinamentos, todas as experiências pelo
crivo da razão, e só aceitar aquilo que o deixe em paz com sua própria
consciência.
O entendimento é gradativo; o
processo de iluminação é lento, pois, assim como “a Natureza não dá saltos”, conforme diz o brocardo, não podemos ter
fé ou convicção profunda de um dia para outro. Na eternidade não há pressa.
As coisas vão devagar. O Espírito é
chamado para o conhecimento das verdades eternas, mas é preciso persistir nessa
busca, honestamente, para que possa ser escolhido. “Aquele que perseverar até ao fim será salvo”, disse Jesus (Mateus,
10 :22). Deve o homem perseverar no estudo e, sobretudo, nos propósitos de sua
própria regeneração. Esta, também, não se obtém às carreiras.
É indispensável que cada um se
convença de que é pecador e imperfeito, tendo ainda muito que evoluir.
As pessoas estranhas ao conhecimento
espiritual gostam de se elogiar, dizendo-se honestas e cumpridores dos deveres.
Mas, qual o indivíduo que cumpre,
estritamente, com seus deveres, amando o próximo como a si mesmo? Nossa
perfeição é sempre relativa. Portanto, quão longe estamos da perfeição
completa!
Entretanto, o Divino Mestre
aconselha: “Sede vós perfeitos, como é
perfeito o vosso Pai que está nos céus.” (Mateus, 5:48.)
Mas ele assim falando doutrinava
para nossa vida eterna, de que a atual também faz parte. É preciso que nos
esforcemos à procura da elevação. Nisto reside o mérito: na boa vontade, na sinceridade
de propósitos, no esforço individual em busca da ascese, ou seja, da ascensão
para Deus.
Porém, nada de jactâncias, nem de
sentimentos de superioridade e, sobretudo, nada de julgar o próximo, supondo-o
inferior, pois, se estivéssemos em seu lugar, talvez procedêssemos pior. Suas
atitudes também não podem ser julgadas, de vez que, às vezes, o que nos parece
errado, tem uma razão de ser. Além disto, cumpre-nos sempre ter tolerância, que
é amor.
Os motivos que determinam a conduta
escapam, geralmente, à percepção de quem não está atento. Daí porque é preciso
vigiar, não se deixando o homem arrastar pelos impulsos. As aparências enganam,
e um ato, mesmo virtuoso, de quem encobre falta alheia para não acusar, pode
ser tomado em sentido rigoroso e injusto.
Sócrates já recomendava o conhece-te a ti mesmo, que é o começo
e a base da perfeição. Devemos estudar nossa índole, nossos pendores e examinar
se certas atitudes não são, porventura, frutos de sentimentos inferiores, que
decorrem do egoísmo, imperfeição comum a todos os homens.
Temos sempre o propósito de
desculpar nossas faltas. As pessoas sempre se justificam de seus erros, dando
uma razão para eles. Mas os Espíritos do Senhor recomendam que sejamos
rigorosos conosco e tolerantes para com o próximo.
Os defeitos individuais, mesmo
pequenos, merecem corrigidos. Se não tivermos força para combater os pequenos
erros, como nos poderemos livrar dos grandes?
O Espiritismo vai nos melhorando
através dos séculos, contanto que sejamos leais aos seus ensinamentos, os quais
são os de Jesus e de seus apóstolos, interpretados “em espírito e verdade”, isto é, com simplicidade e pureza, sem
preocupações dogmáticas ou da prática de ritos, que são coisas dispensáveis, já
que o principal é a transformação moral e a prática do bem ou da caridade.
Nada de discussões que não edificam
e que o apóstolo Paulo também condenava. “E
não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito.”
(Ef., 4:18) Aquele
que já se sente capaz, pode esclarecer seu irmão, máxime se ele o pedir. Mas
não queira impor sua vontade “a ferro e a fogo”, nem ficar agastado, se não for
ouvido. Cada um tem seu livre arbítrio e é responsável pelos seus próprios
atos. Quem erra conscientemente, pratica o pecado contra o Espírito-Santo,
comete o a que Jesus se referiu, dizendo que não tem perdão (Marcos, 3:29),
isto é, te-lo-á de pagar “até o último
ceitil”.
O apóstolo Paulo nos adverte; neste
versículo de sua Epístola aos Colossenses, que nos devemos precatar, a fim de
que ninguém nos domine, seja homem ou Espírito.
Os homens são falhos e muitos
Espíritos estão sujeitos ao erro. “O Senhor nosso Deus é o único Senhor.”
(Deut., 6:4; Marcos, 12:29) Obrigar a mente a quaisquer imposições alheias,
admirar alguém com exagero, é sujeitar-se a ter decepções. Amar um Espírito ou
uma pessoa demais, é paixão, sentimento tido como condenável pela própria
Psicologia, que é a ciência que estuda a alma humana e os seus processos
fenomênicos.
Paixão - ela nos ensina - é um
sentimento exagerado. Qualquer que seja, pela pátria, por alguém, por algum
Espírito, ou mesmo pela própria mãe ou pelos filhos, torna-se reprovável,
porque excessivo ou patológico.
O verdadeiro amor é sereno e
controlado. Não deve ir ao ponto de concordar com os erros; precisamos ter a
energia moral bastante de discordar, mesmo com doçura. Somos responsáveis
perante Deus pelas criaturas que nos foram entregues ou que estão sob nossa
guarda.
Acreditar na infalibilidade alheia é
tolice. As mistificações servem de lições proveitosas para não cairmos nesses
excessos e nem no fanatismo.
Tudo deve ser passado pelo crivo da
razão, eis o ensino dos Mensageiros do Senhor, que não devemos cansar de
repetir.
Daí porque - homens livres e
cristãos conscientes - não podemos aceitar os dogmas religiosos, que têm de ser
admitidos como artigos de fé, sem quaisquer exames. Acredita-se ou não nos
dogmas, dizem os teólogos, mas não se tem o direito de investigar, de duvidar
ou de querer penetrar em sua essência. É a escravidão mental contrária ao
roteiro traçado por São Paulo, quando recomenda: “Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai tudo.
Retende o bem.”
(1 Tess., 5:19 a 21)
Porque essa subjugação intelectual a
conclusões de teólogos, decorrentes de concílios de que só participaram homens
falíveis? Não será extinguir o Espírito,
negar o direito ao raciocínio alheio, à liberdade de investigar? - É a fé cega,
primária, instintiva, irracional, que pode conduzir ao erro, com pouca
possibilidade de retroceder.
Pitágoras
XX b
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
É também deixar-se dominar “a bel-prazer”, como diz Paulo, “com pretexto de humildade ou de culto aos
anjos, metendo-se em coisas que não viu” ou sobre as quais não quer
refletir, com medo de enfrentar a verdade, que é acessível a todo homem
estudioso e
sincero.
Dizem, para impressionar, que
aqueles concílios contavam sempre com a presença do Espírito-Santo. Mas, quem o provou? Basta tal
afirmativa para que logo se creia neles, sem mais exames!
Duvidam de nossas sessões espíritas
- e têm essa faculdade, porque não investigam -, mas acham que devemos crer,
cegamente, nas conclusões de seus concílios, alguns feitos há séculos, de cujas
discussões nem temos notícia!
Defendem o direito de criar dogmas,
através de seus doutores, mas negam a própria doutrina de Jesus, que é
simplicidade e amor, pois ele mesmo disse:
“Nada
há de encoberto que não haja de revelar-se, nem oculto que não haja de
saber-se.” (Mateus, 10:26; Lucas, 12:2.)
Se o dogma é “mistério”, mas se esse “mistério”
religioso não existe na doutrina de Jesus, conforme suas próprias palavras,
aceitá-lo é discordar dessas palavras para ficar com os ensinos dos homens, que
não têm o poder de revogá-las.
Já temos acentuado que o mistério só
existe como fruto de nossa ignorância. À medida que vamos evoluindo em
conhecimento, os mistérios vão desaparecendo. Não podemos aceitar algo como
mistério, sem o direito de investigar. Isto seria tolher nossa liberdade
intelectual, e a liberdade do homem é direito sagrado, que Deus concedeu, e que
ninguém, nem em Seu nome, tem a faculdade de violentar, seja lá por que
pretexto... E como afirmou São Paulo, no versículo ora comentado, ninguém nos
deve dominar, porque somos criaturas livres, responsáveis pelos nossos atos e
que precisamos evoluir pelas nossas próprias experiências. Nosso supremo
roteiro é o Novo Testamento, que ele nos legou com seus apóstolos. Tirar daí
conclusões que ofendam a essência de sua doutrina generosa e liberal, é desmenti-lo,
com propósitos de dominação, como geralmente sucede.
O Cristianismo puro, que decorre dos
Evangelhos, não tem complexidade dogmática; foi criado, antes desses concílios,
pelo Divino Mestre e por seus apóstolos. A estes e não aos dogmas devemos
seguir, espontaneamente, procurando ser humildes e regenerados, seguindo apenas
os mandamentos divinos, e não os enxertos feitos na doutrina do Senhor, com o
propósito de escravizar consciências. Cristianismo, que o Espírito-Santo ora
procura restaurar na Terra, em toda a sua pureza primitiva, consiste apenas no
amor - a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. “Destes dois mandamentos” (que se fundam
no amor), “depende toda a lei e os
profetas.” (Mateus, 22:40.) Os dogmas são, por consequência, criações de
certos cristãos e não do Mestre Excelso. São interpretações humanas dos textos
bíblicos, que os Espíritos Superiores (a verdadeira falange do Espírito-Santo,
que já se comunica com as pessoas de boa vontade) condenam e desautorizam.
Os concílios de homens sujeitos ao erro,
cuja infalibilidade pessoal eles mesmos decretaram, desviaram o Cristianismo de
seu verdadeiro sentido e de seu terreno exato, proporcionando até a cobrança de
espórtulas por sacramentos, taxados a preço fixo, num comércio
abominável com as coisas santas, como se com dinheiro, e não com virtudes,
pudesse ser conquistado o reino de Deus.
Todavia, não devemos ter aversão por
tais religiosos - muitos dos quais procedem também como cristãos, porque são
regenerados e fazem o bem -, mas apenas nos cumpre evitar a comunhão com seus
erros e com suas fraquezas, tornando-nos libertos desses preconceitos
multisseculares, que tanto fanatismo têm gerado e que tantos males têm causado
à Humanidade, porque o crente dogmático quase sempre é intolerante, achando que
somente ele está de posse da verdade, e que os outros trilham a senda da
impostura, sem salvação.
Os Mensageiros do Senhor, que são as
vozes dos Céus, ensinam-nos ainda que a crença nos dogmas serve de entrave ao
nosso progresso espiritual, pois que, comumente, gera o medo, que é um sério
obstáculo à evolução do Espírito. É este sentimento, incutido pela crença nos
dogmas, que nos faz ter dúvidas e receios, quando começamos a investigar sobre
o Espiritismo. Travando contato com os bons Espíritos, tendo confiança neles,
nosso medo vai
desaparecendo, para nosso próprio bem, pois então estaremos libertos dos tabus
e dos preconceitos. E nosso Espírito estará apto a prosseguir na trilha
evolutiva do conhecimento, que liberta, como disse Jesus:
“Se
permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos;
“E conhecereis a verdade, E A
VERDADE VOS LIBERTARÁ”
(João, 8:31 e 32)
Sabemos que Jesus é universal. É de
todos os homens e pertencente a todas as religiões, mesmo àquelas que não o
admitem, mas que em parte o adotam, porque proclamam certos princípios que
pertencem à sua filosofia. Sabemos também que o principal é
a prática do bem e não o rótulo religioso. Mas podemos afirmar que o Espiritismo
é a cúpula do Cristianismo, a Terceira Revelação de Deus, que veio libertar os
homens de seus erros e de seus
preconceitos, incutidos quase sempre por criaturas que têm procurado servir-se
dos ensinamentos de Jesus para os seus propósitos de dominação temporal,
esquecidas da lição fundamental do meigo Rabi: “Dai de graça o que de graça recebestes.” (Mateus, 10:8, in fine.)
Sendo indivíduos cultos, bem podiam
viver de lecionar ou no exercício de outras profissões honestas, deixando de
explorar os homens em nome de Deus, como chegam a fazer.
Muitos desses, repetimos, são bem
intencionados; acreditam em sua Igreja com sinceridade - exatamente porque não
investigaram ou porque não têm liberdade para fazê-lo - e pensam estar a
serviço da verdade. Chegam a realizar algum bem, embora deturpando com seus
dogmas a singeleza do Cristianismo. Praticam e ensinam uma espécie de curso
primário - ou de jardim da infância - em matéria de religião, e como abundam os
ignorantes, os que se não querem dar ao trabalho de estudar o assunto, seus
processos dão para estes algum resultado, motivo pelo qual não devem ser
condenados, pois têm alguma utilidade de ordem moral.
Além disso, se há Espíritos encarnados de diversas categorias e de diferentes
graus de entendimento, não se pode exigir que todos pensem de igual maneira ou
que sigam a mesma religião. Eis porque, embora discordando de nossos irmãos de
outros credos, devemos ter tolerância para com eles, sentimento de compreensão
e alta dose de amor.
Os espíritas que têm raiva de padres
e que vivem a combatê-los sistematicamente, em qualquer ocasião (felizmente,
são poucos), ainda estão longe de ser cristãos, ainda não sabem ser espíritas,
porque temos a obrigação de demonstrar tolerância e amor com todos, mesmo para
com os ateus.
Há pontos lindos do Evangelho que
podemos abordar em nossas reuniões (e Allan Kardec bem os condensou em “O
Evangelho segundo o Espiritismo”), sem necessidade de descermos às competições
religiosas.
Pregando a doutrina do Cristo sem
ataques pessoais e sem insultos, convenceremos com mais facilidade do que
irritando ou chocando a compreensão dos que nos ouvem ainda com algumas
reservas mentais ou com certas dúvidas, próprias de quem começa...
Sejamos prudentes como o Senhor
Jesus recomendou.
Tenhamos liberdade de consciência,
convicção do que afirmamos, mas sem querer dominar nosso semelhante, nem ferir
o seu livre arbítrio, o que é também faltar com a caridade.
Quando tivermos de versar esses
delicados assuntos, façamo-lo sem ofensas, mas com o propósito leal de servir à
Verdade, escolhendo as palavras, combatendo os erros e não os homens, porque estes
são nossos irmãos e, às vezes, moralmente estão acima de nós. Há também
cristãos entre outras crenças e nós não monopolizamos a Jesus.
Grau de entendimento é sabedoria -
aspecto da evolução. Mas tem sempre de ser acrisolada pelo amor, pedra de toque
ou sinal do verdadeiro espírita-cristão.
O Espiritismo também não se impõe. E
nem todos estão à altura de compreender que ele é a Terceira Revelação de Deus
e a expressão maior da verdade dada aos homens de boa vontade, exatamente
porque não é doutrina de seres humanos, mas dos Mensageiros do Senhor. E quem
duvidar, que investigue, a fim de ter esta convicção que, graças a Deus, já possuímos.
Nossa fé não é cega, mas raciocinada, fruto de anos de dúvidas, de incertezas,
de investigações, até que se arraigou em nosso Espírito, inabalavelmente.
E felizes dos que creem na
imortalidade da alma, nas vidas sucessivas e na Justiça de Deus, sabendo que a
cada um será dado, não só pela sua fé, “mas segundo as suas obras”, como disse
Jesus, reafirmando o que está escrito no Velho Testamento. (Mateus, 16:27 e I Sam.,
2:3)
Nossa existência atual tem um
encadeamento lógico com o passado e plantamos agora o que havemos de colher no
futuro, confiados sempre na misericórdia divina. Temos a convicção profunda de
que Deus é bom, como afirmou o Divino Mestre, nosso irmão maior, o protetor e
governador de nosso planeta. E apreciemos a Paulo porque ele foi o “vaso escolhido”
para vulgarizar seus ensinamentos entre os homens, dando-nos também lições
imortais,
que nos servirão por toda a eternidade!
Péricles