XIV
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
Não repreendas asperamente os anciães,
mas admoesta-os como a pais;
os mancebos como a irmãos;
às
mulheres idosas como a mães;
às moças como a irmãs, em toda a pureza.
Honra as viúvas que verdadeiramente
são viúvas.
Mas, se alguma viúva tiver filhos,
ou netos, aprendam primeiro
a exercer piedade para com a sua
própria família,
e a recompensar seus pais;
porque isto é bom e agradável
diante de Deus.
Ora a que é verdadeiramente viúva
e
desamparada espera em Deus,
e persevera de noite e de dia
em rogos e orações;
Mas a que vive em deleites, vivendo
está morta.
Manda, pois, estas coisas, para que
elas sejam irrepreensíveis.
Mas, se alguém não tem cuidado dos
seus,
e principalmente dos da sua fam1lia,
negou a fé e é pior do que o infiel.”
Paulo, Primeira Epístola
a Timóteo, 5:1 a 8
Os conselhos que Paulo dá, nesta
epístola a Timóteo, seu companheiro de lutas em prol da divulgação do
Cristianismo, tem o sabor da simplicidade que edifica e é fonte perene de moral
cristã.
Quando Jesus ou qualquer apóstolo
falava, ensinando regras de conduta ou referindo-se às coisas dos Céus, suas
palavras tinham “espírito e vida”, e não eram dedicadas somente a seu interlocutor,
mas a toda a Humanidade, necessitada de conselhos e de ensinamentos elevados.
A força moral dessas lições
consiste, sobretudo, na circunstância de que eles viviam o que pregavam,
praticando o que ensinavam.
Mais do que as palavras, valem os
exemplos. E quando estes correspondem àquelas, o homem é cristão, isto é, vive
em Cristo e para o Cristo, certo de que Jesus é o supremo roteiro de sua felicidade
ou de sua salvação.
As palavras dos apóstolos vêm
completar os ensinos do meigo Nazareno, assim como, hoje em dia, as lições do
Espírito Santo ou de seus Mensageiros recordam o que aqueles nos disseram, ensinando-nos
ainda todas as verdades, mesmo as que não foram enunciadas por Jesus, para que
se cumpra o que ele mesmo disse em João, 16:12 a 14.
Destarte, os tempos prescritos são
chegados e estamos em pleno reinado do Consolador (o Espiritismo cristão),
prometido pelo Cordeiro de Deus nos capítulos catorze e dezesseis do mesmo Evangelho
de João.
Paulo de Tarso ensinava a Timóteo, e
suas recomendações são também para nós outros:
“Não repreendas asperamente os
anciães, mas admoesta-os como a pais; aos mancebos como a irmãos. Às mulheres
idosas como a mães; às moças como a irmãs, em toda a pureza.”
Os velhos merecem nosso respeito,
nossa consideração, pela sua própria idade. Estão no fim desta vida. Muito
lutaram e muito sofreram na Terra, que é o planeta de provas e de expiações. Ninguém
se livra de padecimentos, seja bom ou seja mau, pertença a este ou àquele credo
religioso, porque o sofrimento é indispensável para o burilamento do Espírito,
é o cadinho por onde as imperfeições se destilam, como norma utilizada, imprescindivelmente,
pela lei da evolução.
Portanto, se tivermos de admoestar
algum ancião, façamo-lo com brandura e com o devido respeito, como a pai. Isto
quer dizer também que o genitor, às vezes, pode ouvir a opinião ou o conselho
sensato de um filho, desde que este o externe com o devido respeito às suas
cãs, porque, se somos falíveis, devemos ter a humildade necessária para
recebermos a advertência de quem quer que seja, desde que oportuna e justa. O
apóstolo Paulo prevê aqui
a possibilidade de os pais serem admoestados pelos filhos, quando ensina que
devemos repreender os anciães como se fizéssemos a nossos pais. Assim, há
circunstâncias na vida em que o conselho de um filho pode ser aceito pelo pai
ou pela mãe, pois, quando há sinceridade de propósitos na família, isto se dá para
o bem e para a felicidade do lar. A regra geral é que o pai deva aconselhar o
filho; mas, excepcionalmente, pode verificar-se o contrário, também para
edificação, e o conselho não convém ser repelido com desdém ou com
aborrecimento, só porque partiu do filho, mas ponderado e aceito, se for para o
bem. É o que se conclui desta lição de São Paulo, que tinha autoridade moral
para dá-la, como apóstolo do Senhor. Lendo suas palavras e sobre elas refletindo,
penetramos no espírito de seus ensinamentos, que são também
imortais.
As moças devem ser educadas com
bondade e pureza, porque a mulher é mais sensível, mais delicada, porém, sem
que se dispense energia, quando se fizer necessária, pois não devemos transigir
com os erros de nossas filhas, de vez que somos em parte responsáveis por sua
conduta perante Deus, máxime se residem conosco ou estão ainda sob nossa tutela
ou vigilância.
“Honra as viúvas que verdadeiramente
são viúvas, diz o apóstolo dos gentios.
Mas se alguma viúva tiver filhos, ou
netos, aprendam primeiro a exercer piedade para com a sua própria família, e a
recompensar seus pais; porque isto é bom e agradável diante de Deus.”
As viúvas que são verdadeiramente
viúvas, isto é, que sabem respeitar a memória de seus maridos e sua própria
dignidade, as que conseguem resistir às tentações do mundo, muitas vezes com os
maiores sacrifícios, enfrentando a pobreza sem cair, escrevem páginas anônimas
de virtude e de heroísmo, que Jesus sabe ler no livro humilde de suas vidas. A
estas, são comparadas aquelas outras mulheres que vivem honestamente, embora
abandonadas por seus
esposos, os quais, por circunstâncias várias, não tiveram a dignidade de
cumprir com os deveres conjugais. Algumas, como se não bastasse, ficam ainda
jungidas ao peso dos filhos, mas traçam uma trajetória brilhante de renúncia,
de dedicação e de amor, esquecidas de si mesmas, para carregarem a cruz que o
destino lhes deu.
Somente a justiça da lei da
reencarnação pode explicar esses casos, os quais, quando não são provações, são
expiações dolorosas, mas purificadoras, frutos do processo evolutivo ou de
reajustamento, indispensável à ascese, ou seja, à elevação do ser.
O Espiritismo tudo explica com
lógica, dando-nos a consciência da justiça de Deus, a que nos devemos resignar,
se quisermos mesmo evoluir para Jesus.
Sejam quais forem as circunstâncias
ou os acontecimentos, é mister que nos portemos sempre com piedade para com a
própria família, porque, como ensina São Paulo, “se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua própria
família, negou a fé e é pior do que o infiel”.
Que o cristão ou o espírita
compreenda a importância deste ensinamento!
É a família a base da sociedade e o
campo de ação onde as virtudes cristãs mais se podem exercitar. É nela que
devemos cultivar a paciência, a bondade, a humildade e o amor. Quase sempre são
inimigos de outras vidas que a misericórdia divina permite que se unam sob o
mesmo teto, para se reajustarem, para ascenderem juntos, na senda da
espiritualidade. Quem renuncia à família é um revoltado, não quer sujeitar-se
aos meios corretivos da lei de Deus, nem desenvolver a potência amorosa, que
está em estado latente em todo Espírito. É um egoísta e um perverso.
O homem que, separado dos seus,
descobre a Jesus, deve voltar para sua família, a ela dedicar-se, pois como diz
o meigo Nazareno: “Se alguém quiser vir a
mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me.” (Mateus,
16:24) Jesus só tolera a separação em caso de adultério, conforme está escrito
em Mateus, 19:9, mas deixa a cada um o direito de perdoar. Fora daí, desse caso
excepcional, devemos satisfazer sempre nossos deveres conjugais, nem que a vida
se assemelhe a um inferno, porque é melhor cumprirmos humilde, mas
valorosamente, nosso destino, do que renunciarmos à cruz que Deus nos deu.
Aliás, a vida no lar, por pior que seja, tem sempre os seus encantos, as suas
compensações, que fora dele não podemos achar, em relações pecaminosas. O
profeta Malaquias (2:15, in fine) já ensinava: “Guardai-vos em vosso Espírito, e ninguém seja desleal para com a mulher
de sua mocidade.”
Quem quer ser espírita, ou quem é
cristão, deve procurar regenerar-se. As concupiscências da carne são fortes
empecilhos para a evolução do Espírito. Somente na constituição da família o
homem pode achar, honestamente, a solução para os seus problemas, o verdadeiro
ninho de amor, mesmo através de lutas ou de sofrimentos, mas onde, com renúncia
e abnegação, poderá encontrar a verdadeira felicidade, que é, sobretudo, a paz
de consciência, que decorre do dever cumprido.
“Se
alguém não tem cuidado com os seus principalmente com os da sua família, diz o
apóstolo Paulo, negou a fé e é pior do que o infiel.”
Como poderemos pregar as palavras do
Cristo, se não tivermos o devido zelo para com os de nossa casa?
Há pessoas que se fanatizam pelas
religiões e até pelo Espiritismo, o que é um erro. Não lutam devidamente pela
vida, não produzem o bastante para tratar bem de sua família, mas vivem doutrinando,
falando nos Centros, esquecidas de seu principal dever, que está no lar.
Somente quando satisfizermos esta
obrigação é que nos devemos exercitar nas outras, pois o Divino Mestre diz que
quer amor e não sacrifício (Mateus, 9:13). E não é justo sacrificarmos
os que nos são caros, pois não temos esse direito, para pensarmos egoisticamente
em nossa própria evolução.
Se
fora da caridade não há salvação, cujo lema é profundamente verdadeiro,
devemos ter caridade, antes de mais nada, com os de nossa própria casa,
'tratando-os bem, preocupando-nos com a sua educação, com o seu procedimento e
com o seu futuro, orientando-os na vida, pois este é o nosso principal encargo.
Não quer dizer que esqueçamos as outras obrigações espirituais. Mas, como diz
Paulo, em primeiro lugar a família, pois nela está nosso maior dever de
religiosidade, educando-a e tratando-a bem. Quem assim não proceder, “negou a fé e é pior do que o infiel”.
Religião é regra de conduta, que
começa no lar e se exercita também na sociedade, no trato diuturno da vida.
Compreendamos o sentido exato da
palavra religião. É nossa ligação com Deus; e nós só nos poderemos ligar ao Pai
Celestial, sendo honestos, cumpridores dos deveres e amando a todos,
indistintamente, começando pelas pessoas de nosso lar, inclusive nossos servos ou
nossos empregados, que também devem ser tratados com carinho, porque são
componentes da família que o Senhor nos deu, para aprendermos a renunciar a nós
mesmos e a amar, pois no amor está a evolução e é ele que expressa o verdadeiro
sentimento religioso.
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