XIII
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Mas nós, que somos fortes, devemos
suportar as fraquezas
dos fracos, e não agradar a nós
mesmos.
Portanto cada um de nós agrade ao
seu
próximo no que é bom para edificação.
Porque também o Cristo não agradou a
si mesmo, mas,
como está escrito: Sobre mim caíram
as injúrias dos que te injuriavam.
Porque tudo que dantes foi escrito,
para nosso ensino foi escrito,
para que pela paciência e consolação
das Escrituras tenhamos esperança.
Ora o Deus de paciência e consolação
vos conceda o mesmo
sentimento uns para com os outros, segundo o
Cristo Jesus”.
Romanos, 15:1 a 5.
“Nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos” -
eis o conselho do apóstolo Paulo, que deve ser meditado e seguido por aqueles
que já conhecem o Espiritismo e que procuram dar provas de sua regeneração
moral. Com efeito, a moral evangélica não se resume só na decência física, mas
implica também a prática de outras virtudes, como a paciência, a tolerância, a
bondade e a resignação.
Nós, que somos fortes, toleremos as
fraquezas, os erros de nossos irmãos, e mesmo as impertinências alheias, sem
dar mostras de irritação. Não procuremos agradar a nós mesmos, mas busquemos
ser agradáveis ou tolerantes para com o próximo. Assim, não pretendamos impor
nossa vontade, nem nossos pontos de vista, mas sejamos mansos e compreensivos
para com os que nos contrariam, pois que já somos fortes no conhecimento da
verdade e “devemos suportar as fraquezas
dos fracos”, como diz Paulo.
Portanto, qualquer palavra ofensiva
que ouçamos, não deve ocasionar nosso descontrole nervoso, nossa resposta
pronta e vibrátil, porque isto, geralmente, é demonstração de orgulho ou de
falta de humildade, pois que esta é a grande virtude cristã. Já Buda
aconselhava a dominação do eu, em busca da ascese, de vez que a evolução só se
processa com a subjugação das paixões ou com a vitória sobre as inclinações
inferiores, o que dá a serenidade ou a mansidão, própria dos Espíritos
superiores. Assim, tenhamos paciência e amor, virtudes que acabam vencendo, porque
desarmam os maus, os atrasados, os infelizes, que ainda são fracos,
demonstrando soberba ou incompreensão.
O espírita-cristão é um homem
renovado pelo Evangelho e que, por isto mesmo, procura domar suas arrogâncias.
A luta maior é contra nossas próprias imperfeições, porque o “homem velho” precisa ser removido e
criada outra mentalidade, em sintonia com os ensinamentos do Divino Mestre, a
fim de que seja testemunhada por atos nobres a fortaleza da fé.
E o apóstolo Paulo acrescenta: “Cada um de nós agrade ao seu próximo no que
é bom para edificação.”
Próximo é todo aquele com quem
privamos, que entra em contato conosco, seja no círculo doméstico ou no social.
E o Cristianismo diz que o próximo - seja quem for - é nosso irmão em Jesus,
porque todos somos filhos do mesmo Pai Celestial, que não faz acepção de
pessoas, como afirma São Pedro, mas julga a cada um segundo as suas obras (I
Pedro, 1:17).
Destarte, se o cristão é cidadão do
Universo, embora sem deixar de amar a Pátria a que pertence, deve olhar para
todos, indistintamente, com a mesma bondade, com o mesmo sentimento fraterno e
com igual tolerância, sem distinção de credo, de raça, de sexo, de evolução
mental ou de idade.
O mau, geralmente, o é por
ignorância - que é a maior causa dos erros ou das imperfeições - e que gera a
hipertrofia do egoísmo. Substancialmente perverso, talvez não haja alguém, e
mesmo para com o pior devemos demonstrar piedade, porque se trata de um doente
moral, que será curado pela dor, pelo sofrimento que retifica os caracteres,
por mais endurecidos que se apresentem. Há um momento em que o Espírito cansa
de sofrer e tende a regenerar-se. O diabo, ou seja o Espírito mau, é perfectível,
sujeito à evolução, que é lei divina. Eis uma das afirmativas do Espiritismo,
que nos veio mostrar a misericórdia celeste, pois, através de vidas sucessivas,
“toda carne verá a salvação de Deus”
(Lucas, 3:6).
Assim, a maioria erra por falta de
conhecimento da verdade, que gera a incompreensão da conduta ou dos deveres,
resultando daí o orgulho ou a vaidade, que faz com que o indivíduo pise nos
demais, pensando que está exercitando um direito legítimo, de expansão e de
satisfação de sua personalidade. É a ignorância jactanciosa, mas digna de
piedade.
Muitos são tão atrasados e tão
infelizes que ainda não sabem amar! Colocam, às vezes, o dinheiro acima de
tudo; por ele são capazes de praticar quaisquer atos indignos. Alguns só se
preocupam com a vaidade ou com o luxo, defeito muito comum em certas mulheres,
que sacrificam até a educação dos filhos, a assistência carinhosa que lhes
deviam dar, para participarem de festas ou de reuniões galantes, onde se possam
exibir. Outros só visam a política, as ambições do poder, que é algo de grande
responsabilidade moral, tão grande quanto a riqueza, pois é difícil ao que
governa fazê-lo com amor. E, assim, geralmente se esquecem do carinho que devem
dispensar à família ou da cordialidade sincera com que precisam tratar o
próximo, já que somente os de sua grei lhes merecem apreço. São criaturas que
vivem trancadas em seu círculo mental, adorando o ouro, o luxo ou o poder, incapazes
de desenvolver as qualidades elevadas do espírito, mal jungidas ao
terra-a-terra das coisas materiais ou dos preconceitos que afogam e que
entronizaram na mente, como o seu deus, a cuja adoração se sacrificam, sem
proveito. Esquecem-se de que neste mundo a vida é passageira e que, cedo ou
tarde, terão de partir, de dar contas de seus atos a Deus, e que a verdadeira joia
com que se compra a paz do espírito e a felicidade é a virtude, único sistema
monetário vigente nos Céus. A ambição, o luxo ou a avareza os reduz à condição
de infelizes, porque não têm alegrias perduráveis, nem afetos reais, mas
ilusórios, que os conduzirão ao sofrimento, à descrença ou ao desespero. Falta-lhes
a noção do verdadeiro caminho, que é Jesus. Amam as coisas da matéria, o gozo,
as glórias ou o poder do mundo, que são efêmeros e que ressecam o coração.
Vivem inquietos, volúveis, aparentando calma, mas infelizes, porque cépticos,
inconformados, vazios de coração e, quase sempre, despidos da nobreza de
sentimentos, torturados por suas próprias imperfeições! A dor os espreita para
os decepcionar ou para os desiludir, mas, tão alheios à realidade, que a
moléstia às vezes não basta para os advertir. Queixam-se então, ou se tornam
lamurientos, mas não despertam o espírito para compreender que a enfermidade é
o começo da correção; e se melhoram, voltam aos erros antigos, inda com mais
furor.
As pedras reais que encontrarão, na
vida, são as da ingratidão e da maldade, que às vezes também retribuem, com
propósitos inferiores de vingança, gerando o círculo vicioso em que se
revolvem, quase sem salvação. Realmente, vivem sem um farol, sem uma luz, sem
um arrimo, porque não querem compreender que “só o amor constrói para a eternidade”, não o amor material,
pecaminoso, mas o amor puro, espiritualizado, que também se chama bondade,
abnegação ou carinho. Mas eles duvidam dessa força celestial, que está dentro
de nós mesmos, para renderem tributo, tão somente, às ilusões do mundo. Alguns,
já no fim da vida, cheios de experiências dolorosas e de decepções, são felizes
quando ainda acham um peito amigo para repousar, uma criatura generosa, a que
geralmente trataram com dureza, mas que lhes retribui com meiguice, este
sentimento nobre que não souberam cultivar. Outros, nem isto conseguem. Viveram
sós, colheram amargas desilusões, mas privaram com criaturas semelhantes ou com
quem não os pode suportar, e tudo lhes fugiu, porque não quiseram crer nas forças
do bem, no Cordeiro Imaculado “que tira
o pecado do mundo”, na frase lapidar de João Batista.
Todavia, mesmo para todos esses, o
Espiritismo ainda acena com o amor e com a felicidade legítima e perdurável. Há
tanto bem que ainda poderão fazer! Devem começar fazendo a si mesmos o grande
bem de perdoar as ofensas que receberam, justas ou injustas. Esta é a sublime
lição de nosso Divino Mestre. E se quiserem libertar-se dos sofrimentos morais,
se quiserem conhecer a verdade, é só ler as obras consoladoras de Léon Denis,
os romances de Emmanuel, psicografados por Francisco Cândido Xavier, e os
trabalhos de Allan Kardec, que lhes indicarão o roteiro, mesmo no fim da vida,
que aliás é eterna, e nunca é tarde para o arrependimento ou para a
regeneração, pois, como disse o iluminado apóstolo dos gentios, nessa admirável
Epístola aos Romanos, “tudo que dantes
foi escrito, para nosso entendimento foi escrito, para que pela paciência e
consolação das Escrituras tenhamos esperanças”.
Sim, tenhamos fé, tenhamos
esperanças, como o apóstolo Paulo aconselha. Elas são as alavancas que poderão
erguer nosso espírito na compreensão das verdades eternas. A vida não é uma só,
mas continua, eternamente. Nunca é tarde para recomeçar, com propósitos mais
elevados, honestos e sinceros. E a reencarnação é uma realidade, afirmada pelo
próprio Cristo de Deus (João, 3:3). Nunca é tarde para uma revisão de ideias,
para a crença em uma bondade perene e infinita, para que o filho se volte para
o Pai, a criatura para seu Criador, arrependido, confiado n'Ele, meditando sobre
Seus desígnios, sobre a justiça de Sua lei, que é também cheia de misericórdia.
“Deus é amor”, como disse o apóstolo João, o Evangelista (I João, 4
:8). Confiemos nesse amor, nessa Suprema Bondade. Ele não quer que alguém se
perca, “mas que todos se salvem e tenham
a vida eterna”.
E, assim, também disse Paulo de
Tarso que “o Deus de paciência e
consolação vos conceda o mesmo sentimento uns para com os outros, segundo
Cristo Jesus”.
Somente Deus conforta, educa para a
vida verdadeira, ensina a razão de ser de nosso sofrimento e nos deseja o bem,
porque só Ele é bom (Marcos, 10:18) .
E só há um mediador entre Ele e os
homens: é o Cristo-Jesus, “caminho,
verdade e vida”, a quem Paulo serviu com toda a dedicação e sinceridade,
dando-lhe o melhor de suas energias, de seu entendimento e de seu acendrado
amor, e de quem foi “vaso escolhido”
para a vulgarização de sua doutrina celestial, que é o verdadeiro roteiro de
salvação para toda a Humanidade sofredora e transviada.
Por consequência, aquele que se
convencer dessas verdades, que libertam (João, 8:32) e aquele que perseverar
até ao fim, será salvo (Mateus, 10:22).
Portanto, nunca é tarde para o
arrependimento sincero!
E há mais alegria no reino dos Céus
por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos, que não
necessitam de arrependimento (Lucas, 15:7).
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