sábado, 14 de setembro de 2013

Machado de Assis - o crente

Machado de Assis


Machado de Assis
– o crente
por S.B.S. (Sylvio Brito Soares)

Reformador (FEB) Novembro 1958

            Toda a cultura brasileira, do maior ao menor dos nossos literatos, todos os vultos do nosso mundo oficial, toda a imprensa, todo o povo, todos rendem as suas homenagens a Machado de Assis pela passagem do primeiro cinquentenário de sua desencarnação.

            Vários livros surgiram para enaltecer, com justiça, aquele pujante escritor carioca.

            Alguns desses livros procuram apresentá-lo como materialista ou semimaterialista, enquanto outros, como o do ilustre acadêmico R. Magalhães Júnior – “Machado de Assis desconhecido” (3ª edição), com provas convincentes no-lo mostram como um crente, dos mais sinceros, aliás, pois que perfeitamente em sintonia com os princípios cristãos, e, por isso mesmo, revoltado com os processos de que usa e abusa o clero em geral e com o conservantismo obscurantista e a intolerância da Igreja.

            Era na verdade, Machado de Assis, um espírito religioso, mas liberto de todas as exterioridades de um homem religioso. Profligava a mística, as superstições e os desvios da Igreja e de seus representantes, mas sabia reconhecer e celebrar os grandes vultos da cristandade, aqueles mesmos que os espíritas sabemos respeitar e admirar.

            Parece, contudo, ter ele vivido atormentado com certas interrogações que a si mesmo dirigia, sem encontrar resposta adequada para elas na religião católica. Que era a vida? Porque vivia? Porque viviam os outros homens? O homem é um ser livre, e portanto responsável, ou títere nas mãos do destino, da Natureza, de alguma força desconhecida? - tais eram os temas, segundo a escritora Sra. Lúcia Miguel Pereira, que na obra machadiana se revelam a cada passo e que o faziam parecer aos olhos do mundo um pessimista, um céptico, um materialista enfim.

            “Confundi-lo, porém, com um só dos personagens de uma vasta galeria de tipos humanos (de sua obra) seria evidentemente perigoso” - escreveu R. Magalhães Júnior, que logo a seguir acrescenta: “Quando muito, Brás Cubas representaria, não o homem que lhe deu vida no papel, mas um momento da vida do escritor.”

            Conta o poeta e acadêmico Manuel Bandeira que o Dr. Abel Ferreira de Matos, o “amigo Abel” de Machado de Assis, tinha a este na conta de materialista, conclusão a que chegara pela leitura de seus romances, Certo dia, já no fim da vida do grande escritor, ficou espantadíssimo quando, em palestra com ele, ao dizer-lhe tranquilamente: “Vocês materialistas ...”, foi vivamente interrompido pelo interlocutor com esta frase: “Eu, materialista? Ab-so-lu-ta-men-te .”

            Em 1904, respondendo à carta de pêsames que lhe dirigiu Joaquim Nabuco pela desencarnação de sua esposa, assim escreveu Machado em certo trecho: “Tudo me lembra a meiga Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la. Irei vê-la, ela me esperará”, expressões que revelam a sua crença absoluta na continuidade da vida após a morte.

            Quando se aproximavam os seus últimos momentos, tudo fizeram para que recebesse “a visita de um padre, para confessar-se, ou dele simplesmente receber a extrema-unção”. Dizem os seus biógrafos que ele recusou a visita “Não creio... Seria uma hipocrisia ...” - respondera), pois que “via nos sacramentos simples cerimônias vazias de significado e realidade espiritual”. Acreditava em Deus, como o demonstram vários escritos seus; não, porém, em seus intermediários, nem nas formas exteriores do culto.

            É interessante um outro fato que os biógrafos de Machado de Assis registaram: Cinco anos antes do seu falecimento, escreveu-lhe, em 1903, um diplomata e amigo, sobre a agonia em que se encontrava o nonagenário Papa Leão XIII. Referindo-se à idade alcançada pelo Papa, respondeu o escritor ao amigo residente em Roma: “Eu, pelo menos, não sou da têmpera dos que vão tão longe. Meses, anos, poucos anos, e terei dito adeus à nossa língua para ir aprender o Esperanto que nos querem ensinar aqui, e só se aprende bem na outra escola.

            Nesta carta, como bem frisou o acadêmico R. Magalhães Júnior, o grande romancista brasileiro deixa transparecer a convicção de que existe uma outra vida, além da terrena. Foi Machado de Assis um homem extraordinário. Merece todas as honras que lhe são tributadas, necessitando, entretanto, que mais profundamente lhe seja estudada a verdadeira personalidade.


 Machado de Assis

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