Machado de Assis
Machado
de Assis
– o
crente
por S.B.S. (Sylvio Brito Soares)
Reformador
(FEB) Novembro 1958
Toda
a cultura brasileira, do maior ao menor dos nossos literatos, todos os vultos
do nosso mundo oficial, toda a imprensa, todo o
povo, todos rendem as suas homenagens a Machado de Assis pela passagem do
primeiro cinquentenário de sua desencarnação.
Vários
livros surgiram para enaltecer, com justiça, aquele pujante escritor carioca.
Alguns
desses livros procuram apresentá-lo como materialista ou semimaterialista,
enquanto outros, como o do ilustre acadêmico R. Magalhães Júnior – “Machado de
Assis desconhecido” (3ª edição), com provas convincentes no-lo mostram como um
crente, dos mais sinceros, aliás, pois que perfeitamente em sintonia com os
princípios cristãos, e, por isso mesmo, revoltado com os processos de que usa e
abusa o clero em geral e com o conservantismo obscurantista e a intolerância da
Igreja.
Era
na verdade, Machado de Assis, um espírito religioso, mas liberto de todas as
exterioridades de um homem religioso. Profligava a mística, as superstições e
os desvios da Igreja e de seus representantes, mas sabia reconhecer e celebrar
os grandes vultos da cristandade, aqueles mesmos que os espíritas sabemos
respeitar e admirar.
Parece,
contudo, ter ele vivido atormentado com certas interrogações que a si mesmo
dirigia, sem encontrar resposta adequada para elas na religião católica. Que
era a vida? Porque vivia? Porque viviam os outros homens? O homem é um ser
livre, e portanto responsável, ou títere nas mãos do destino, da Natureza, de
alguma força desconhecida? - tais eram os temas, segundo a escritora Sra. Lúcia
Miguel Pereira, que na obra machadiana se revelam a cada passo e que o faziam
parecer aos olhos do mundo um pessimista, um céptico, um materialista enfim.
“Confundi-lo, porém, com um só dos
personagens de uma vasta galeria de tipos humanos (de sua obra) seria evidentemente perigoso” - escreveu
R. Magalhães Júnior, que logo a seguir acrescenta: “Quando muito, Brás Cubas representaria, não o homem que lhe deu vida no
papel, mas um momento da vida do escritor.”
Conta
o poeta e acadêmico Manuel Bandeira que o Dr. Abel Ferreira de Matos, o “amigo
Abel” de Machado de Assis, tinha a este na conta de materialista, conclusão a
que chegara pela leitura de seus romances, Certo dia, já no fim da vida do
grande escritor, ficou espantadíssimo quando, em palestra com ele, ao dizer-lhe
tranquilamente: “Vocês materialistas
...”, foi vivamente interrompido pelo interlocutor com esta frase: “Eu, materialista? Ab-so-lu-ta-men-te .”
Em
1904, respondendo à carta de pêsames que lhe dirigiu Joaquim Nabuco pela
desencarnação de sua esposa, assim escreveu Machado em certo trecho: “Tudo me lembra a meiga Carolina. Como estou
à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la. Irei vê-la,
ela me esperará”, expressões que revelam a sua crença absoluta na
continuidade da vida após a morte.
Quando
se aproximavam os seus últimos momentos, tudo fizeram para que recebesse “a visita de um padre, para confessar-se, ou
dele simplesmente receber a extrema-unção”. Dizem os seus biógrafos que ele
recusou a visita “Não creio... Seria uma hipocrisia ...” - respondera), pois
que “via nos sacramentos simples
cerimônias vazias de significado e realidade espiritual”. Acreditava em
Deus, como o demonstram vários escritos seus; não, porém, em seus
intermediários, nem nas formas exteriores do culto.
É
interessante um outro fato que os biógrafos de Machado de Assis registaram:
Cinco anos antes do seu falecimento, escreveu-lhe, em
1903, um diplomata e amigo, sobre a agonia em que se encontrava o nonagenário
Papa Leão XIII. Referindo-se à idade alcançada pelo Papa, respondeu o escritor
ao amigo residente em Roma: “Eu, pelo
menos, não sou da têmpera dos que vão tão longe. Meses, anos, poucos anos, e
terei dito adeus à nossa língua para ir aprender o Esperanto que nos querem
ensinar aqui, e só se aprende bem na outra escola.”
Nesta
carta, como bem frisou o acadêmico R. Magalhães Júnior, o grande romancista
brasileiro deixa transparecer a convicção de que existe uma outra vida, além da
terrena. Foi Machado de Assis um homem extraordinário.
Merece todas as honras que lhe são tributadas, necessitando, entretanto, que mais
profundamente lhe seja estudada a verdadeira personalidade.
Machado de Assis
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