Carnificina
Religiosa
J.P.
Reformador
(FEB) Fevereiro 1961
Para
que se tenha uma ligeira ideia do que foi a célebre e sinistra "Noite de
S. Bartolomeu", matança que se espalhou por toda a França do século XVI,
por ordem de dois papas, um dos quais canonizado pela Santa Madre, vamos
transcrever alguns trechos de um longo artigo do Prof. Joaquim Pimenta,
publicado na edição de 25 de Dezembro de 1960, do "Jornal do
Commercio" aqui do Rio:
"Tão
monstruosa hecatombe mostra até que ponto atingia o espírito de intolerância e
fanatismo da época, com o seu centro de gravidade e de irradiação em Roma,
conforme vamos ler em tópicos de um livro insuspeitíssimo, pois que traz o
imprimatur eclesiástico, do padre E. Vacandard, com o titulo de - Études
de critique et d'histoire religieuse, 1906.
Narra
o historiador católico e doutor em teologia que Pio V, ainda não satisfeito com
a retumbante vitória alcançada sobre os protestantes na batalha de Jarnac,
apesar da "grande alegria" que experimentara, "rendendo, a Deus,
vivas ações de graça", assim se dirigia a Carlos IX, em carta de 28 de
Março de 1569:
"Persegui e abatei tudo que restar dos vossos
inimigos... Se não arrancardes o mal pela raiz, elas rebentarão, como já o
fizeram tantas vezes." E à rainha Catarina de Médicis: "Se Vossa Majestade continuar a combater
aberta e livremente, até a completa destruição, os inimigos da Igreja Católica,
podeis ter certeza de que jamais vos faltará o socorro divino." "Estes conselhos de implacabilidade, comenta
o autorizado crítico e teólogo, visavam também os prisioneiros que o Duque de
Anjou fizera na batalha. Certo número dentre eles já tinha sido posto em liberdade mas Pio V protesta contra essa medida
de clemência que, segundo ele, só pode ser prejudicial à Igreja e ao Estado."
Foi,
porém, sob o pontificado de Gregório XIII, sucessor de Pio V, que se
desencadeou a maior tragédia religiosa entre povos cristãos, aliás prevista
pelo núncio Salviati, representante do Papa, na França, quando, em carta de 11
de Agosto de 1572, ao cardeal de Come, dizia:
"Espero, enfim, que Deus me concederá a graça
de vos anunciar em breve alguma coisa que encherá Sua Santidade de alegria e
contentamento."
No
dia 24 eram os huguenotes apanhados de surpresa, arcabuzados ou degolados, em
Paris, continuando a matança por toda a França. De um relatório de Salviati, o
mesmo que esperava ou previra a hecatombe, enviado a Gregório XIII, vale a pena
transcrever os trechos seguintes:
"Foram
cortados esta noite, em pedaços, todos os huguenotes, por ordem do rei; a
execução começou pelo duque de Angoulême e pelos senhores de Guise e Aumale,
que foram ao apartamento do Almirante Coligny com um forte contingente de tropa
( ... ) Pereceram La Rochefoucault e seu filho; Teligny, genro do almirante,
etc. Uma parte de huguenotes, do séquito do rei de Navarra e do príncipe de
Condé, que saíram do palácio, atraídos pelo rumor do massacre, encontraram a
morte. ( ... ) Toda a cidade tomou armas e as casas dos Huguenotes foram
atacadas e invadidas; muitos homens foram mortos e a populaça entregou-se ao
saque com uma avidez incrível (...) Estou persuadido de que se fará outro tanto
em todas as cidades da França, quando se souber da execução de Paris." (Cit.
E. Vacandard, ob. cit. págs. 271-72)
Agora,
o crítico e historiador E. Vacandard:
"Posto
em reserva o modo de execução, a notícia da São Bartolomeu só podia ser
agradável a Gregório XIII, que prosseguia a mesma politica do seu predecessor e
via no protestantismo ao mesmo tempo um perigo para a fé católica e um
obstáculo insuperável à entrada de Carlos IX na liga contra os Turcos.
Diz-se que ele experimentou um verdadeiro "alívio", quando o cardeal
de Come lhe fez entrega da correspondência de Salviati." E não podia
deixar de ser assim, porque, em sinal de regozijo por tão tenebroso feito,
cantou-se um "Te Deum", seguido de procissão,
em Roma; "fez-se cunhar uma medalha comemorativa do massacre dos
Huguenotes, tendo Gregório XIII encarregado Vasari de pintar em uma sala do Vaticano as
principais cenas da sangrenta jornada". (E. Vacandard, ob. cit. pag. 274 a
276)
Assim
eram os santos e infalíveis ao tempo em que a Igreja dominava o mundo. Eram os
"Lampiões" da época.
Hoje,
como tábua de salvação, os papas apelam para a ajuda dos protestantes, dos
ortodoxos e até dos judeus, suas vítimas durante séculos e séculos.
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