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‘Rimas do
Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
Guerra Junqueiro
Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929
Casa Editora Guajarina
Clama
Ne Cesses (Fala,
não te cales)
Ao irmão Theodoro Palmeira, prezado amigo
Palmeira: a Igreja
teve outrora a petulância
de dar, como
alimento às almas juvenis,
a lama - Estupidez
- e o fel - Ignorância,
dizendo eram essências
divinas, sutis.
E o mundo analfabeto,
e o mundo ignorante,
coitado, não possuía
da análise o clarão;
só teve de
curvar-se ao jugo escravisante,
na submissão
covarde de piedoso cão.
Quando um sábio,
esmagando as falsas teorias
com o facho da Ciência
entrevia a Verdade,
era alvo de
vinganças, crítica, ironias,
e, por fim,
desprezado pela sociedade.
E, para rematar, a
fúria dos “ministros”
contra os que
combatiam toda escravidão
era tal,- que os
seus ódios ficaram sinistros,
e a Igreja
instituiu a Santa Inquisição.
Os tentáculos fatais
desse polvo esfaimado,
infundindo pavor à
Humanidade inteira,
fizeram deste orbe
um campo devastado
pela Igreja: uma
hedionda e medonha fogueira.
E quando, por acaso, algum batalhador
desejava implantar
no mundo a Liberdade,
tombava fulminado
ao intenso furor
das feras
congregadas na torpe crueldade.
Sob véu de hipocrisia,
em nome de Jesus,
os padres penetravam
dentro até dos lares,
e, olvidando as
lições do que morreu na Cruz,
atiravam donzelas a
atroz lupanares.
Quem reagir
tentasse contra a hedionda harpia
e negasse fazer a
profissão de fé,
ia para a fogueira
ou para a enxovia,
por desobedecer à
lei da Santa Sé.
O tempo decorreu, e
novos lutadores
surgiram pelo
mundo, à luz de outra alvorada,
e a benção divinal
de Gênios Protetores
como orvalho caiu
sobre a terra abrasada.
O Clero, semelhante
a um monstro já decrépito,
lutou para abafar a
trágica explosão,
da Justiça fatal o
grandioso estrépito,
que mostrava o
negror da Santa Inquisição.
Quantos crimes terríveis,
maldosas loucuras
bonzos cobriram com
o véu da santidade,
cumprindo, “piamente”,
aos olhos das criaturas,
os votos de pobreza
e os votos de humildade!
Mas, quando,
grandiosa, a lança da Verdade
rasgou a negra máscara,
a atroz tirania,
o mundo pode ver a
torpe iniquidade,
como um abutre
imenso à plena luz do dia.
Depois, quando,
altaneira, a luz da Liberdade
brilhou, para
alegria aos livre pensadores,
a Igreja foi
perdendo a antiga autoridade
que exercia por
sobre os pobres servidores.
E, já por esse
tempo, uma paz relativa
parecia alentar a
Humanidade inteira,
que fora, em outras
eras, uma vil cativa,
e que já não tremia
ao medo da fogueira.
Um dia, certo
poeta, em plena mocidade,
“herege e salteador”,
bradou pela amplidão:
Abaixo o monstro
que acorrenta a Humanidade!
Derrubemos a
Igreja, à foice da Razão!
De tal modo
espalhou-se pelo orbe agitado
o brado do “precito”
(condenado,
maldito),
o “réprobo”, o “ateu”,
- que, em meio do
furor do mar encapelado,
o Trono vacilou e a
Igreja estremeceu.
Esses dogmas de bronze
e os erros colossais
que servem de
alicerces à Igreja Romana,
recebendo em açoite
as “rimas infernais”,
não puderam reagir à
análise soberana.
Que “heresia”,
tremenda! Horror! Maquiavelismo!
O papa resolveu
lançar a excomunhão
sobre esse “Imundo
verme”, que, à lama do ateísmo,
queria despenhar o
rebanho cristão.
Mas tudo foi em
vão. A guerra encarniçada,
que formaram contra
esse “inseto perigoso”,
foi mesmo que
atirar uma tocha apagada
sobre um devastador
incêndio tenebroso.
No vulcão do seu cérebro
contínuo ardia
o desejo de ver os
míseros terrenos,
livres das
opressões da Tirania,
escutarem do Bem os
acordes serenos,
Acredita, Palmeira,
até na Eternidade,
o pobre sente ainda
esse desejo ideal
de trabalhar em
prol da louca Humanidade,
a fim de liberta-la
às correntes do Mal.
Não julgues, meu
amigo, eu tenha algum rancor
aos príncipes da
Igreja. Isso, absolutamente.
Para eles também
meu pequenino amor;
mas preciso é que
expliquem claramente
a Verdade que foi
por Jesus propagada
e que o Clero
pretende ocultar sob o véu,
como uma linda
estrela que fosse rodeada
de névoas que a
impedissem cintilar no Céu.
E como tu sabes,
Palmeira, a doutrina
do Cristo já se
espalha em todos os países,
e a Árvore que dá
sombra à Alma peregrina
já vai robustecendo
as sólidas raízes.
E embora o Clero
esteja mais fino e polido,
nem haja,
atualmente a Santa Inquisição,
- o Erro é o mesmo
e deve ser bem combatido,
até que a Igreja
tenha outra orientação,
pois deves
compreender que É CRIME A TOLERÂNCIA
QUE DÁ GUARIDA AO
ERRO E APLAUDE A IGNORÂNCIA!
21 de Fevereiro de 1929.
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