sábado, 17 de agosto de 2013

II. 'Apreciando a Paulo'



II
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


“Nada façais por contenda ou por vanglória, mas com humildade;
cada um considere os outros superiores a si mesmo.
Não atente cada um para o que é propriamente seu,
mas cada qual também para o que é dos outros,
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento
 que houve também em Cristo-Jesus,
Que, sendo em forma de Deus,
não teve por usurpação ser igual a Deus,
Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,
fazendo-se semelhante aos homens;
E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo,
sendo obediente até à morte, e morte de cruz.
Pelo que também Deus o exaltou soberanamente,
e lhe deu um nome que é sobre todo o nome;
Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho
 dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra,
E toda a língua confesse que Jesus-Cristo é o Senhor,
 para glória de Deus Pai”.
Filipenses, 2:3 a 11.


            Perduram as lições de Paulo de Tarso repletas de conselhos edificantes, moralizadores, genuinamente cristãos. Ele se baseou nos ensinamentos do Divino Mestre, sentindo-os com a elevação de seu espírito, com a pureza de seu coração, com a sinceridade de sua fé, pois que a Boa Nova lhe despertou o entendimento.

            Saulo, o convertido de Damasco, traçou com suas epístolas imortais o roteiro que lhe pareceu acertado, sob o influxo do que colheu ao contato com aqueles papiros, onde os evangelistas gravaram as palavras de Jesus, e hauriu ainda, no convívio com os apóstolos, as tradições orais que lhe incutiram a noção exata de tão sábios ensinamentos.

            E percebeu que o sentido profundo da lição cristã está na humildade, primeira virtude que se deve aninhar no coração do homem regenerado. “Nada façais por contenda ou vanglória, mas com humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo.”

            Desde que alguém, procurando esclarecer ardorosamente, desce à contenda, estará agindo com espírito de orgulho, sentimento contrário à modéstia, que deve presidir à atitude cristã. O Evangelho não se impõe, nem se deve defender à espada, como na Idade Média entendiam os cruzados.

            A ação que se alia à soberba, praticada por vanglória, com pruridos de superioridade, não é cristã, nem espírita, já que o Espiritismo é o Cristianismo redivivo pelos Mensageiros do Senhor e ambos se confundem em uma só e nobre destinação. É preciso que haja em nós o mesmo sentimento de brandura, de tolerância, de compreensão e de simplicidade, que houve em Jesus.

            Várias são as religiões, diversos são os caminhos que levam a Deus, estradas que convergem, como os raios de uma circunferência, para o mesmo centro. Esta imagem, todavia, não é precisa, mas aproximada, pois os caminhos por vezes são tortuosos, desviando-se alguns homens, que se apegam ao dogma ou ao culto externo, da direção exata. Mas o principal é o amor, “a instalação do reino de Deus dentro de nós mesmos”, através da regeneração e da humildade, que qualquer criatura pode sentir, ao contato com os ensinamentos luminosos do Divino Mestre, Nosso Senhor.

            Portanto, não basta conhecer o Evangelho, é preciso aplicá-lo à nossa vida de relação, ao convívio com os nossos semelhantes. Conhece-se o cristão, não pelo grau de seus conhecimentos, mas pela manifestação de suas virtudes, pelo seu propósito de servir à causa de Deus.

            Assim, o trabalho mais ativo está na bondade, no exemplo, na ação humilde e silenciosa daquele que serve sem ostentação, sabendo calar quando é oportuno, aconselhar quando for preciso e ajudar toda a vez que puder, indistintamente, ao pobre como ao rico, ao bom e ao mau, pois todos somos irmãos. Dar preferência a uns e esquecer a outros, às vezes, na mesma casa, é sinal de pouca compreensão evangélica, pois o filho mais desobediente é exatamente aquele que merece mais cuidados e atenções. O que a energia não consegue, a brandura, o carinho, o amor podem obter. Todavia, o amor deve ser dirigido, não no sentido de concordar com os erros, mas no propósito de ensinar o que é honesto; chamando a atenção do que se desviou e procurando corrigi-lo. Os pais são os responsáveis morais pela conduta dos filhos, quando não envidaram os necessários esforços para os conduzir à senda do bem. Querer depois regenerá-los com energia exagerada ou amaldiçoá-los, é erro profundo, é desumanidade e falta de sentimento cristão.

            Os que erram, não merecem nosso sentimento de revolta, mas compreensão e amor. Quase todos também tivemos nossos graves defeitos na mocidade e, destarte, uma palavra amiga, compreensiva ou bondosa, pode evitar que alguém resvale pela trilha do desespero ou da perdição.

            Jesus é o exemplo, pois no alto da cruz ainda implorou ao Pai que perdoasse aos seus algozes. Paulo, no capítulo acima, realça a personalidade do Messias, cuja característica predominante foi a humildade, pois “aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens”.

            Ele deve ser o nosso guia supremo e o nosso modelo. Todo ato de intolerância, de soberba ou de arrogância, toda expressão de contenda ou de vanglória, toda e qualquer violência, mesmo da palavra, é a negação do Mestre ou de Sua doutrina mansa e generosa.

            Aliás, como a prever a dúvida sobre a pessoa de Jesus, que muitos haviam de considerar, erroneamente, como o próprio Deus, Paulo frisou aos cristãos, nessa epístola, que “o Cristo-Jesus, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus”.

            Continuando a esclarecer quanto à sua natureza, por sabê-lo “concebido pelo Espírito Santo” (Mateus, 1:18), não sendo possível, assim, que fosse igual a nós, Paulo elucidou ainda que o Nazareno “fez-se semelhante aos homens” e não igual a eles, já que “toda a carne não é a mesma carne”, como de outra feita esclareceu. (I. Cor., 15:39.)

            Portanto, Jesus veio em carne, mas sua carne não era igual à nossa, embora semelhante, de vez que constituída de substâncias análogas, mas não idênticas. Daí porque Saulo diz que ele foi “achado na forma de homem”. Mas não era homem e nem Deus, como o saudoso Guillon Ribeiro acentuou, aceitando a revelação dada a Roustaing, que é calcada nos Evangelhos e nas Epístolas, embora corresponda a um grau de entendimento ainda não compatível com a compreensão de certos espíritos encarnados ou desencarnados. Aliás, diga-se de passagem, que este ponto secundário de exegese dos textos bíblicos não sirva para nos desunir, porque acima do corpo de Jesus está, sem dúvida, a sua doutrina, e esta é o que mais importa, e não a cor de seus cabelos ou a constituição de seu corpo.

            Em resumo, há nos ensinamentos do apóstolo dos gentios como que o sopro ou o perpassar do Espírito Santo, que neles inoculava a seiva da verdade, que é eterna e que liberta!

            Paulo foi “O vaso escolhido”, o vulgarizador do Cristianismo, o apóstolo universal, que pregou com a palavra redentora e, sobretudo, com o exemplo pessoal, indo até ao sacrifício supremo, como costumavam fazer os primeiros cristãos, regando com o próprio sangue a árvore vivificadora do Evangelho, que havia de crescer e de frutificar para nossa salvação.

            Hoje, os Mensageiros do Senhor, que se fundamentam na mesma doutrina amorosa do Cristo de Deus, não esquecem a Paulo, antes o rememoram e apreciam, porque ele se inundou da luz que o esclareceu na estrada de Damasco, para refleti-la no coração de toda a Humanidade.

            Recordemos a Paulo, doutor da lei, que se despojou de suas insígnias religiosas (só por si inexpressivas) para tornar-se um simples operário, a fim de que, deste modo, isto é, com humildade, pudesse pregar e exemplificar a palavra profunda e consoladora do Mestre Jesus. Contudo, mais nobre do que as tendas em que trabalhou nas cidades da Palestina, foi a obra espiritual que construiu, resistindo aos séculos, e dando-nos o sentido exato das palavras do Cordeiro Imaculado, que os seus Mensageiros ora interpretam, em espírito e verdade, recordando sempre com singeleza que toda a doutrina cristã se resume, tão somente, no amor!


            E como o humilde carpinteiro de Nazaré, que preferiu nascer em uma manjedoura e pregar entre pobres pescadores do mar da Galileia, ensinou à Humanidade a mais sublime das filosofias, Paulo reconheceu e proclamou que “Deus o exaltou, soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na Terra, e debaixo da terra. E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.” 

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