II
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Nada façais por contenda ou por vanglória,
mas com humildade;
cada um considere os outros superiores a si
mesmo.
Não atente cada um para o que é propriamente
seu,
mas cada qual também para o que é dos outros,
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento
que
houve também em Cristo-Jesus,
Que, sendo em forma de Deus,
não teve por usurpação ser igual a Deus,
Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma
de servo,
fazendo-se semelhante aos homens;
E, achado na forma de homem, humilhou-se a si
mesmo,
sendo obediente até à morte, e morte de cruz.
Pelo que também Deus o exaltou soberanamente,
e lhe deu um nome que é sobre todo o nome;
Para que ao nome de Jesus se dobre todo o
joelho
dos
que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra,
E toda a língua confesse que Jesus-Cristo é o
Senhor,
para
glória de Deus Pai”.
Filipenses,
2:3 a 11.
Perduram as
lições de Paulo de Tarso repletas de conselhos edificantes, moralizadores,
genuinamente cristãos. Ele se baseou nos ensinamentos do Divino Mestre,
sentindo-os com a elevação de seu espírito, com a pureza de seu coração, com a
sinceridade de sua fé, pois que a Boa Nova lhe despertou o entendimento.
Saulo, o convertido de Damasco,
traçou com suas epístolas imortais o roteiro que lhe pareceu acertado, sob o
influxo do que colheu ao contato com aqueles papiros, onde os evangelistas gravaram
as palavras de Jesus, e hauriu ainda, no convívio com os apóstolos, as
tradições orais que lhe incutiram a noção exata de tão sábios ensinamentos.
E percebeu que o sentido profundo da
lição cristã está na humildade, primeira virtude que se deve aninhar no coração
do homem regenerado. “Nada façais por
contenda ou vanglória, mas com humildade; cada um considere os outros
superiores a si mesmo.”
Desde que alguém, procurando
esclarecer ardorosamente, desce à contenda, estará agindo com espírito de orgulho,
sentimento contrário à modéstia, que deve presidir à atitude cristã. O
Evangelho não se impõe, nem se deve defender à espada, como na Idade Média
entendiam os cruzados.
A ação que se alia à soberba,
praticada por vanglória, com pruridos de superioridade, não é cristã, nem
espírita, já que o Espiritismo é o Cristianismo redivivo pelos Mensageiros do
Senhor e ambos se confundem em uma só e nobre destinação. É preciso que haja em
nós o mesmo sentimento de brandura, de tolerância, de compreensão e de
simplicidade, que houve em Jesus.
Várias são as religiões, diversos
são os caminhos que levam a Deus, estradas que convergem, como os raios de uma
circunferência, para o mesmo centro. Esta imagem, todavia, não é precisa, mas
aproximada, pois os caminhos por vezes são tortuosos, desviando-se
alguns homens, que se apegam ao dogma ou ao culto externo, da direção exata.
Mas o principal é o amor, “a instalação
do reino de Deus dentro de nós mesmos”, através da regeneração e da
humildade, que qualquer criatura pode sentir, ao contato com os ensinamentos
luminosos do Divino Mestre, Nosso Senhor.
Portanto, não basta conhecer o
Evangelho, é preciso aplicá-lo à nossa vida de relação, ao convívio com os
nossos semelhantes. Conhece-se o cristão, não pelo grau de seus conhecimentos,
mas pela manifestação de suas virtudes, pelo seu propósito de servir à causa de
Deus.
Assim, o trabalho mais ativo está na
bondade, no exemplo, na ação humilde e silenciosa daquele que serve sem
ostentação, sabendo calar quando é oportuno, aconselhar quando for preciso e
ajudar toda a vez que puder, indistintamente, ao pobre como ao rico, ao bom e
ao mau, pois todos somos irmãos. Dar preferência a uns e esquecer a outros, às
vezes, na mesma casa, é sinal de pouca compreensão evangélica, pois o filho
mais desobediente é exatamente aquele que merece mais cuidados e atenções. O
que a energia não consegue, a brandura, o carinho, o amor podem obter. Todavia,
o amor deve ser dirigido, não no sentido de concordar com os erros, mas no
propósito de ensinar o que é honesto; chamando a atenção do que se desviou e
procurando corrigi-lo. Os pais são os responsáveis morais pela conduta dos
filhos, quando não envidaram os necessários esforços para os conduzir à senda
do bem. Querer depois regenerá-los com energia exagerada ou amaldiçoá-los, é erro
profundo, é desumanidade e falta de sentimento cristão.
Os que erram, não merecem nosso
sentimento de revolta, mas compreensão e amor. Quase todos também tivemos
nossos graves defeitos na mocidade e, destarte, uma palavra amiga, compreensiva
ou bondosa, pode evitar que alguém resvale pela trilha do desespero ou da
perdição.
Jesus é o exemplo, pois no alto da
cruz ainda implorou ao Pai que perdoasse aos seus algozes. Paulo, no capítulo
acima, realça a personalidade do Messias, cuja característica predominante foi
a humildade, pois “aniquilou-se a si
mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens”.
Ele deve ser o nosso guia supremo e
o nosso modelo. Todo ato de intolerância, de soberba ou de arrogância, toda
expressão de contenda ou de vanglória, toda e qualquer violência, mesmo da
palavra, é a negação do Mestre ou de Sua doutrina mansa e generosa.
Aliás, como a prever a dúvida sobre
a pessoa de Jesus, que muitos haviam de considerar, erroneamente, como o
próprio Deus, Paulo frisou aos cristãos, nessa epístola, que “o Cristo-Jesus, sendo em forma de Deus, não
teve por usurpação ser igual a Deus”.
Continuando a esclarecer quanto à
sua natureza, por sabê-lo “concebido pelo
Espírito Santo” (Mateus, 1:18), não sendo possível, assim, que fosse igual
a nós, Paulo elucidou ainda que o Nazareno “fez-se
semelhante aos homens” e não igual a eles, já que “toda a carne não é a mesma carne”, como
de outra feita esclareceu. (I. Cor., 15:39.)
Portanto, Jesus veio em carne, mas
sua carne não era igual à nossa, embora semelhante, de vez que constituída de
substâncias análogas, mas não idênticas. Daí porque Saulo diz que ele foi “achado na forma de homem”. Mas não era
homem e nem Deus, como o saudoso Guillon Ribeiro acentuou, aceitando a
revelação dada a Roustaing, que é calcada nos Evangelhos e nas Epístolas,
embora corresponda a um grau de entendimento ainda não compatível com a
compreensão de certos espíritos encarnados ou desencarnados. Aliás, diga-se de
passagem, que este ponto secundário de exegese dos textos bíblicos não sirva
para nos desunir, porque acima do corpo de Jesus está, sem dúvida, a sua
doutrina, e esta é o que mais importa, e não a cor de seus cabelos ou a
constituição de seu corpo.
Em resumo, há nos ensinamentos do
apóstolo dos gentios como que o sopro ou o perpassar do Espírito Santo, que neles
inoculava a seiva da verdade, que é eterna e que liberta!
Paulo foi “O vaso escolhido”, o vulgarizador do Cristianismo, o apóstolo universal,
que pregou com a palavra redentora e, sobretudo, com o exemplo pessoal, indo
até ao sacrifício supremo, como costumavam fazer os primeiros cristãos, regando
com o próprio sangue a árvore vivificadora do Evangelho, que havia de crescer e
de frutificar para nossa salvação.
Hoje, os Mensageiros do Senhor, que
se fundamentam na mesma doutrina amorosa do Cristo de Deus, não esquecem a
Paulo, antes o rememoram e apreciam, porque ele se inundou da luz que o
esclareceu na estrada de Damasco, para refleti-la no coração de toda a
Humanidade.
Recordemos a Paulo, doutor da lei,
que se despojou de suas insígnias religiosas (só por si inexpressivas) para
tornar-se um simples operário, a fim de que, deste modo, isto é, com humildade,
pudesse pregar e exemplificar a palavra profunda e consoladora do Mestre Jesus.
Contudo, mais nobre do que as tendas em que trabalhou nas cidades da Palestina,
foi a obra espiritual que construiu, resistindo aos séculos, e dando-nos o
sentido exato das palavras do Cordeiro Imaculado, que os seus Mensageiros ora
interpretam, em espírito e verdade, recordando sempre com singeleza que toda a
doutrina cristã se resume, tão somente, no amor!
E como o humilde carpinteiro de
Nazaré, que preferiu nascer em uma manjedoura e pregar entre pobres pescadores
do mar da Galileia, ensinou à Humanidade a mais sublime das filosofias, Paulo
reconheceu e proclamou que “Deus o
exaltou, soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao
nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na Terra, e
debaixo da terra. E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a
glória de Deus Pai.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário