sábado, 13 de julho de 2013

A Filha da Mulher Cananeia (a palavra de Mateus)

A Filha da Mulher Cananeia

15,21 Jesus partiu e retirou-se para os arredores de Tiro e Sidônia
15,22  E, eis que uma cananeia, originária daquela terra, gritava: -Senhor, filho de Davi, tem piedade de mim! Minha filha está cruelmente atormentada por um obsessor!
15,23  Jesus não lhe respondeu nenhuma palavra. Seus discípulos vieram a Ele a lhe disseram com insistência: -Despede-a, ela nos persegue com seus  gritos!
15,24   Jesus   respondeu-lhes:  “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel!”
15,25 Mas, aquela mulher veio prostrar-se diante dele, dizendo: -Senhor, ajuda-me!
15,26 Jesus respondeu-lhe: “ -Não convém jogar aos cães  o pão de seus filhos!”       
15,27 “Certamente, Senhor”, replicou ela, “mas os cães ao menos comem as migalhas  da  mesa  de  seus  donos...”
15,28 Disse-lhe, então, Jesus: “ -Ó mulher, grande é a tua fé! Seja-te feito como desejas.” E, na mesma hora, a filha dela ficou curada.


            Para  Mt (15,21-28), -A Filha da Mulher Cananéia - encontramos o verbo de A. Sayão, em  “Elucidações Evangélicas”:

            “Nesta passagem dos Evangelhos, uma apreciação se nos oferece da marcha do Cristianismo e da do Espiritismo, que lhe vem concluir a obra.

            Como daí se vê, Jesus, que era e é todo amor e caridade, não repeliu verdadeiramente aquela mulher, nem lhe falou daquele modo por não pertencer ela à nação judia. Fê-lo para dar uma lição aos homens, mostrando-lhes que, por muito afastada a criatura das crenças cristãs, a fé em Deus pode operar o “milagre” que lhe ela peça. Que fora o que impelira a mulher cananéia a apelar para o Mestre, senão a confiança que depositava na sua missão divina? Quem lhe inspirou a resposta que deu ao Senhor, senão a fé viva de que se achava possuída, a confiança sem limites que Ele lhe inspirava? 

            O que daí podemos e devemos concluir logicamente é que obteremos tudo o que pedirmos com fé e perseverança, embora nem sempre o seja em condições que os nossos  sentidos grosseiros logrem apreciar no momento. Muitas vezes, as graças que imploramos de um ponto de vista humano só na eternidade produzirão seus frutos.

            O episódio de que tratamos constituiu uma lição de que necessitavam os homens daquela época e, em particular, os Judeus, e também os de agora, especialmente os católicos romanos, que se julgam com o privilégio de formar, eles sós, a família divina, de ser os únicos verdadeiros filhos do Pai celestial.

            Essa não é a doutrina ensinada e exemplificada por Jesus que considerava e considera “filhos” todos os que, sejam quais forem suas nacionalidades e seus credos, procuram sinceramente a verdade e se esforçam por trilhar as sendas da justiça, da caridade, do amor, da fraternidade.

            Aos olhos do Senhor, os homens não são nem cristãos, nem católicos, nem judeus, nem muçulmanos, nem pagãos, nem heréticos, nem ortodoxos. Eles se dividem apenas em submissos à lei divina e em rebelados contra ela. Todo aquele que, em verdade, se esforce por caminhar nas veredas do Senhor, é filho do “pai de família”.

            Nós outros, os espíritas, tampouco podemos considerar-nos, pelo só fato de o sermos, os únicos filhos verdadeiros. Mas, por já compreendermos melhor quais os que assim podem ser chamados, devemos desejar com ardor merecer esse título e esforçar-nos por usar dignamente dele, para o que precisamos ter fé forte e vivaz; ter a coragem das nossas opiniões e dos nossos atos, não transigindo jamais com a nossa consciência.

            O pão que recebemos, destinado aos “filhos”, devemos distribuí-lo abundantemente com os “cãozinhos” que, famintos, pedirem lhes seja permitido partilhar do alimento sagrado: o “pão de vida e de verdade”.

            Mas, para isso, cumpre tenhamos, além de fé viva, ativa e produtiva, que nada teme, amor fecundo, abnegação sem limites, absoluto esquecimento das ofensas, caridade sem limites, certos de que o perdão e o benefício ocultos valem cem vezes mais do que os que se ostentam ou reclamem agradecimentos. Precisamos, enfim, ter cheios os nossos corações das virtudes que conduzem à perfeição.

            Procedendo desse modo, mais tarde ou mais cedo veremos dar-se, com os incrédulos, os materialistas, ou sábios orgulhosos, os escribas, os fariseus e os príncipes dos sacerdotes, que nos tempos hodiernos repelem a revelação nova, como já repeliram a palavra do Cristo e a de seus apóstolos, o mesmo que se deu outrora e se tem dado em todas as épocas: serem queimados no fogo do remorso e passarem pelas torturas e sofrimentos morais, pelas expiações, reparações e provas correspondentes à sua obstinação no erro, e se convencerem, finalmente, das verdades reveladas e exemplificadas pelo Divino Cordeiro Imaculado.

            A nós espíritas, agraciados com as revelações de que são portadores ao mundo os Espíritos do Senhor, que nos importa o ridículo a que procuram lançar-nos os insensatos que, em última análise, só dão atenção e apreço ao que podem explorar a bem de seus interesses materiais; que se furtam ao estudo e à experiência e se constituem juizes em causa própria, para sempre e somente condenar o que desconhecem e ignoram, por se não terem dignado de ler os autos?

            Quanto à cura da mulher cananeia, cabem as mesmas explicações dadas a propósito de outros casos análogos, de que já tratamos, dos de subjugação por espíritos inferiores, que era o seu caso.           

            Uma visão poética nos passa Antônio Lima, em “A Mulher Cananéia”, conforme publicado em Reformador (FEB) em 01.07.1934 :

            No coração da Fenícia, entre Sidônia e Tiro, à margem de Sarefta, modesta aldeia, vivia uma pobre mulher nascida em Caná, tendo uma única filhinha de menor idade, desde seu nascimento permanecendo deitada no leito, sempre atormentada por pavorosas visões e constantes desfalecimentos, sendo vezes sem conta atirada ao chão como que por mãos invisíveis.

            A inocente criança, mal despontara o sol da vida, achava-se privada dos gozos infantis, das saudáveis alegrias próprias a suavizar os rigores das horas desfiladas no relógio da existência.
           

            Enquanto os da sua idade, aparentando os júbilos com que a ventura os dotara, corriam pelos prados e dançavam pelos campos floridos, longe dela ou diante das suas vistas, os seus olhos se anuviavam com a vidência de duendes, os seus ouvidos escutavam gargalhadas zombeteiras, que eram como setas de fogo penetrando-lhe o cérebro dementado.

            Se falassem das maravilhas da natureza, se lhe mostrassem a luz, as cores, se ouvisse o som, não entenderia das coisas da existência sublunar. Vivia num outro mundo à parte, numa região sombria, infernal, numa abstração inconsciente, num mórbido abandono da atividade.

            Sua mãe já havia empenhado o máximo de seu esforço em remover a misteriosa enfermidade, quer com remédios empíricos, quer mais particularmente com as constantes rogativas ao Senhor dos gentios para que se dignasse a baixar os olhos e restituir a razão à sua adorada filha. Mas, o milagre da cura até então não lhe fora deferido, embora a torrente de suas lágrimas banhasse freqüentemente o rosto da filha, cujos olhos adormecidos fitavam os dela, sem a compreender, na inconsciência dos irresponsáveis.

            Numa linda tarde do mês de Casleu, que é o nono do ano(1), surgiu em Sarefta um grupo nômade, composto de cerca de vinte homens e mulheres vindos de Genesaré, também chamada Tiberíades, que acantonaram numa hospedaria de um certo Manasses, natural de Magadã, os quais iam a essa povoação no intuito de adquirir  de veias de peixes de concha, às milhares, a fim de extraírem o licor vermelho da púrpura para a sua tinturaria industrial.

            À hora da sesta deram-se ao prazer, mesclado ao espanto, de narrar os maravilhosos casos de curas praticadas por um milagroso Judeu, um enviado celeste, ao que parecia, talvez o Messias anunciado pelos profetas, que andava por Genesaré a fazer milagres com a cura de cegos, paralíticos e lunáticos, ao qual até os ventos e os mares obedeciam.

            Esta revelação chegou aos ouvidos da mulher cananéia, que correu pressurosa à hospedaria, para ouvir a confirmação dos insólitos fatos repetidos pela boca dos genesarenos, porém, eles a magoavam ainda mais, a dizer-lhe que ela não seria digna de merecer os cuidados do Messias por ser gentia, filha da nação siro-fenícia, hostil portanto ao judaísmo.

            A infeliz criatura regressou ao lar em profundo desanimo, jogando-se ao leito da filha, a desfazer-se em soluços, abraçada nela. é que se reconhecia como uma das ovelhas tresmalhadas da casa de Israel.

            Na alvorada seguinte a triste mãe, sabendo que Jesus havia entrado  na sua vila, veio-lhe logo ao encontro a adorá-lo, e rogou-lhe por este teor, lançando-se-lhe aos pés:

            -Senhor, filho de Davi, tem compaixão de mim, que tenho minha filha atormentada do Espírito imundo!

            Conhecendo-lhe Jesus a origem de gentia, respondeu:

            -Deixa que em primeiro lugar sejam fartos os filhos preferidos do Senhor, pois se lhes deve tomar o pão e dá-lo aos cães.

            - Tendes razão, Senhor, mas também os cachorrinhos comem as migalhas que caem embaixo da mesa dos seus donos, observou timidamente a mulher, baixando os olhos.

            Diante de tão eloqüente ponderação, o Divino Mestre replicou:

            -Por causa dessas palavras que disseste, vai-te, que o mal Espírito já saiu de tua filha.

            A mulher, cheia de reconhecimento, beijou as mãos do Nazareno e partiu a correr para a casa, onde, de fato, encontrou a menina sentada no leito, a sorrir, inteiramente curada.

            Um raio de luz celeste iluminava então aquela cena, em que a doce mãe, louca de alegria, abraçando com estremecimento a filha idolatrada, permanecia no êxtase dos júbilos intraduziveis, que são o segredo e a ventura do coração materno.


                       

                       

         


                   
                     

                     

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