Norma
de conduta
Ernani Cabral
Reformador
(FEB) Jan 1959
Os
filósofos e os sociólogos, os economistas e os jurisconsultos - todos os homens
de pensamento, enfim - se preocupam com o regime político necessário ao seu
país e se interessam, patrioticamente, para que melhorem as condições da vida
social.
Os
que têm sentimentos bons compreendem que a pessoa não deve pensar só em si
mesma, mas esforçar-se para que os demais sejam felizes. Porém todos reconhecem
que a solução do problema consiste em evitar-se a exploração do homem pelo
homem, contribuindo cada um, na medida de suas possibilidades, para que tal se
verifique.
Ótimo
será o regime que não escravize as consciências, que dê liberdade de ação ao
indivíduo, mas que, ao mesmo tempo, lhe proporcione meios de viver com decência
e com honestidade, numa sociedade onde haja trabalho bem remunerado,
assistência aos desvalidos e onde a pessoa possa sentir-se amparada e feliz.
Todavia,
a diversidade das situações econômicas e a complexidade dos problemas
angustiantes que afligem a Humanidade criaram um estado de inquietude e de
insatisfação, que tem gerado a luta de classes e o desequilíbrio na prática ou
na realização de qualquer regime.
Nós,
espíritas-cristãos, reconhecemos que o problema social ou político só se
resolverá com o aperfeiçoamento moral do homem. Destarte, louvando aqueles que
pretendem melhorar as condições de vida material do indivíduo, afastamo-nos das
competições facciosas, a fim de contribuirmos imparcialmente para a
cristianização da Humanidade.
Achamos
que o aperfeiçoamento maior é interno; vem de dentro para fora. Assim, as
condições sociais melhorarão quando todos sentirem que são irmãos e
compreenderem que se devem ajudar, em vez de se combaterem. Consequentemente,
que as raças, as doutrinas políticas ou filosóficas e as religiões não sirvam
para separar, mas para unir os filhos de Deus, que andam dispersos, como disse o
apóstolo (João, 11 :52) .
O
lema enunciado por Hobbes é de que "o homem é o lobo do homem". Mas
já o Cristo recomendara, séculos antes: "AMAI-VOS UNS AOS OUTROS."
Tal é a norma da redenção e da paz entre os homens.
Esforçando-nos
para difundir as lições de Jesus no seio da sociedade, estamos contribuindo,
indireta mas seguramente, para o aprimoramento de nossos costumes sociais e
políticos.
Realmente,
como disse o Rabi da Galileia, não se pode servir a dois senhores. Ou o
espírita da vanguarda se dedica à difusão do Evangelho ou se preocupa com as
riquezas ou com a carreira política.
É
difícil, quase impossível, fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Insistindo, é
quase certo que prejudique a ambas as atividades, sem dar o melhor de seus
esforços a qualquer delas.
É
certo que temos nossos problemas materiais e não podemos mesmo abandoná-los. Ao contrário, é necessário que a criatura se
esforce em dar um bom padrão de vida à sua família. Cuidar somente de religião,
negligenciando os deveres materiais, é fanatismo condenável. A virtude está no
equilíbrio, na evolução material e espiritual. Mas, por outro lado, pensamos
que, espiritistas ou não, devemos pôr um teto em nossas ambições.
Há
pessoas que, quanto mais dinheiro têm, mais se esforçam por ganhá-lo. Há outras
que vivem constantemente endividadas, por causa da multiplicação de seus
negócios. Assim, quando descansarão, quando lhes sobrará tempo para as coisas
espirituais?
Outros
são vereadores, depois querem ser deputados. Mais tarde viverão angustiados
para não se privarem do mandato. Nessas ilusões do mundo, há os que querem ser
úteis ao Espiritismo, porém vão gastando energias e perdendo grandes
oportunidades de melhor servirem à causa de Deus.
Não
estamos condenando certas atividades lícitas, mas apenas alertando alguns de
nossos irmãos sobre a riqueza e a política, que são fontes de desenganos e até
de sofrimentos.
Alguns
entendem que nós, espíritas, como cidadãos brasileiros, não nos podemos
desinteressar da política. Há que distinguir; como cidadãos brasileiros,
podemos interessar-nos pela política; mas, como espíritas, convém evitarmos a
política e, sobretudo, não trazê-la para os nossos Centros, pois isto será
motivo de desuniões ou de lutas internas, pelas competições partidárias que
acarretará.
Espiritismo
é política dos Céus, que não deve ser confundida, nem misturada, com a política
da Terra, sempre cheia de segundas intenções, de desejos personalistas e até de
ambições desmedidas.
A
melhor política é pregar a transformação moral dos homens, pela palavra e pelo
exemplo. Eles melhorarão lentamente e seus processos políticos irão evoluindo,
à medida que se forem tornando mais compreensivos e mais fraternos.
Perceberão
então que a intolerância tem causado muitos males à Humanidade e que o
adversário, seja qual for, político ou religioso, deve merecer nosso respeito,
pois nem todos podemos pensar do mesmo modo e há o direito de divergir, que é
característico das democracias. Deus mesmo respeita nosso livre arbítrio e em
nada nos força; portanto, temos a obrigação de respeitar a liberdade de
pensamento de nosso semelhante.
Compreenderão
ainda os homens, futuramente, que todos somos irmãos, angustiados pelos mesmos
problemas, torturados por imperfeições semelhantes, razão por que somos dignos
de piedade e não de ódio, que gera sempre o sofrimento e o mal. Sentirão enfim,
algum dia, a sublimidade dos ensinamentos do Senhor Jesus e terão a certeza de
que, com efeito, só há um remédio; o amor. Ele cobrirá a multidão de pecados e
trará a felicidade ao mundo, ainda tão sofredor.
Assim,
enquanto a Humanidade persistir em seus erros, preguemos o Evangelho pela
palavra escrita, pela palavra falada e também pelo exemplo de nossa conduta
pessoal. Mas falemos aos homens no Evangelho do Cristo "em espírito e
verdade", que ensina, não a dominação política, religiosa ou econômica,
mas o perdão, a tolerância, a humildade e a compreensão mútua entre os seres
humanos. Recordemos a palavra redentora daquele que é "o caminho, a verdade e a vida",
como está em Mateus, 16; 24; "Aquele
que quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e
siga-me."
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