quinta-feira, 2 de maio de 2013

Está o Espiritismo em perigo...


Está o Espiritismo em perigo
de tornar-se uma seita Protestante?

por Lincoia Araucano
(Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB)  Fevereiro 1948


            Escreve-nos talentoso amigo manifestando o receio de que o Espiritismo se torne simplesmente uma seita ou até uma série de pequenas seitas bíblicas, de conformidade com as múltiplas interpretações que cada grupo dê aos versículos evangélicos. A seu ver, a base sólida, a rocha que não teme procelas, é o estudo científico dos fatos. Fora disso tudo é vão, supõe o nosso prezado missivista.

            Os fatos realmente já responderam a essas ideias; seria desnecessário repetirmos aqui o que já deveria conhecer aquele amigo; mas haverá outros que necessitem conhecer essa verdade e vamos permitir-nos repeti-la.

            O estudo dos fatos conduziu Kardec à Codificação, que é genuinamente evangélica: estuda o Evangelho, o Decálogo e põe em prática a Doutrina cristã de amor e caridade. Não se detém eternamente nos fenômenos, mas passa dos fatos mediúnicos à Religião. Mais longe ainda do que Kardec vai Roustaing, sob a mesma inspiração, estudando igualmente o Decálogo e os versículos, um por um, dos quatro Evangelhos.

            Estariam errados esses grandes Missionários e certo o nosso ilustre missivista que deseja permanecer sempre nos fatos, isto é, no período pré-kardeciano?

            O estudioso de psicologia sabe que além da memória cerebral, material, que é caduca e falha, esquece 90 % do que aprende e ainda deforma em parte os 10 % que lhe restam, existe outra memória perfeita, eterna, inexorável que tudo conserva e transforma em aptidões, em faculdades, em instintos inatos, ou seja a memória espiritual que vai com o homem pela eternidade em fora.

            Toda a nossa civilização é vasada na Bíblia, em tudo que tem de melhor: somos espíritos formados na moral evangélica através dos séculos e milênios. Nossa intuição do bem e do mal é colhida na Bíblia em diversas encarnações como católicos, gregos, protestantes. Trazemos uma força imensa ao nascer, um critério especial entre o bem o mal, como colheita cristã.

            Aproveitar essa longa preparação para a futura evolução do espírito foi o que mui sabiamente fizeram Kardec, Roustaing e fazem todos os maiores Espíritos que se manifestam pelos nossos melhores médiuns. Leiam-se todas as obras recebidas por Francisco Cândido Xavier, por Zilda Gama, por Geraldine Coomins (Médium inglesa famosa à época), e ver-se-á que são a pregação do Evangelho em diversas formas.

            Vemos, nos países que abandonaram o Espiritismo evangélico, o nosso movimento cindir-se em grupinhos de "cientistas", vaidosos, discutidores, polemistas que se subdividem até desaparecerem de todo. Logo, nos fatos não existe aquela solidez "científica" a que se refere o nosso ilustre missivista. Muito ao contrário, do estudo apenas científico do Espiritismo só pode sair a convicção da imortalidade, mas nunca saiu o código moral necessário à vida em sociedade e indispensável à evolução espiritual do homem. Depois de provada a imortalidade "para os duros de coração" que não possuíam a intuição da imortalidade, os Espíritos nos enviam ao Evangelho e, quando os homens tentam fazer Espiritismo, sem Evangelho, nada conseguem, tudo se esboroa, como já vimos em diversos países do Velho Mundo.

            Tomado por base o Evangelho, o Espiritismo tem uma fonte de unidade mundial e produz frutos de amor, obras de solidariedade humana; mas, desprezado o Evangelho, divide-se ele em grupinhos de estudiosos sem finalidade alguma ou com a finalidade pré-kardeciana de demonstrar que o homem sobrevive à morte.

            Bozzano proclamou que só sobre os fatos deve constituir-se a verdade espiritista, no sentido de provar a sobrevivência, unicamente para isso. Para o espírita brasileiro que aceitou a Codificação kardeciana, essa fase da demonstração da sobrevivência já não interessa, já é pré-histórica. Interessa-lhe é o código de conduta que o há de tornar útil e feliz.

            Chegamos, pois, a conclusão diametralmente oposta ao nosso missivista. Não há perigo de tornar-se o Espiritismo uma seita cristã ou dividir-se em diversas seitas cristãs se ele se apegar ao Evangelho, mas é fora de dúvida que sem o Evangelho ele morre e desaparece sem fruto algum. O orgulhoso que tudo confia à sua ciência e despreza a Revelação, despreza o Espiritismo como a Terceira Revelação, assume a tremenda responsabilidade de opor-se ao Plano Divino, de combater os nossos maiores Mestres - o Cristo, Kardec, Roustaing, Emmanuel, André Luiz, o Espírito de Verdade - e de lançar a humanidade no materialismo.

            O nosso missivista, cujas qualidades de inteligência e moral são modelares, está iniciando a obra de derrotismo, de demolição do Espiritismo.

            Ser-lhe-ia impossível fundar um movimento espírita de elites científicas, reduzido a meia dúzia de sábios da sua esfera intelectual, porque precisamente os cientistas são orgulhosos, pretensiosos, querem impor condições à experimentação e supõem-se com o direito de exigir de Deus as condições em que se devem realizar os fenômenos que eles querem estudar para sua satisfação.   

            Temos de construir com a gente boa e simples, sem preconceitos, sem vaidades de escola, porque os "canudos" das nossas Universidades materialistas nada valem neste domínio, onde dependemos da caridade dos Guias e não podemos impor condições. Só temos que submeter-nos a condições.

            Fujamos desse orgulho científico e tratemos de construir humildemente com o Evangelho, porque só assim estaremos em afinidade com os nossos Maiores e não com as trevas que tudo procuram demolir.           

            Aconselhamos ao nosso ilustre missivista um pouco mais de humildade, um pouco mais de paciência com os ignorantes. Lembre-se de que o homem age 90% por sentimento e só 10% por meio de raciocínios filosóficos e científicos. Não tente demolir em nossas almas uma construção de dois mil anos, porque o resultado seria lançar-nos no materialismo demolidor.

            Não só estudemos, mas tentemos viver o Evangelho e estaremos com Kardec e com todos os outros Espíritos superiores que já trataram do assunto.

            Não nos iludamos com o "cientificismo" anti evangélico.






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