Está o Espiritismo em perigo
de tornar-se uma seita Protestante?
por Lincoia Araucano
(Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Fevereiro 1948
Escreve-nos
talentoso amigo manifestando o receio de que o Espiritismo se torne
simplesmente uma seita ou até uma série de pequenas seitas bíblicas, de
conformidade com as múltiplas interpretações que cada grupo dê aos versículos
evangélicos. A seu ver, a base sólida, a rocha que não teme procelas, é o
estudo científico dos fatos. Fora disso tudo é vão, supõe o nosso prezado
missivista.
Os
fatos realmente já responderam a essas ideias; seria desnecessário repetirmos
aqui o que já deveria conhecer aquele amigo; mas haverá outros que necessitem
conhecer essa verdade e vamos permitir-nos repeti-la.
O
estudo dos fatos conduziu Kardec à Codificação, que é genuinamente evangélica:
estuda o Evangelho, o Decálogo e põe em prática a Doutrina cristã de amor e
caridade. Não se detém eternamente nos fenômenos, mas passa dos
fatos mediúnicos à Religião. Mais longe ainda do que Kardec vai Roustaing, sob a mesma
inspiração, estudando igualmente o Decálogo e os versículos, um por um, dos
quatro Evangelhos.
Estariam
errados esses grandes Missionários e certo o nosso ilustre missivista que
deseja permanecer sempre nos fatos, isto é, no período pré-kardeciano?
O
estudioso de psicologia sabe que além da memória cerebral, material, que é
caduca e falha, esquece 90 % do que aprende e ainda deforma em parte os 10 %
que lhe restam, existe outra memória perfeita, eterna, inexorável que tudo
conserva e transforma em aptidões, em faculdades, em instintos inatos, ou seja
a memória espiritual que vai com o homem pela eternidade em fora.
Toda
a nossa civilização é vasada na Bíblia, em tudo que tem de melhor: somos
espíritos formados na moral evangélica através dos séculos
e milênios. Nossa intuição do bem e do mal é colhida na Bíblia em diversas encarnações
como católicos, gregos, protestantes. Trazemos uma força imensa ao nascer, um
critério especial entre o bem o mal, como colheita cristã.
Aproveitar
essa longa preparação para a futura evolução do espírito foi o que mui sabiamente
fizeram Kardec, Roustaing e fazem todos os maiores Espíritos que se manifestam
pelos nossos melhores médiuns. Leiam-se todas as obras recebidas por Francisco
Cândido Xavier, por Zilda Gama, por Geraldine Coomins (Médium inglesa famosa à época), e ver-se-á que são a
pregação do Evangelho em diversas formas.
Vemos,
nos países que abandonaram o Espiritismo evangélico, o nosso movimento
cindir-se em grupinhos de "cientistas", vaidosos, discutidores, polemistas
que se subdividem até desaparecerem de todo. Logo, nos fatos não existe aquela
solidez "científica" a que se refere o nosso ilustre missivista.
Muito ao contrário, do estudo apenas científico do Espiritismo só pode sair a
convicção da imortalidade, mas nunca saiu o código moral necessário à vida em
sociedade e indispensável à evolução espiritual do homem. Depois de provada a
imortalidade "para os duros de coração" que não possuíam a intuição
da imortalidade, os Espíritos nos enviam ao Evangelho e, quando os homens
tentam fazer Espiritismo, sem Evangelho, nada conseguem, tudo
se esboroa, como já vimos em diversos países do Velho Mundo.
Tomado
por base o Evangelho, o Espiritismo tem uma fonte de unidade mundial e produz
frutos de amor, obras de solidariedade humana; mas, desprezado o Evangelho,
divide-se ele em grupinhos de estudiosos sem finalidade alguma ou com a
finalidade pré-kardeciana de demonstrar que o homem sobrevive à morte.
Bozzano
proclamou que só sobre os fatos deve constituir-se a verdade espiritista, no
sentido de provar a sobrevivência, unicamente para isso. Para o espírita
brasileiro que aceitou a Codificação kardeciana, essa fase da demonstração da
sobrevivência já não interessa, já é pré-histórica. Interessa-lhe é o código de
conduta que o há de tornar útil e feliz.
Chegamos,
pois, a conclusão diametralmente oposta ao nosso missivista. Não há perigo de
tornar-se o Espiritismo uma seita cristã ou dividir-se em diversas seitas
cristãs se ele se apegar ao Evangelho, mas é fora de dúvida que sem o Evangelho
ele morre e desaparece sem fruto algum. O orgulhoso que tudo confia à sua
ciência e despreza a Revelação, despreza o Espiritismo como a Terceira
Revelação, assume a tremenda responsabilidade de opor-se ao Plano Divino, de
combater os nossos maiores Mestres - o Cristo, Kardec, Roustaing, Emmanuel,
André Luiz, o Espírito de Verdade - e de lançar a humanidade no materialismo.
O
nosso missivista, cujas qualidades de inteligência e moral são modelares, está
iniciando a obra de derrotismo, de demolição do Espiritismo.
Ser-lhe-ia
impossível fundar um movimento espírita de elites científicas, reduzido a meia
dúzia de sábios da sua esfera intelectual, porque precisamente os cientistas
são orgulhosos, pretensiosos, querem impor condições à experimentação e
supõem-se com o direito de exigir de Deus as condições em que se devem realizar
os fenômenos que eles querem estudar para sua satisfação.
Temos
de construir com a gente boa e simples, sem preconceitos, sem vaidades de
escola, porque os "canudos" das nossas Universidades materialistas
nada valem neste domínio, onde dependemos da caridade dos Guias e não podemos
impor condições. Só temos que submeter-nos a condições.
Fujamos
desse orgulho científico e tratemos de construir humildemente com o Evangelho,
porque só assim estaremos em afinidade com os nossos Maiores e não com as
trevas que tudo procuram demolir.
Aconselhamos
ao nosso ilustre missivista um pouco mais de humildade, um pouco mais de paciência
com os ignorantes. Lembre-se de que o homem age 90% por sentimento e só 10% por meio de raciocínios filosóficos e
científicos. Não tente demolir em nossas almas uma construção de dois mil anos, porque o resultado
seria lançar-nos no materialismo demolidor.
Não
só estudemos, mas tentemos viver o Evangelho e estaremos com Kardec e com todos
os outros Espíritos superiores que já trataram do assunto.
Não
nos iludamos com o "cientificismo" anti evangélico.
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