1b O dogma
espírita
por Luciano dos Anjos
in Reformador (FEB) Jan-Fev 1964
Passemos ao segundo aspecto do enorme problema,
isto é, ao vocábulo dogmática. Aqui o campo filosófico já não é mais o da
crítica do conhecimento, mas o da teodiceia (ou teologia), embora não nos
afastemos ainda da Metafisíca. A dogmática é a parte da teologia que encerra a
exposição sistemática e racional dos dogmas. Acresce, entretanto, que neste
ponto já estamos tratando de matéria que margeia completamente a divisão
histórica da Filosofia. A inserção e o estudo da dogmática não são
absolutamente pontos pacíficos na divisão filosófica. A Igreja Católica introduziu-a
indiretamente na Filosofia, pelo menos nos círculos didáticos, estritamente
católicos ou nos quais a Igreja tem influência. É possível encontrarem-se
autores que incluem na história da Filosofia um capítulo sobre a dogmática
especificamente. Esta inclusão, Porem, há de ser sempre arbitrária. A Filosofia
ignora a dogmática, que só tem existência à margem dela; ou com o socorro dela,
A Igreja busca embaralha-la com a teologia, na mesma ação
cavilosa em que o pensamento católico busca confundir-se com o pensamento
cristão. Assim como o Cristianismo nunca tratou do catolicismo e hoje a Igreja
os faz sinônimos, a teologia também nunca tratou da dogmática. É, em resumo, um
vocábulo marginal...
Portanto,
com este título (toleremos, no máximo, a expressão teologia dogmática, como toleraríamos cristianismo católico) deve ser compreendida tão somente a obra dos
doutores e dos escritores eclesiásticos que se aplicam a coordenar as verdades
reveladas segundo o seu ponto de vista. Em sentido mais erudito, mais definido
e mais moderno poder-se-ia dizer que a dogmática "é a exposição
científica, isto é, em forma orgânica e com unidades sistemáticas, das verdades e dos fatos
sobrenaturais, concernentes à salvação e contidos na Revelação"
("Teologia Dogmática", de Bernardo Bartmann, pág. 11 da 1ª edição
brasileira). Foi Melquior Cano, desencarnado em 1560, quem primeiro escreveu
formalmente uma introdução à dogmática. A obra apareceu para atender às
exigências de método da teologia católica, suscitadas pelo Humanismo e
particularmente pelo Protestantismo. O termo dogmática é muito novo, pois remonta somente ao século XVII.
Finalmente, para definir melhor a expressão, assinalemos que a dogmática
vem a ser, em última análise, a exposição sistemática e racional dos dogmas da
Igreja Católica. Sua definição, muitas vezes encontrada como "o conjunto
dos dogmas duma religião", é aceita puramente por extensão do vocábulo. O
Espiritismo, portanto, faz questão de ignorar a dogmática como parte integrante
da Filosofia e, muito mais ainda, de com ela se misturar.
-continua-
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