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XI
Existência e imanência de Deus no universo. Possibilidade cognitiva de
seus atributos. Porque vivemos. Como se há de no homem desenvolver a natureza
divina. Lei universal do sofrimento. A criação é um ato de amor e também de
sacrifício.
Poderíamos,
seguindo o método expositivo, no LIVRO DOS ESPIRITOS adotado por Allan Kardec,
ter feito deste assunto - a existência de Deus e sua ação no universo o objeto constitutivo do capitulo primeiro da
presente obra. Na ordem das cogitações que desafiam e
superiormente atraem as mais nobres operações do entendimento humano, ocupa
esta sem dúvida o primeiro lugar, é o tema por excelência, mais que isso, é o
alvo supremo a que se encaminham todas as nossas aspirações e em
que as mais altas necessidades da nossa natureza encontram a sua exuberante,
final satisfação. Essa mesma circunstância, porém, de constituir o Ser Supremo a
culminância de todas as indagações filosóficas e religiosas é que, na
conformidade do plano gradual que preferimos adotar nestes estudos, nos
aconselhou a abordar esse assunto, não no começo, mas somente ao fim da
conveniente exposição teórica destinada a fornecer multiplicados subsídios para
a sua melhor compreensão.
E
dizemos propositadamente compreensão, e não demonstração. Porque a ideia de
Deus de tal modo se impõe, com irrefragável evidência, ao nosso espírito que, a
menos de concedermos legitimidade, sequer a título
discutível, à desvairada aberração em que consiste o ateísmo - funesta e blasfematória
insurgência do mísero ser a sua Causa - injúria seria ao senso mais rudimentar
entender necessário demonstrar o que não requer demonstração, por isso que se
acha visceralmente associado às mais intimas, às mais profundas certezas do
nosso próprio Eu. Necessitasse porventura de algum raciocínio, para enfeixar-se
numa fórmula, esta certeza máxima, nenhum outro melhor encontraríamos que este,
cuja autoria nos escapa: "Existo, porque existis; e se eu existo, existis
Vós."
Ainda
uma observação. Propondo-nos remontar à cogitação da Divindade, em seus atributos
e em sua ação no universo, estamos certamente longe de o pretender de um modo eficiente
ou positivo, isto é, relativamente ao que em si mesma seja, mas unicamente na
medida do que é possível concebermos, com o minguado concurso de nossas
relativas faculdades. Por outros termos: não pretendemos e insensato seria todo
arrojo em tal sentido - definir o que seja nem como essencialmente seja a ação
de Deus na criação; por feliz nos reputaremos em exprimir como ao nosso mesquinho
entendimento se apresenta Ele em relação com a sua Obra.
Dissemos
numa das primeiras páginas deste livro, e mais não fizemos, de resto, que
repetir uma noção corrente, que o homem é um microcosmo, isto é, uma
representação infinitamente reduzida do macrocosmo, que é o
universo.
De
que elementos se compõe o homem? A partir do mais grosseiro, temos: o corpo físico,
o corpo astral, que é o seu modelo oculto e invisível, o fluido vital, elemento intermediário, o corpo espiritual, ainda mais etéreo,
ou perispírito, que, no estado de encarnação, não forma com o corpo astral mais
que um mesmo envoltório fluídico, e, finalmente, o espirito. Se ponderarmos esses
elementos em seus respectivos componentes e em suas mútuas relações,
reconheceremos que o corpo, munido de órgãos ajustados às suas funções peculiares e instrumento de ação
no meio físico exterior, é um aglomerado de inumeráveis células obedientes a fenômenos
vitais: nascimento, nutrição, reprodução e morte, isto é, eliminação ou transferência
do meio individual para o meio cósmico, onde se vão regenerar, para novas e
incessantes recomposições. Porque o fenômeno chamado morte jamais se deve
entender no sentido de extinção, aniquilamento, redução a nada, finalidade
inexistente, imaginada apenas pelo homem, na incapacidade em que está de apreender
as sucessivas evoluções da matéria e da energia no infinito do espaço e na
eternidade do tempo - mas no sentido de transformação, ou de passagem de um a
outro modo de ser, assim no que se refere à personalidade como ao menor dos
elementos que a compõem.
O
corpo astral, em que reside o desenho ideal de todo ser que nasce, é formado-de
substância muito menos densa que a do corpo físico, mesmo suficientemente etérea para se caracterizar pela invisibilidade, mas
composta de átomos, reunidos em moléculas, dotadas de um movimento vibratório normalmente
muito mais rápido que o da matéria constitutiva do corpo físico, no estado de encarnação
porém adaptado até certo ponto a sua mesma tonalidade. Modelo permanente que é
da forma física, serve o corpo astral para mantê-la em meio do incessante fluxo
e refluxo das substancias que o organismo assimila e desassimila em suas operações
durante a vida. O elemento intermediário, ou fluido vital, que satura todas as
partes do organismo e é, como as moléculas, parcialmente renovado à medida que
vai sendo consumido, constitui o seu principio vitalizador por excelência, ao
mesmo tempo que é o veículo por que se transmitem ao sistema nervoso os
movimentos e vibrações de outro fator mais importante, que é o perispírito.
O
corpo espiritual - assim também chamado, como vimos - é por sua vez o veículo
das volições e manifestações do espírito no homem. Formado, já não diremos de
matéria, pela ideia de ponderabilidade que a esta se acha associada, mas de
substância tão extremamente rarefeita que se nos afigura inconcebível, o perispírito
- se é possível definir o que, mesmo pelo pensamento, escapa a todos os meios
de apreciação - pode ser ainda assim conjeturado como um composto de átomos, íamos
dizer, suficientemente espiritualizados para constituir o envoltório permanente
do espírito, parte de alguma sorte integrante da sua natureza, mas em todo caso
guardando com a tonalidade vibratória do corpo astral a conveniente proximidade
que lhe permite associar-se-lhe no período e para os fins da encarnação
terrestre.
Chegamos
finalmente ao espírito, não já composto, mas unidade fundamental, simples e indecomponível,
sem limitação nem forma, ser abstrato em suma, que não pode ser definido pelo
homem, porque, sujeito e objeto de si mesmo, transcende as suas mais eminentes
percepções e faculdades. Sim, espírito embora, mas amortalhado nas obscuridades da matéria, não podemos conceber o
espírito em si mesmo, em sua essência e natureza, por exíguo consolo nos
restando aprecia-lo nas manifestações de seus a atributos: pensamento e razão,
sentimento e vontade.
Remontemos
agora do microcosmo ao macrocosmo e iremos aí encontrar, analogicamente pelo
menos, os mesmos elementos: um aspecto físico, que é o universo visível, composto de mundos e sistemas de mundos,
que são como as células vivas desse imenso organismo da criação universal; um
modelo etéreo e ideal sobre que devemos supor necessariamente plasmada essa criação
objetiva, semelhantemente ao que sucede com o desdobramento do corpo astral no
corpo físico, sendo assim - já o assinalamos - a formação de um mundo ou de um
sistema planetário, como todas as criações materiais, precedida de um desenho
ou representação mental, de que vem a ser, obediente às suas linhas estruturais,
a objetivação; ao fluido vital corresponderá o fluido cósmico universal, oceano
de vida e de renovação de vida, ao mesmo tempo que veículo de comunicação entre
o todo e cada uma de suas partes entre si; para o perispírito,
elemento intermediário sutilíssimo, composto de átomos suficientemente
espiritualizados para corresponder, de um lado, com o elemento fluídico e do
outro com a inteligência diretora, não nos repugna encontrar analogia no
conjunto dos espíritos em grau de pureza compatível com a transmissão das
volições divinas ao seu objeto realizado - a criação; o princípio, finalmente,
que paira sobre todos esses elementos, sem com eles se confundir, mas que os
vivifica, organiza e dirige, esse princípio, transcendente e abstrato, que é o
espirito no homem, não será também o Espírito de Deus na criação?
É
assim pelo menos que ao nosso entendimento se apresenta, em sua esotérica
significação, aquela palavra de remontada, e perturbadora profundeza que no GÊNESE se encontra: "Criou Deus o homem à Sua semelhança." Isto é: composto
de elementos, não porventura idênticos, mas análogos ou semelhantes.
E
para que fosse completa a analogia, não será ocioso recordar, quanto às
relações entre o Principio e os seus efeitos, que também no homem o espírito
não comunica nem atua diretamente sobre o corpo, senão por intermédio dos seus
veículos sucessivos: as operações mentais em toda a sua variadíssima trama de
pensamentos, sentimentos e atos, da concepção à execução, se transmitem pelo
perispírito ao corpo astral e deste, por intermédio do fluido vital, aos
centros nervosos que, por sua vez, acionando toda a rede do sistema orgânico e
muscular, executam as determinações do alto recebidas. Como derradeiro sinal de
analogia recordemos ainda que, não sendo cada um desses veículos um Iodo sem descontinuidade, mas ao contrário composto de átomos, que vão dos
mais aos menos rápidos em suas vibrações, até às células do organismo físico,
todos subordinados à direção do princípio superior que os centraliza, a mesma
representação se nos afigura no universo, em que é sempre por intermédio dos
espíritos, dos mais aos menos puros e numa infinita escala, que o Criador opera
sobre a Criação. Ainda mais: do mesmo modo que o espírito atua mais diretamente
sobre o que se pode considerar a parte nobre do homem, do cérebro ao tórax
(admitido, mesmo convencional ou simbolicamente, o coração como a sede das
emoções, pelo menos como a região em que mais vivamente repercutem), não somente
utilizando o cérebro, como órgão próprio, e a palavra para a expressão e a
exteriorização de suas operações mentais, mas achando-se, consoante o
testemunho dos videntes, mais particularmente ligado pelo perispírito àquela
parte nobre (1), ao passo que os membros inferiores, não recebendo mais que uma
ação reflexa, apenas são utilizados em subalternas funções, assim também o Ser
Supremo opera mais direta e intimamente sobre a parte mais nobre, mais elevada
e pura da criação isto é, sobre os espíritos que se lhe aproximam em pureza, ou
ainda sobre as esferas fluídicas, aqueles mundos etéreos de que falamos
precedentemente, moradas felizes de seres consideravelmente evoluídos, não
estando os mundos materiais decerto privados de sua ação, mas recebendo-a
atenuada, em virtude da própria inferioridade e destinação transitoriamente
subalterna.
(1) Nos casos de
desdobramento, ou mesmo no fenômeno comum da exteriorização, o espírito é visto
afastado do corpo, mas ligado por um cordão, mais propriamente, por um feixe
fluídico à região que os oculistas denominam plexus solar, entre o tórax e
o epigastro. Em alguns indivíduos a ligação perispirital parece inserir-se, ao
menos aparentemente, no encéfalo.
Estabelecido,
entre a ação, por assim dizer, mecânica dos elementos do homem e do universo,
este paralelo, que - será necessário porventura advertir? - nenhuma irreverência
envolve e menos ainda o intuito de amesquinhar o Criador, mas unicamente o de
induzir o homem à consideração da grandeza divina de que procede, que nele se
reflete e com a qual é chamado a se identificar um dia, pela completa espiritualização
de suas faculdades e do seu próprio ser, detenhamos agora o pensamento na contemplação
da Obra que a inteligência nos fita da inescrutável sabedoria e do poder do seu
Autor.
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