sábado, 19 de janeiro de 2013

O Quinhão do Discípulo

Humberto de Campos (Irmão X)



O Quinhão
do Discípulo


            Cercado de potências angélicas, o Mestre dos Mestres recebia a longa fileira de almas necessitadas, a chegarem da Terra, trazidas pelas asas veludosas do sono.

            Rogativas particulares sucediam-se ininterruptas. E o Divino Dispensador as acolhia afavelmente. Para as solicitações mais disparatadas, oferecia a ternura do benfeitor e o sorriso do sábio. Jovens e velhos, adultos e crianças eram admitidos à Augusta Presença, um a um, expondo cada qual sua necessidade e sua esperança.

            - Senhor - implorava carinhosa mãe, de olhos súplices - meus filhos aguardam-te a complacência vigilante!

            E prosseguia, aflita, enumerando intrincados problemas domésticos, destacando projetos para o futuro na experiência carnal.

            O Mestre ouviu e recomendou aos cooperadores atendessem a súplica, na primeira oportunidade.

            Seguiu se lhe linda jovem que rogou, ansiosa:

            - Oh! Jesus, atende-me! socorre meu noivo que sucumbe... Livra-o da morte, por piedade! sem ele, não viverei!..

            O Benfeitor Divino ouviu, atento, e ordenou que os emissários restituíssem o dom da saúde física ao doente grave. 

            Logo após, entrou velho e simpático lavrador, de gestos confiantes, que se prosternou, suplicando:

            - Doador da Vida, abençoa meu campo! Peço-te! amo profundamente a terra que me confiaste. É o celeiro do meu pão, recreio de meus olhos, esperança de minha velhice!..

            O Pastor Divino sorriu para ele, abençoou-o, afetuosamente, e determinou aos auxiliares santificassem o ritmo das estações sobre o campo daquele trabalhador devotado, para que aí houvesse flores e frutos abundantes.

            Em seguida, cavalheiro respeitável penetrou o recinto de luz, evidenciando nobre posição intelectual e solicitou, reverente:

            - Protetor dos Necessitados, o ideal de realizar algo de útil na Terra inflama-me o espírito... Dá-me possibilidades materiais, concede-me a temporária mordomia de teus infinitos bens! Quero combater o pauperismo, a fome, a nudez, entre os homens encarnados... Auxilia-me por compaixão!

            O Embaixador do Sumo Bem contemplou-o, satisfeito, aquiesceu com palavras de estímulo e designou adjuntos para a articulação de providências, quanto à satisfação do pedido.

            Minutos depois, entrou um filósofo que implorou:

            - Sábio dos sábios, dá-nos inspiração para renovar a cultura terrestre! ...

            O Cristo aprovou a petição, concedendo-lhe vasto séquito de instrutores.

            E a legião dos suplicantes prosseguiu sempre movimentada e feliz, valendo-se da visita providencial do Celeste Benfeitor às sombrias fronteiras da carne, Jesus atendia sempre, ministrando incentivos e alegrias, graças e consolações, determinando medidas aos assessores diretos.

            Em dado instante, porém, o círculo foi penetrado por um homem diferente. Seu olhar lúcido falava de profunda sede interior, seus gestos respeitosos traduziam confiança e veneração imensas.

            Ajoelhou-se humilde, estendeu os braços para o Emissário do Eterno Pai e, ao contrário de quantos lhe haviam precedido a súplica, explicou -se com simplicidade:

            - Senhor, eu sei que sempre dás, conforme nossos rogos.

            Ante a estupefação geral, continuou:

            - Há quase vinte séculos, ensinaste-nos que o homem achará o que procura e receberá o que pede...

            O Divino Orientador ouvia, comovido, enquanto os demais seguiam a cena com admiração.

            O visitante reverente deixou cair lágrimas sinceras e prosseguiu:

            - Vezes inúmeras, tenho lidado com o desejo e a posse, com a esperança e a realização, nos círculos transitórios da existência carnal. Estou pronto para cumprir-te os desígnios superiores, seja onde for, quando e como quiseres, mas, se permites, rogo-te luz divina do teu coração para o meu coração, paz, alegria e vigor imortais de tua alma para minha alma!.. Quero seguir-te, enfim!..

            Com doçura admirável, o Mestre tocou-lhe a fronte e indagou:

            - Queres ser meu discípulo?

            - Sim! - respondeu o aspirante da luz.
           
            Calou-se o Cristo e, verificando-se intervalo mais longo e, considerando que todos os pedintes haviam recebido gratificações e júbilos imediatos, o aprendiz perguntou:

            - Que me reservas, Senhor?

            O Doador das Bênçãos contemplou-o com ternura e informou:

            - Volta ao campo de teus deveres. Entender-me-ei contigo diretamente. E depois de grande silêncio, que ninguém ousou interromper, o Mestre concluiu:

            - Reservar-te-ei a lição.

Irmão X / Chico Xavier
Reformador Abril 1946




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