Cristãos! Cristãos!
Paulo,
o inconfundível apóstolo dos gentios, em sua primeira epístola aos Coríntios,
disse que o Cristo não o enviara para batizar, mas para evangelizar o mundo
para que um dia houvesse na Terra um só Pastor e um só rebanho. E esse vulto
extraordinário do Cristianismo acrescentou ainda que seu convite aos homens
para viverem ao sol confortador da Boa-Nova não se circunscrevia aos arroubos
oratórios, à sabedoria de palavras, porque então a cruz do Cristo seria coisa
vã.
Os
homens geralmente emprestam uma intepretação menos justa às seguintes palavras
proferidas por Jesus: "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo,
tome a sua cruz e siga-me".
Inicialmente
precisamos saber qual seja o significado puro desta expressão: "tomar a
sua cruz". É evidente que ela importa na imprescindível necessidade de nos
submetermos às diretrizes de Jesus, pois que outras não existem capazes de
fazer que sintamos a grandeza imensurável de Deus! Jesus evidencia assim que o
verdadeiro cristão deve pôr-se em marcha, sem indagar se o amanhã, nos círculos
mundanos, lhe reservará alegrias ou dores, venturas ou decepções, repouso ou
lutas penosas, favores ou incompreensões! Seu dever é marchar sem vacilações,
avançar sempre, sejam quais forem as dificuldades criadas por aqueles que têm o
cérebro e o coração localizados no estômago.
"Quem
empunha o arado e torna a olhar para trás, não é apto para o reino de
Deus."
O
batismo é uma cerimônia Iitúrgica, pela qual a criatura humana comprova perante
as autoridades eclesiásticas de uma igreja a sua qualidade de adepto. E sê-lo-á
de fato, perguntamos nós, ainda quando não sinta nos recônditos da alma a
essência das palavras de Jesus? Sê-lo-á quem não segue, em verdade, as pegadas
do sublime crucificado? Sê-lo-á, enfim, quem não se dispõe a colocar sobre os
ombros o madeiro do Cristo e marchar impávido e sereno, espalhando as flores balsâmicas do
amor?
O
batismo por si só jamais transmite a quem quer que seja a auréola de luz, de
simplicidade, de humildade, de resignação e de fé que deve ornar aquele que
realmente deseja seguir as pegadas de Jesus. Se assim não fosse, como seria
possível explicar-se as maldades e os vícios que proliferam no seio da própria
cristandade? Paulo, espírito lúcido, ativo, empreendedor e destemido, bem compreendia
que o essencial era lançar no íntimo das criaturas as sementes da verdade. Mas,
para tanto, bastariam as palavras repassadas de sabedoria e de eloquência? Não,
porque elas seriam como o perfume das flores, que inebria os nossos sentidos
por fugazes instantes.
Paulo
dava vida, calor e força expressional às suas palavras, através do exemplo.
Todos os credos religiosos têm a seu serviço pregadores admiráveis cujas
palavras prendem as criaturas, fazendo-as experimentar um desejo intenso de
serem virtuosas, boas e de seguirem, portanto, o conselho dado por Jesus ao
moço rico de distribuir todos os seus bens aos pobres, antes de se incorporar
ao número de seus discípulos.
Quem
ouve palavras cheias de fé e de entusiasmo deseja quase sempre a visita da dor,
sentindo mesmo vontade de ser injuriado, caluniado, perseguido e difamado por
causa de sua fé. Basta, porém, que o orador se cale, para que o pensamento,
desse cristão, há pouco tão entusiasta com as coisas do espírito, fique de
pronto e seriamente preocupado com os problemas de ordem pessoal e utilitarista.
Quando
soa a hora de ser convocado para os serviços fraternos, quando o sofrimento dele
se acerca, quando se sente atingido pela injúria, quando é chamado à
comprovação de sua fé, não lhe ocorre, absolutamente, a ideia de haver desejado
tudo isso. E se a consciência, num tremendo esforço, consegue adverti-lo de que
tudo, quanto o aflige, preocupa, compunge e atormenta nada mais é que a simples
concretização do que pedira, dirá então: sim, é possível, mas o certo é que em tal momento,
ao desejar tamanho absurdo, estava fora de mim, delirava sob a ação
embriagadora das palavras melífluas de pregadores utopistas e fanáticos!
Eis
porque Paulo afirma : "Para o homem natural, as coisas de Deus são
loucura."
Realmente:
deixarmos o doce aconchego do lar, em noites frias e tempestuosas para irmos acudir um irmão que sofre;
privarmo-nos de certo bem-estar a fim de nos ser possível atender as
necessidades do próximo; aceitarmos a dor sem revolta e sermos sempre
indulgentes com os que erram; preferirmos a humilhação a humilharmos a quem quer
que seja, enfim, estarmos, sempre dispostos a oferecer a face direita àqueles
que nos ferem a esquerda, tudo isso, sem dúvida alguma, parecerá rematada
loucura ao homem natural, àquele que não conseguiu transpor o círculo acanhado
do individualismo.
Em
Mateus, vamos encontrar uma parábola na qual o Mestre começa dizendo: - 0
pregador do Evangelho saiu a semear a palavra divina.
Atentemos
bem, pois Jesus se referiu apenas ao pregador que saiu a pregar, sem fazer
alusão ao seu regresso. Saiu a
pregar!..
Sim,
porque todo aquele que se propõe a semear os ensinos da Boa-Nova assume séria
responsabilidade e voltar - não importam os motivos - é sinal evidente de que
descurou a semeadura feita, permitindo que a erva daninha sufocasse a boa semente.
Um
eminente orador sacro dos velhos tempos disse com muito acerto: "o
semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é a ação. Ter nome de
pregador ou ser pregador de nome, não importa, as obras são as que convertem o
mundo! Palavras sem obras, são tiro sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de
David derribou o gigante; mas não o derribou o estalo. senão a pedra".
Em
nossos dias o que se verifica infelizmente é que não há o necessário
entrosamento entre as palavras e as obras, entre o dizer e o exemplificar.
E,
por isso, prega-se a HUMILDADE e vive-se na opulência; prega-se a RESIGNAÇÃO, e
a revolta vive em nossos corações; prega-se a TOLERÂNCIA e os mesmos lábios,
que a pregam vão momentos após, proferir blasfêmias terríveis; prega-se a IGUALDADE,
e a cada passo surgem os preconceitos de raça e de cor; prega-se a LIBERDADE, e
outra coisa se não faz que não seja o sufocar os impulsos naturais e nobres da
nossa consciência; prega-se a necessidade de seguirmos pela estrada estreita
para melhor cultivo de nossa fé e revigoramento de nossas virtudes e, no
entanto, preferimos sempre trilhar a estrada ampla, larga, das facilidades, dos
vícios e dos prazeres; prega-se a VIGILANCIA e a ORAÇÃO, e os homens se deixam
embalar pelos cânticos da invigilância e da maledicência; prega-se a PAZ, e os
homens tudo fazem no sentido de incrementar o desencadeamento de guerras
pavorosas; prega-se o AMOR, e, desgraçadamente, os povos e nações civilizadas e
cristãs mantêm em seus códigos penais a ignominiosa pena de morte!
Taunay,
em "Reminiscências", conta-nos que começava Patrocínio a ser
hostilizado pelos propagandistas da República, que o acusavam de haver
abandonado as suas fileiras, lisonjeado pelo beijo que a Princesa dera no seu
filhinho, quando, num 'meetíng', o grande abolicionista tentou falar.
-
O Brasil ... - ia começando, quando se deteve.
Atribuindo
aquela pausa a um estado de decadência, a multidão começou a rir.
Patrocínio
olhou-a, do alto, e continuou:
-
O Brasil... que somos nós?
Silêncio
absoluto.
-
Sim; quem somos nós? - tornou.
E
formidável:
Somos
um povo que ri, quando devia chorar!
*
O
Espiritismo, falando ao microfone das consciências e com a lâmpada da Verdade
erguida para que todos sejam banhados com sua luz, brada ao mundo:
-
Cristãos!.. Cristãos!.. que fazeis da vossa fé?
-
Sim; que fazeis da vossa fé em Cristo, desse Cristo que asseverou não ser deste
mundo o seu reino?
E
a resposta ele próprio a profere diante do mutismo do mesmo mundo:
-
Motivos de intolerância, de separativismos, quando o Mestre querido vos ensinou
a amar, a ponto de se deixar imolar em uma cruz!
Ambicionais
a auréola do mundo, bafejada pelo poder efêmero dos Césares, quando devíeis
chorar o tempo que tendes perdido e que tereis de recuperar com lágrimas
amargas, a fim de um dia vos aproximardes daquele que é o Caminho, a Verdade e a
Vida!
Sylvio
Brito Soares
Reformador (FEB) Dezembro 1949
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