terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Cristãos! Cristãos!


Cristãos! Cristãos!


            Paulo, o inconfundível apóstolo dos gentios, em sua primeira epístola aos Coríntios, disse que o Cristo não o enviara para batizar, mas para evangelizar o mundo para que um dia houvesse na Terra um só Pastor e um só rebanho. E esse vulto extraordinário do Cristianismo acrescentou ainda que seu convite aos homens para viverem ao sol confortador da Boa-Nova não se circunscrevia aos arroubos oratórios, à sabedoria de palavras, porque então a cruz do Cristo seria coisa vã.

            Os homens geralmente emprestam uma intepretação menos justa às seguintes palavras proferidas por Jesus: "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me".

            Inicialmente precisamos saber qual seja o significado puro desta expressão: "tomar a sua cruz". É evidente que ela importa na imprescindível necessidade de nos submetermos às diretrizes de Jesus, pois que outras não existem capazes de fazer que sintamos a grandeza imensurável de Deus! Jesus evidencia assim que o verdadeiro cristão deve pôr-se em marcha, sem indagar se o amanhã, nos círculos mundanos, lhe reservará alegrias ou dores, venturas ou decepções, repouso ou lutas penosas, favores ou incompreensões! Seu dever é marchar sem vacilações, avançar sempre, sejam quais forem as dificuldades criadas por aqueles que têm o cérebro e o coração localizados no estômago.

            "Quem empunha o arado e torna a olhar para trás, não é apto para o reino de Deus."

            O batismo é uma cerimônia Iitúrgica, pela qual a criatura humana comprova perante as autoridades eclesiásticas de uma igreja a sua qualidade de adepto. E sê-lo-á de fato, perguntamos nós, ainda quando não sinta nos recônditos da alma a essência das palavras de Jesus? Sê-lo-á quem não segue, em verdade, as pegadas do sublime crucificado? Sê-lo-á, enfim, quem não se dispõe a colocar sobre os ombros o madeiro do Cristo e marchar impávido e sereno, espalhando as flores balsâmicas do amor?

            O batismo por si só jamais transmite a quem quer que seja a auréola de luz, de simplicidade, de humildade, de resignação e de fé que deve ornar aquele que realmente deseja seguir as pegadas de Jesus. Se assim não fosse, como seria possível explicar-se as maldades e os vícios que proliferam no seio da própria cristandade? Paulo, espírito lúcido, ativo, empreendedor e destemido, bem compreendia que o essencial era lançar no íntimo das criaturas as sementes da verdade. Mas, para tanto, bastariam as palavras repassadas de sabedoria e de eloquência? Não, porque elas seriam como o perfume das flores, que inebria os nossos sentidos por fugazes instantes.

            Paulo dava vida, calor e força expressional às suas palavras, através do exemplo. Todos os credos religiosos têm a seu serviço pregadores admiráveis cujas palavras prendem as criaturas, fazendo-as experimentar um desejo intenso de serem virtuosas, boas e de seguirem, portanto, o conselho dado por Jesus ao moço rico de distribuir todos os seus bens aos pobres, antes de se incorporar ao número de seus discípulos.

            Quem ouve palavras cheias de fé e de entusiasmo deseja quase sempre a visita da dor, sentindo mesmo vontade de ser injuriado, caluniado, perseguido e difamado por causa de sua fé. Basta, porém, que o orador se cale, para que o pensamento, desse cristão, há pouco tão entusiasta com as coisas do espírito, fique de pronto e seriamente preocupado com os problemas de ordem pessoal e utilitarista.

            Quando soa a hora de ser convocado para os serviços fraternos, quando o sofrimento dele se acerca, quando se sente atingido pela injúria, quando é chamado à comprovação de sua fé, não lhe ocorre, absolutamente, a ideia de haver desejado tudo isso. E se a consciência, num tremendo esforço, consegue adverti-lo de que tudo, quanto o aflige, preocupa, compunge e atormenta nada mais é que a simples concretização do que pedira, dirá então: sim, é possível, mas o certo é que em tal momento, ao desejar tamanho absurdo, estava fora de mim, delirava sob a ação embriagadora das palavras melífluas de pregadores utopistas e fanáticos!

            Eis porque Paulo afirma : "Para o homem natural, as coisas de Deus são loucura."

            Realmente: deixarmos o doce aconchego do lar, em noites frias e tempestuosas  para irmos acudir um irmão que sofre; privarmo-nos de certo bem-estar a fim de nos ser possível atender as necessidades do próximo; aceitarmos a dor sem revolta e sermos sempre indulgentes com os que erram; preferirmos a humilhação a humilharmos a quem quer que seja, enfim, estarmos, sempre dispostos a oferecer a face direita àqueles que nos ferem a esquerda, tudo isso, sem dúvida alguma, parecerá rematada loucura ao homem natural, àquele que não conseguiu transpor o círculo acanhado do individualismo.

            Em Mateus, vamos encontrar uma parábola na qual o Mestre começa dizendo: - 0 pregador do Evangelho saiu a semear a palavra divina.

            Atentemos bem, pois Jesus se referiu apenas ao pregador que saiu a pregar, sem fazer alusão ao      seu regresso. Saiu a pregar!..

            Sim, porque todo aquele que se propõe a semear os ensinos da Boa-Nova assume séria responsabilidade e voltar - não importam os motivos - é sinal evidente de que descurou a semeadura feita, permitindo que a erva daninha sufocasse a boa semente.

            Um eminente orador sacro dos velhos tempos disse com muito acerto: "o semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é a ação. Ter nome de pregador ou ser pregador de nome, não importa, as obras são as que convertem o mundo! Palavras sem obras, são tiro sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de David derribou o gigante; mas não o derribou o estalo. senão a pedra".

            Em nossos dias o que se verifica infelizmente é que não há o necessário entrosamento entre as palavras e as obras, entre o dizer e o exemplificar.  

            E, por isso, prega-se a HUMILDADE e vive-se na opulência; prega-se a RESIGNAÇÃO, e a revolta vive em nossos corações; prega-se a TOLERÂNCIA e os mesmos lábios, que a pregam vão momentos após, proferir blasfêmias terríveis; prega-se a IGUALDADE, e a cada passo surgem os preconceitos de raça e de cor; prega-se a LIBERDADE, e outra coisa se não faz que não seja o sufocar os impulsos naturais e nobres da nossa consciência; prega-se a necessidade de seguirmos pela estrada estreita para melhor cultivo de nossa fé e revigoramento de nossas virtudes e, no entanto, preferimos sempre trilhar a estrada ampla, larga, das facilidades, dos vícios e dos prazeres; prega-se a VIGILANCIA e a ORAÇÃO, e os homens se deixam embalar pelos cânticos da invigilância e da maledicência; prega-se a PAZ, e os homens tudo fazem no sentido de incrementar o desencadeamento de guerras pavorosas; prega-se o AMOR, e, desgraçadamente, os povos e nações civilizadas e cristãs mantêm em seus códigos penais a ignominiosa pena de morte!

            Taunay, em "Reminiscências", conta-nos que começava Patrocínio a ser hostilizado pelos propagandistas da República, que o acusavam de haver abandonado as suas fileiras, lisonjeado pelo beijo que a Princesa dera no seu filhinho, quando, num 'meetíng', o grande abolicionista tentou falar.

            - O Brasil ... - ia começando, quando se deteve.

            Atribuindo aquela pausa a um estado de decadência, a multidão começou a rir.
           
            Patrocínio olhou-a, do alto, e continuou:

            - O Brasil... que somos nós?

            Silêncio absoluto.

            - Sim; quem somos nós? - tornou.

            E formidável:

            Somos um povo que ri, quando devia chorar!

*

            O Espiritismo, falando ao microfone das consciências e com a lâmpada da Verdade erguida para que todos sejam banhados com sua luz, brada ao mundo:

            - Cristãos!.. Cristãos!.. que fazeis da vossa fé?

            - Sim; que fazeis da vossa fé em Cristo, desse Cristo que asseverou não ser deste mundo o seu reino?

            E a resposta ele próprio a profere diante do mutismo do mesmo mundo:

            - Motivos de intolerância, de separativismos, quando o Mestre querido vos ensinou a amar, a ponto de se deixar imolar em uma cruz!

            Ambicionais a auréola do mundo, bafejada pelo poder efêmero dos Césares, quando devíeis chorar o tempo que tendes perdido e que tereis de recuperar com lágrimas amargas, a fim de um dia vos aproximardes daquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida!

Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Dezembro 1949


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