quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

7. 'Guia Prático do Espírita'



7
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


 O QUE DEVE SER O ESPÍRITA
EM SI MESMO


            O homem tem por hábito ser muito indulgente consigo mesmo: ele encontra sempre motivos para justificar a sua conduta, ainda que esta não seja tão correta como deveria ser; procura sempre desculpar os seus defeitos e atenuar as suas faltas, por tal arte que muito amiúde se ouve dos lábios de muitos, quando se trata de inculcar-lhes o Espiritismo: Eu não creio em nada; se sigo a corrente, é para ir com a maioria; quanto à outra vida, creio que o melhor é fazer o bem possível, e se há alguma coisa depois da vida presente, nada de mal me pode suceder; e entendem estes homens que praticam o bem sendo pais corretos para seus filhos, não fazendo nenhum mal nem em sua casa nem fora dela, pagando todas as suas dívidas e compromissos e dando alguma esmola quando se oferece ocasião. Estes homens creem que assim tem feito tudo e que estão preparados para quando forem chamados a juízo. Como vivem enganados! A sociedade vive mal e, às vezes, o que para a sociedade é coisa corrente, é falta grave ante a lei divina. Não basta não fazer mal, é necessário fazer muito bem; como sabe o homem se faz mal ou bem, se não se rege pela lei divina, mas simplesmente pela lei humana? Ainda que cumpra os deveres sociais, onde estará a prática dos preceitos: Amarás o próximo como a ti mesmo. Volverás o bem pelo mal. Se te ferirem uma face, oferece a outra. Bendirás os que te maldizem. E orarás pelos que te ultrajam e te perseguem. As leis humanas deixam escapar as faltas que não são especificadas no código penal; as leis divinas, porém, alcançam todas as faltas que de qualquer forma afetem a consciência. Os que pensam como deixamos dito, enganam-se; porque, conquanto vivam em paz segundo a lei humana, estão a descoberto para com a lei divina e, quando chegar a sua hora, sofrerão as consequências do seu erro e, obstinando-se em pensar e obrar assim, a sociedade não se reformará e todos serão vítimas do seu egoísmo e da falsa interpretação da lei, que definitivamente há de colocar a cada um segundo as suas obras.

            Nós, espíritas, não devemos proceder desse modo; todo espírita deve ser muito severo consigo mesmo; nunca no seu íntimo se deve desculpar de uma falta; nunca deve buscar atenuantes para justificar a sua conduta, se alguma coisa esta deixou a desejar; deve ser o primeiro e mais severo juiz de si mesmo; não deve esquecer que, se está neste mundo e tem que sofrer e lutar, a causa está no seu atraso, nas suas imperfeições e defeitos, e que urge se despoje de tudo o que não for amor, virtude, caridade, justiça, sem o que embalde tratará de obter paz e nunca poderá honrar a doutrina que professa e não será digno de chamar-se espírita.

            Sabemos já que é muito difícil chegar a ser homem justo em tudo; mas o espírita, embora pela sua história passada se reconheça responsável pelo dia de ontem, deve lutar sempre para avançar no caminho da depuração, sem se desalentar, ainda que lhe seja difícil reabilitar-se ou depurar-se, até que chegue a ser de todo um homem digno.

            Para isso conseguir aconselhamos uma prática que seguimos desde muitos anos e que continuamos a seguir; prática que nos tem dado ótimos resultados, chegando a obter tudo quanto nos tem sido necessário para conseguir nosso propósito de viver com justiça e amor de Deus.

            Todo espírita procurará todos os dias, antes de se deitar, fazer um exame de tudo quanto durante o dia sentiu e praticou. Há três maneiras de cometer faltas: por pensamentos, palavras e obras. A falta por pensamentos é aquela em que, por sentir paixões injustas ou mal reprimidas, ou por não ser bastante indulgente com as faltas do próximo ou por cobiçar coisas injustas, o espírita pode sentir desejos que são puníveis ante a lei divina. Como o espirito tentador muitas vezes acossa o espírita por aquele lado e o conserva muito amiúde debaixo do seu domínio, ainda que não chegue a faze-lo cometer a falta, produz no espírita um certo mal estar que o impossibilita, em quanto está sob o domínio da tentação, de conceber pensamentos e desejos de bem, e, portanto, mal poderá praticá-lo se nele não pensar. O espírita que, ao fazer o exame, vir que está sugestionado por uma tendência injusta, deve fazer o propósito de resistir aos pensamentos impuros ou faltas de caridade; para isso deve implorar muito ao Pai, recordar a pureza das palavras e dos atos do sublime Mestre e não esquecer que todos temos, um anjo da guarda que está encarregado de nos guiar, que terá muita satisfação em cooperar na nossa regeneração, e que ajudará o seu protegido, enquanto este persistir no seu propósito. E, ainda que isso, por vezes, se não consiga logo, ainda que o espírita que cometeu falta por pensamentos não consiga, apesar de seus esforços, afastar pensamentos maus, não deve acovardar-se, mas persistir, dias e dias, no seu bom propósito, pedir e confiar, e verá por fim coroados com êxito completo os seus esforços, e então se sentirá mais tranquilo e os bons pensamentos afluirão sobre ele e conseguirá a prática do bem, sem grandes esforços.

            Se a falta é de palavra, se por imprevisão se tenha sido indiscreto, intolerante ou absoluto, o espírita, logo que reconhecer o seu mau procedimento, não se deve prender com considerações, mas, ato contínuo e sem dilação alguma, deve dar completa satisfação à pessoa ou pessoas ofendidas, procurando, com toda a sinceridade, manifestar verdadeiro arrependimento, até conseguir que a falta ocasionada seja perdoada. Então, ao fazer o exame, o espírita deve mais rogar ao Pai e pedir ao Senhor, que tão bondoso foi para com todos; deve
chamar poderosamente o seu guia espiritual, procurando tomar todas as resoluções que forem necessárias para se corrigir de tal defeito, procurando cumprir o propósito que houver formado. Se não triunfar do seu caráter tão prontamente como desejaria, não deve ainda assim acovardar-se, mas resistir consigo mesmo e perseverar, pedindo, arrependendo-se e dando tantas satisfações quantas forem necessárias, cada vez que incorrer em falta para apagá-la, sem esquecer que esse procedimento lhe garantirá a proteção do alto e o porá em condições para que as pessoas com quem tratar reconheçam a sua boa vontade, apesar de seus defeitos, e isso fará com que sem grande demora se encontre corrigido das faltas em que
costumava incorrer por palavras.

            Se a falta é de obras, o que já é mais grave, deve o espírita procurar por todos os meios possíveis não incorrer de novo nela. Há obras que podem ser faltas leves, como há obras que podem ser faltas graves; as primeiras pode o espírita, com a ajuda de Deus, dos bons espíritos e de seus irmãos, corrigi-las. Digo com a ajuda de seus irmãos, porque, quando o espírita incorre em falta por obras, não deve fiar-se em si mesmo, mas, além do decidido propósito de não voltar atrás e pedir muito a proteção dos bons espíritos, deve buscar o conselho e a proteção daqueles irmãos espíritas que, mais práticos do que ele nas coisas da vida, tenham outro temperamento e outras virtudes. Estes irmãos, se o espírita é submisso e está bem arrependido das suas faltas, podem ajudá-lo com os seus conselhos, e entre os do Alto e os daqui e o bom propósito do interessado, pode chegar a corrigir-se e ser bom espírita. Se a falta, porém, é grave, pode acarretar consequências que não se apagam com bons propósitos, senão que o alcançam até a expiação; por isso avisamos a todo espírita que, se tiver a desgraça de incorrer em uma falta grave, só uma larga penitência poderá apaga-la. Entendemos por penitência o esquecimento absoluto de todas as coisas que podem agradar e distrair; entendemos por penitência uma vida de retiro, de mortificação, sofrendo tudo por amor de Deus e como reparação da falta; entendemos por penitência dedicar-se uma pessoa à caridade a bem dos pobres, dos enfermos, dos aflitos e não pensar em mais do que em agradar a Deus e ser útil ao próximo, à medida das forças do penitente. Só assim se apagam as faltas graves. Donde resulta que todo espírita que desgraçadamente se encontrar neste caso, nos seus exames de consciência deve ter grande arrependimento e propósitos muito decididos e não recuar até conseguir a sua reabilitação. Muito podem o arrependimento,  a prece e a prática da caridade.
           
            O espírita que seguir os nossos conselhos e puser por obra as práticas que deixamos indicadas nos artigos: O que deve ser o espírita diante de Deus, diante do Senhor e Mestre e entre seus irmãos, muito poderá adiantar-se e muito poderá achar na vida vindoura. Do contrário, muito difícil lhe será sair desta existência e ter vida tranquila e ditosa no espaço.

            Espíritas há, e não poucos, que vivem seguindo os impulsos de seu coração, sem repararem nas faltas por pensamentos, pouco nas por palavras, e, conquanto se detenham nas faltas por obras, não dão toda a importância que requerem todos aqueles atos e ações que não são bastante justos. Estes espíritas, conquanto não causem males de importância, vivem sem regra fixa e não se adiantam, e em muitas coisas se diferenciam pouco dos que não são espíritas.

            Estes irmãos em crenças vão mal e expõem-se a ficar em más condições ao sair da Terra, e o procedimento de hoje pode custar-lhes muitas lágrimas e muitos sofrimentos; por isso muitos espíritas desencarnados, segundo os nossos estudos, ficaram em má situação, e são muito poucos os que ficam em posição brilhante no espaço, e isto sucede por falta de estudo de si mesmos e por falta de cuidado na maneira de pensar, falar e obrar. Devem, pois, viver apercebidos e não estar distraídos na vida terrestre os que quiserem aproveitar-se dela para o seu progresso e para o seu bem-estar. É necessário orar, pedir, suplicar e  aconselhar-se o espírita com aqueles que são práticos no caminho da purificação ; deve-se consultar livros de moral espirita e principalmente ‘O Evangelho segundo o Espiritismo’, por Allan Kardec, no qual estão previstos muitos dos perigos que os espíritas podem achar na vida terrestre.

            É necessário não esquecer, e isto devem tê-la bem presente todos os espíritas, que o tempo que passamos na terra é sumamente curto, e que o tempo que teremos que passar e que sem remissão nos espera no espaço será sumamente longo, e que ele será feliz ou desgraçado conforme houver cumprido ou deixado de cumprir a lei: procuremos, pois, progredir em virtudes, em amor e adoração ao Pai, em respeito e veneração ao Senhor e Mestre, em caridade e abnegação para com os nossos semelhantes, e não duvidemos de que a nossa felicidade será grande e se terão acabado para nós os sofrimentos e males que há tantos anos nos oprimem e nos conservam retidos em planetas de expiação.



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