Sombras Divinas
Não vos iludais,
irmãos, meus caríssimos:
lá do alto, do Pai das luzes,
só vem coisa boa, só vem
dom perfeito;
nele não há mudança nem sombra de vicissitudes.
De livre vontade,
nos chamou ele à vida pela palavra da verdade,
para que fôssemos como que as primícias
das suas criaturas.
(Tg, 1, 13 ss)
“Do Pai das luzes só vem coisa boa...”
Se
isto é verdade, por que há tantos males no mundo, tantos, tantos? Por que geme
na masmorra a virtude e exulta no trono o crime? Por que sucumbe a justiça
inerme (sem meios de defesa) sob as
rodas do carro triunfal da injustiça? Por que choram olhos inocentes e riem
lábios culpados? Não parece este mundo um aborto macabro dum gênio diabólico?
Não parece a quintessência do ódio de Satã?
Obra
de Deus – este mundo tão imundo?
Ou
Deus não pode extinguir este inferno de males – ou não quer. Se não pode – onde
esta a sua onipotência? Se não quer – onde está o seu amor?
E,
no entanto, “criou Deus o mundo e viu que era bom.”
Males
físicos não são males – são escola de aperfeiçoamento. Males morais correm por
conta da liberdade humana.
Onde
começa a liberdade, começa a possibilidade do bem e do mal.
Preferiu
Deus criar um mundo possivelmente bom ou mau a não criar mundo algum.
O
mundo é um bordado divino, visto por ora, pelo avesso – um caos de fios
versicolores.
O
mundo é um vitral divino, visto por nós do lado de fora -- um borrão de tintas várias cortadas de veios
de chumbo.
Dia
virá em que essas aparentes obras de fancaria (trabalho grosseiro) se revelarão estupendas obras-primas de
poder, sabedoria e amor.
Aguardemos
a alvorada deste dia!
Huberto
Rohden
in “Em Espírito e Verdade”
Edição da Revista dos Tribunais, SP – 1941
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