Labor
que Redime
Distante,
lá, bem longe, o perfil esfumado na meia luz do crepúsculo, vai Aasvero célere tangido por mil inquietações, em busca de
sossego.:. Ensimesmado, caminha, através dos séculos, indiferente ao bulício
circundante... Seu semblante taciturno concentra todas as dores de uma alma
torturada pelo remorso e quiçá pelo anseio de um futuro melhor. Onde poderá ele
repousar o espírito atribulado? Onde? Ah! se pudesse acercar-se de Cassandra,
filha de Priamo e Hecuba, e dela ouvir as revelações que pressente, talvez um
clarão de paz lhe envolvesse o coração enregelado pela sucessão de pesadelos
tremendos... Lá vai ele lá vai ele... O dorso curvado ao peso do bornal referto,
nervosamente sustido pela mão esquerda, enquanto a destra empunha velho e
nodoso cajado, segue Aasvero a sua sina, encadeado às próprias angústias... E
avança, ao Sol e à chuva, o rosto estigmatizado pelo sofrimento e marcado pelo
tempo... Pobre Aasvero! Cumpre seu fadário e muitos séculos se desdobrarão
sobre ele e ele não se deterá na estrada, um só instante sequer, para sacudir,
o pó das sandálias em farrapos!.. Porém, o perdão do Cristo o alcançará quando
o arrependimento lhe beijar o espírito... Desgraçado Aasvero!..
*
Entretanto,
o destino de Aasvero não é melhor nem pior que o de Sísifo, condenado à eterna fama de levar ao cume dum monte enorme
esfera de granito, que uma vez lá em cima rola de novo, encosta abaixo, para que o
infortunado, uma vez, outra vez, sempre, sempre, a reconduza para o alto ... Pobre Sísifo!..
*
Aasvero
procura a paz de espírito que o mundo, tal como está, não lhe pode oferecer. Busca-a tão
longe, quando ela se encontra dentro de si mesmo... Os preconceitos
embotaram-lhe a alma. Entretanto, se ele se detivesse um pouco para meditar, se
o seu espírito pudesse realizar um exame introspectivo, ficaria deslumbrado com
as possibilidades enormes que a vida proporciona às almas simples... No seu
eterno deambular, Aasvero não tem olhado para o seu interior. Vagueia na
escuridão dos pensamentos torvos, obcecado por ideias que lhe obscurecem o
entendimento da vida. Vai Aasvero, vai! Se não tens tempo de conhecer a
Verdade, prossegue no jornadear sem fim, até que, um dia, uma alma cansada,
tente banhar-se na razão que ilumina. Então, fugindo à cenosidade dos
pensamentos inferiores, alcançarás a redenção através de esforços
retificadores! Simbolizas a Humanidade inquieta e insatisfeita, perdida no
labirinto da dúvida e da descrença. Vamos, Aasvero! abandona essa atitude sombria de maldade e
egoísmo e olha para a frente e para o Alto com a esperança que santifica o
coração!
*
E
tu, Sísifo? Que fazes, que não buscas um meio de prender a pedra no ápice do
monte? Condenaram-te os deuses iracundos à pena eterna?
Ignoras ainda. Mas esses deuses eram humanos também... Acima deles está o Poder
Supremo, o Deus soberano, que nos criou e nos encaminha para melhores tempos. Sim, Sísifo! não
há penas eternas. O sofrimento existe como elemento regenerador, de modo que
podes também lutar pela reabilitação. Basta que te decidas a mudar de rumo e te
esforces por manter uma orientação nobre e altruística para que, a pouco e
pouco, a grande esfera de granito vá diminuindo de volume e de peso, ao mesmo
tempo que a tua confiança no dia de amanhã se tornará progressivamente maior e
mais sólida. Agora, retratas o homem materializado, culposo, jungido a
concepções estreitas e contraproducentes. Amanhã, porém, espiritualizado,
bendirás o sacrifício de hoje, semeadura da felicidade do porvir. Há de
acontecer o mesmo a Aasvero... Ambos cultivam a mesma ânsia... Lembra-te que o
homem chega à vida terrena através da dor e das lágrimas. Já traz consigo o
sofrimento e o prazer, que o acompanham do berço ao túmulo. Em vez de analisar
a dor para compreendê-la, abomina-a, e se entrega à caçada infrene dos prazeres
fáceis... Mas a dor mora dentro do riso e segue o prazer, passo a passo...
*
Todos
nós temos um pouco de Aasvero e de Sísifo .. Às vezes, até, sentimos, como
Prometeu, o abutre dos nossos sentimentos subalternos bicar-nos com ferocidade
as entranhas. É que "cada um tem no
planeta o mapa das suas lutas e dos seus serviços” - ensina Emmanuel. O berço
de todo homem é o princípio de um labirinto de tentações e de dores, inerentes
à própria vida na esfera terrestre, labirinto por ele mesmo formado e que
necessita palmilhar com intrepidez moral. Portanto, qualquer alma traz o seu
destino traçado sob o ponto de vista do trabalho e do sofrimento e, sem
paradoxos, tem de combater com o seu próprio destino, porque o homem não nasceu
para ser vencido; todo Espírito labora para dominar a matéria e triunfar dos
seus impulsos inferiores". Esse o labor que redime...
*
A
luta é inerente à vida. Mas só a luta leal, corajosa e fecunda enobrece a vida.
por José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Agosto 1946
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