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’Guia Prático
do Espírita’
por Miguel Vives y Vives
3ª Edição
Livraria Editora da Federação
Espírita Brasileira
1926
O QUE DEVE SER O ESPÍRITA
ENTRE SEUS IRMÃOS E NOS CENTROS ESPÍRITAS
Todo
espírita deve fazer uso de toda a humildade possível entre seus irmãos, porque a humildade é sempre um exemplo constante de boas formas
e nunca compromete nem é causa de distúrbios e discussões; essa humildade,
porém, nunca deve ser fingida, mas leal e disposta a todo serviço, contanto que este seja
justo e possa redundar em bem de algum dos nossos irmãos. O espírita deve sempre
considerar-se inferior a seus irmãos e disposto a ser o servo de todos, porque já sabe que o primeiro
deve ser o servo de todos, e por mais que faça e tenha feito, nunca poderá pagar o que
deve Àquele que é o autor de tudo; e, por mais que saiba, nunca alcançará a
infalibilidade; assim, pois, sempre poderá enganar-se; debaixo deste ponto de
vista não fará, pois, nunca, nem alarde de saber nem de possuir faculdades, e
menos deverá considerá-las extraordinárias; deverá, antes, expor suas opiniões
de maneira prudente e sensata e com oportunidade. Se alguma vez se vir
importunado por algum de seus irmãos, procurará proceder com bons modos, e se
não for possível que, de momento, seu irmão chegue à razão, calar-se-á,
esperando uma boa ocasião para que possa, com a humildade que o deve caracterizar,
convencê-lo e levá-lo à razão, se tanto for possível; assim, fará uso da caridade, porque todo
espirita deve ser caritativo com seu irmão.
Assim
como para realizar uma empresa, para levar a cabo um negocio, para adquirir algum objeto que nos agrada muito, fazemos às vezes
sacrifícios e realizamos empresas de alguma importância, não deve esquecer o espírita
que não há empresa maior nem trabalho mais nobre que o de atrair para si o amor leal e
sincero de seus irmãos; nada há na Terra de tanto proveito como ser homem de
paz, de amor e de concórdia; esse procedimento será uma garantia para a paz e
progresso de seus irmãos; se anda errado, não deve nenhum espírita cair-lhe em
cima, mas recordar que todos podemos adoecer do corpo e da alma, e, se não é
possível atraí-lo por meio da caridade, deve todo o espírita atraí-lo por meio
da indulgência. Há um grande meio para atrair os homens: é buscar neles se há
alguma coisa que, sem faltar à justiça, seja muito da sua predileção. Quando em
um dos nossos irmãos se notar algum mau costume ou modo, tanto no falar como no
obrar, não se deve nunca lançar sobre ele a murmuração (lastimar-se, queixar-se em voz baixa, falar mal, apontar faltas), nem julgá-la ligeiramente, nem abandoná-la, nem deixá-lo, antes de
haver experimentado os meios possíveis de atraí-lo. Se se notar nele, porém,
alguma inclinação ou costume que não falte à justiça, às vezes nós o podemos
atrair, procurando aparentar que aqueles costumes e inclinações são do nosso
agrado; buscando contrair uma amizade íntima por aquele lado, para ver se
aquele nosso irmão, tendo depois mais confiança em nós, podemos chegar a ter
influência moral para levá-lo ao bom caminho. Isto é licito e de alta prática
moral, sempre que se não possa afastar do mau caminho o espírita que tal faz.
Para mais clareza: devemos estudar as qualidades boas que há em nós, para ver se
com a soma destas reparamos alguns defeitos. Quando a favor de um irmão fizemos
todo o possível e ele se não deixou convencer, é necessário, então, sem ruído e
sem choque de espécie alguma, afastarmo-nos ou afastá-lo, procurando não nos
contaminar, e que ninguém se contamine com ele, mas isso depois de haver
esgotado tudo o que aconselham a humildade, o amor, a indulgência e a caridade.
Já
disse que todo o espírita deve ser caritativo com seu irmão, e isso o demonstra
ele, porque, se somos obrigados, segundo a lei divina, a
praticar a caridade em tudo, muito mais devemos praticá-la entre os que debaixo do ponto de
vista espiritual devem formar uma só família.
O
espírita não deve, portanto, abandonar seu irmão, nem na crise, nem na
enfermidade, nem na miséria; muito pelo contrário, deve ser para ele um pai ou
uma mãe; consolá-lo nas suas aflições, assisti-lo nas suas enfermidades, ajudá-lo
nas suas necessidades, protegê-lo na sua velhice, dar-lhe a mão na sua
juventude; numa palavra, deve ser todo espírita para seu irmão a verdadeira
providência terrena, sustentando-o até onde possa em todos os transes da vida
planetária. Assim como na parte moral devemos ser caritativos, indulgentes e
humildes com os nossos irmãos, não o devemos ser menos na parte material.
Devemos manter entre nós a verdadeira fraternidade, porque o amor dispensa
muitas coisas e se chegarmos a nos amar muito não há duvida que suportaremos
nossos defeitos com paciência.
Eis
a maneira de dar bom exemplo à humanidade, que tão cheia de males e egoísmos está: eis a maneira de tornar mais leve a cruz que
por lei temos de carregar neste mundo, porque o amor é uma seiva divina; é o bem; é a paz.
Eis a maneira de atrair os olhares da humanidade e de demonstrar-lhe que a palavra
irmãos não é pura fórmula, mas a expressão do amor que nós sentimos. Eis a
maneira de constituir uma família que nos pouparia muitas amarguras, que hoje
nos alanceiam, e nos daria muitos dias de paz e de alegria, e reinaria em torno
de nós tanta cordialidade e tanto amor que nelas se regenerariam os nossos espíritos.
Não quero dizer com isso que entre nós não haja paz; haveria, porém, muito
mais; não direi que não haja amor e proteção; esta seria, porém, mais decidida
e outros horizontes se abririam em nossas reuniões, em nossos centros, em
nossas sessões. Há amor e proteção mútua entre nós; esta, porém, deve ser mais
decidida; há amor entre nós: pode e deve, porém, este ser mais entusiasta; há
caridade; mas esta deve ser mais ampla e extensiva. Se na Terra não é possível,
fora da família, achar moradas de paz, deve sê-lo entre nós; por isso
devemo-nos tratar com indulgencia, com amor e com caridade.
Só
assim cumpriremos aquilo que nos propusemos ao vir à Terra, porque não somos
espíritas porque o somos, mas porque viemos já preparados e não há dúvida que
desde o mundo espiritual tornamos o compromisso de fazer muito e bem, e só a
perturbação pode fazer- nos esquecer tão bons propósitos: é necessário, pois,
fazer grandes esforços para que a proteção espiritual possa despertar propósitos
esquecidos.
Nem
sempre o amor em gérmen, a caridade e a humildade dominam nos centros e reuniões espiritas. Causa lástima ver, como eu
tenho visto, algumas vezes, lutas nos centros para chegar-se a ser dos primeiros; causa lástima
ver, às vezes, lutas, discussões, desavenças, sobre se será este ou aquele o
que deve exercer o cargo de presidente. Isto se tem dado algumas vezes,
mostrando até onde se chega quando se perde o bom senso espirita. Isto chega a suceder,
quando em um centro se perde o verdadeiro amor ao Pai e a gratidão ao Senhor e
Mestre.
Os
que mais influem em um centro espírita são os que mais devem estar alerta e são os que mais devem guardar as regras prescritas nos
artigos anteriores, porque são os encarregados de vigiar e conduzir os que têm
menos alcance e menos compreensão. Se a todos os espíritas incumbe serem
práticos na caridade e na adoração ao Pai, em espírito e verdade; na admiração da sua grande obra, da sua
grande providência e do seu grande amor; na adoração e estima do Sublime Mártir, Senhor dos
senhores; no conhecimento e execução da sua lei; no exercício da humildade, da indulgência,
da temperança e do amor do próximo, quanto mais incumbe aos que, por alguns ou
vários conceitos, chegam a ter influência e a dirigir alguns de seus irmãos! A
missão destes é sumamente delicada; porque, segundo a sua maneira de agir,
podem levar alguns ou muitos ao bom caminho ou os podem fazer encalhar nos
perigos da vida. Os que pela sua inteligência compreendem mais e se convertem
em guias de seus irmãos, não se pertencem a si mesmos, são exemplo de seus
irmãos e não podem fazer bancarrota à verdade; devendo ser fieis à lei divina,
são forçados a procurar sempre viver alerta para interpretar mal a lei; devem
ser modelos em tudo, nunca se deixando dominar pelo amor próprio, que é sempre
mau conselheiro, e que todo o espírita deve repelir, principalmente o que veio
com inteligência superior à generalidade. Os que se elevam pela sua compreensão
acima da maioria poderão auferir grande bem da sua missão e elevar-Se à grande
altura espiritual, se empregarem sua existência no bem de seus irmãos, sendo
modelos das virtudes e práticas recomendadas; podem, porém, contrair grande
responsabilidade, se a inteligência e superioridade que tem sobre seus irmãos for
empregada em satisfazer tendências ou opiniões pessoais, ou se, procedendo com
pouco cuidado, pouco fruto souberem tirar das suas faculdades.
Eu,
apesar de ser pessoa insignificante, tremo só ao pensar que poderia cometer alguma falta, que, por desídia minha, ou por amor próprio
ou por falta de amor ao Pai, de gratidão ao Senhor ou de indulgencia, amor ou caridade,
poderia ser causa de que algum dos meus irmãos se desviasse. Não podemos ser
infalíveis, mas quando nalguma coisa não tenhamos sido corretos na prática da lei divina, se essa
incorreção só a nós prejudica, devemos corrigi-la; mas se transcende e pode
prejudicar aos nossos irmãos na prática do Espiritismo, devemos ser prontos em
dar todas as satisfações, acudindo a todas as virtudes que o caso requeira, até
deixar apagados os vestígios da incorreção cometida.
Sucede,
às vezes, que são duas as pessoas que exercem influencia decidida entre os irmãos de um mesmo centro; cada uma delas deve
sempre procurar que não se formem partidos, mas que se mantenham constantemente
na maior unidade possível; e, se a influência de cada qual não bastar para
conservá-los unidos no amor e na unidade de vistas sob os intuitos que devem
reinar sempre nos centros espíritas, os que tal influência exercem devem colocar-se
entre os últimos, e, calando-se, só falar para lhes aconselhar o que o Senhor
manda na sua lei. Há pouco tempo vieram alguns espiritas à minha presença para
diminuírem suas divergências, a fim de que eu desse razão a quem a tivesse,
segundo a minha opinião. Para que não me dissessem que eu não tinha escutado as
suas razões, atendi-os. A ofensa consistia em algumas palavras desrespeitosas
que dirigiram uns aos outros; ao perguntarem o meu parecer, a minha resposta
foi a seguinte: os que haveis pronunciado palavras pouco caritativas sobre
vossos irmãos, pensastes, antes de pronunciá-las, no dever que tem todo o espírita de praticar a lei de caridade, amor,
indulgência e fraternidade a que vos obriga o Espiritismo? E os que haveis recebido a ofensa,
antes de vos dardes como ressentidos, recordastes-vos do Senhor e Mestre que se
deixou beijar pelo apóstolo traidor e não respondeu nem uma palavra aos
insultos, aos golpes, às feridas que lhe abriam os seus verdugos e martirizadores,
e, pelo contrário, lhes perdoou e pediu perdão para eles?
Como
era natural, não me puderam dar resposta categórica. Então lhes disse: ide,
pois; aprendei o que o Espiritismo vos ensina e inteirai-vos
bem do que manda o Senhor no seu Evangelho e do que Ele fez; e quando estiverdes bem
inteirados e vós mesmos o praticardes, dir-me-eis quem de vós tem razão e quem
a não tem.
Julgo,
pois, que não é fácil haver dissensões, onde reinem o amor, a caridade e a
humildade, porque cada um considerará que é o servo dos outros e terá sumo
gosto em o ser, porque saberá que assim cumpre a lei e que
assim progride e que por este caminho chegará á sua felicidade; ao passo que, seguindo
caminho contrário, lavra a sua sentença de ruína, que mais tarde ou mais cedo terá que
suportar. Entendo também que se podem apresentar assumptos difíceis de se resolver; neste
caso os mais prudentes calam-se e suplicam a Deus e esperam que o tempo e os
acontecimentos venham dar remédio aos males, e só se recorre a uma solução extrema, quando nem a
caridade, nem a indulgência, nem o amor, nem a humildade podem remediar esses
males; a resolução, porém, deve executar-se com a prudência e boas maneiras que
aconselha a moral mais acrisolada, evitando murmurações e, sobretudo, fatos que
podem exceder a órbita dos espíritas, porque, senão, incorre-se em grave falta,
visto como se originam escândalos e publicidades que nos podem trazer grande
dano, porquanto darão lugar a considerar-se os espiritas como se considera os
outros homens que não professam nenhuma doutrina moral.
Em
resumo, entendemos que, nos centros espíritas, deve haver quem dirija e ensine;
mas essas individualidades não se criam por votações nem à vontade dos irmãos;
já vêm nomeadas do alto; nesse particular, pois, o principal cuidado deve
consistir em conhecer os que são aptos para fazer um trabalho especial, e logo
que se chegar a conhecê-los, em procurar que eles ocupem o lugar para que vieram
entre nós, e enquanto não houver motivo em contrário, devem eles permanecer no
seu posto; porque, de outro modo, corre-se o risco de perder a verdadeira lógica
espirita e cair-se-á em graves erros.
Não
nos cansaremos de repetir: nos centros onde reine o amor e a adoração ao Pai em espírito e em verdade, a admiração, respeito e
amor ao Senhor, a indulgência, a caridade e a humildade não faltarão, assim
como a paz e harmonia entre os irmãos; sua vida deslizará mais tranquila e seus
membros sentirão gozo na alma, porque muitas vezes receberão a influência de
bons espíritos, e, assim, farão grande progresso ,e acharão no mundo espiritual
recompensa maior do que se pode calcular.
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