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’Guia Prático
do Espírita’
por Miguel Vives y Vives
3ª Edição
Livraria Editora da Federação
Espírita Brasileira
1926
O QUE DEVE SER O ESPÍRITA ANTE O SENHOR E
MESTRE
Para
alcançar a grande moralidade de que necessita para cumprir bem a sua missão,
obter a paz na Terra e alcançar a felicidade no espaço, deve todo o espírita
cumprir a lei divina. Onde está esta lei? No Evangelho proclamado pelo Senhor;
o espírita deve, portanto, sabê-lo de memória na sua parte moral, si for possível;
porque, como aplicará a lei, se a não conhece? O espírita deve gravar em seu íntimo
a grande figura do Senhor. Deve ter-lhe respeito e gratidão, não esquecendo que
só por Ele se vai ao Pai; assim, para o espírita, o Evangelho não deve ser
letra morta, mas a lei moral vigente, de todos os tempos e de todas as idades;
porque a lei proclamada pelo Grande Mestre na sua parte moral não sofrerá
modificação, e do cumprimento dela dependem o nosso progresso moral, a nossa
paz, a nossa felicidade na terra e no espaço.
Temos
o costume muito generalizado de entregar ao esquecimento o que mais nos
interessa. As palavras do Senhor quase que o mundo as sabe de memória;
esquece-as, porém, a miúdo; sabe-se que o Senhor disse que devíamos
nos amar como irmãos, e, por pouco instruído que seja o homem, sabe que o Senhor disse
também que devíamos amar aos nossos inimigos, bendizer aos que nos maldizem, orar
pelos que nos ultrajam e perseguem e pagar o mal com o bem. A humanidade sabe
todas estas coisas; cumpre-as? Não. Qual tem sido o resultado da falta de
cumprimento destes mandamentos? As guerras, as dissensões, as infâmias, e
tantos e tantos males, o que é muito difícil calcular. Concede-se que os homens
tenham esquecido esses mandamentos, por ignorância; mas nisso mesmo está o seu
atraso;
nós, porém, os espíritas, temos cumprido estes mandamentos?
Não; salvo algumas exceções, em geral o cumprimento destes ensinamentos tem sido
letra morta, talvez porque não saibamos o que nos aguarda e a responsabilidade
que recai sobre nós pela falta de cumprimento destes mandamentos. Vem o Espiritismo
para derrogar ou para cumprir a lei do Senhor? Não vem derrogá-la, mas cumpri-la.
Então, porque vivemos tão fora dos mandamentos e dos ensinamentos do Senhor e
Mestre? Porque os preceitos: - amarás o
teu inimigo, devolverás o bem pelo mal, orarás pelos que te ultrajam e te
perseguem, não são práticas muito arraigadas entre os espíritas, está
provado, a todas as luzes. Consulte cada espírita sua vida pública e
particular, e verá quantas vezes deixou sem cumprimento estes ensinamentos;
consulte cada espírita a sua consciência, e verá o que se passa com a sua família
ou com as suas relações sociais, ou ainda dentro dos centros espiritas, e verá
que se ele, prescindindo dos demais, tivesse sido fiel a esses mandamentos,
tanto na família como na sociedade e ainda nos centros espiritas, teria quiçá
evitado desgostos, atritos, dissensões e outras coisas que não convém citar.
Muitas vezes não é por má fé, mas por falta de estarmos apercebidos; uma coisa
trouxe outra e caiu-se em falta. Como já disse no capítulo anterior, devemos
estar apercebidos e ter a lei divina sempre presente em toda a ocasião na nossa
existência planetária.
É
verdade que deve haver muitas exceções entre os espíritas, e nem todos terão de que se acusar; mas será muito maior o número
daqueles a quem haja sucedido o que deixo dito.
É
até certo ponto perdoável que a humanidade tenha deixado de cumprir o que o
Senhor manda no seu Evangelho, apesar de que o seu juízo não a exime da
responsabilidade que contrai; mas que os espíritas, em sua maioria,
se esforcem tão pouco pelo cumprimento da lei divina proclamada pelo Senhor, é falta
grave, que, se não se procurar remediar entre os espíritas, levará ao nosso seio muitas
perturbações e será causa de novas expiações.
Não
foi em vão que o Pai nos enviou o espírito maior que veio à Terra.
Não
foi em vão que esse elevadíssimo espírito veio ser ultrajado, martirizado e
cravado na cruz, depois de haver provado a sua missão com
os seus atos e a sua doutrina. Não foi em vão que Allan Kardec e os espíritos
de luz no-lo apontaram como modelo. Ele é o caminho, a verdade e a vida; fora
dos seus ensinamentos não há salvação possível.
Por
isso, compreendendo Allan Kardec a importância do Evangelho, esclareceu algumas palavras e conceitos para que estivessem ao alcance
de todas as inteligências, e nesses esclarecimentos tomaram parte muito direta
elevados espíritos, ditando comunicações que, pela sua ordem moral, chegam à alma. Daí resulta
que, se nós, espíritas, omitirmos tais ensinamentos e desta indiferença resultar falta de
perfeição moral entre nós, não poderemos culpar a ninguém, senão à nossa indolência, à nossa
falta de gratidão e a falta de reconhecimento a um fato tão culminante como é a
vinda do Senhor à Terra, à sua lei, à sua abnegação, ao seu sacrifício e ao seu
amor para com seus irmãos. Se a nossa indiferença é tanta que mal recordamos a lei proclamada e selada
com sangue no Calvário, que esperamos alcançar? que fará o espírita que esquece a lei? Em
que fonte beberá? Onde encontrará os consolos de que necessita para sofrer os embates da
vida? Quem lhe acudirá quando se encontrar no mais agudo das suas provas? Quem lhe
servirá de modelo? Está demonstrado até a evidência que, se o Senhor veio à Terra, foi
para nos servir de guia, e quem O seguir não se perderá no caminho da existência terrena,
porque Ele é o caminho, a verdade e a vida.
Por
isso todo o espírita deve ser admirador do Mestre; deve estuda-lo nas suas
palavras,na sua moral, na sua lei, nos seus sacrifícios, na
sua abnegação, no seu amor, na sua prudência e, sobretudo, na sua elevadíssima
missão, visto como esta tem dois pontos essenciais que são de importância
capital no curso da nossa existência terrena.
Disse
que era necessário conhecer a lei divina para cumpri-la; é a primeira coisa em que se deve firmar o espirito para seguir o caminho
da justiça e do amor; porém há na missão do Senhor outro objetivo de capital
interesse para o bem do nosso espirito, e é o consolo, a resignação e a paciência que nos pode
inspirar o seu sacrifício.
Todos
estamos na terra para sofrer provações e muita expiação. Passam-se às vezes anos de prova leve, de expiação suportável; quando
a prova é, porém, daquelas que aniquilam o espirito e a expiação é tão dolorosa
que mal se pode sofrer, então é de grande utilidade recordar, não só os
mandamentos, mas ainda os sofrimentos e a resignação do Senhor. Então devemos
recordá-lo quando perante o tribunal dos escribas e fariseus; devemos recordá-lo
quando na prisão; quando o coroavam de espinhos; quando, atado à coluna, o açoitavam;
devemos recordá-lo quando levava a cruz às costas; quando nu, se vê só no Calvário;
quando o estendem sobre a cruz, lhe cravam pés e mãos; quando é levantado na
cruz, desfigurado, ensanguentado, e no meio de tanta aflição dá mostras não somente
de uma resignação e calma superiores a toda a ponderação, mas também de que ama
e perdoa, como se houvera sido tratado com a maior consideração e respeito. A
recordação de tão grandes sucessos nos induzirá à resignação, a sofrer as
grandes dores sem nos queixarmos, a sofrer as grandes provas com ânimo sereno;
isso fará com que obremos como espíritas e não só podemos tirar proveito
recordando o passado, como ainda se à recordação unirmos o amor ao Senhor, a
admiração e a súplica; se tanto nos identificarmos com Ele, poderemos receber
grande proteção do alto e até a sua própria influência. Porque não? Não acolheu
Ele os cegos, os paralíticos e os leprosos?
Não
conhecemos exemplos de que durante os séculos passados muitos foram os seres
protegidos por Ele, como os apóstolos e os mártires do cristianismo? Teresa de Ávila,
Joana da Cruz, Pedro de Alcântara e outros muitos tiveram a incomparável
felicidade de falar com Ele, puderam vê-lo e receber suas instruções e
consolos; e credes, porventura, que esse elevadíssimo espírito nos abandonou e
é indiferente às nossas suplicas e às nossas lágrimas?
Credes que Ele, no meio da sua glória, só se ocupa
de passar o tempo gozando da sua bem aventurança, deixando de praticar a sacrossanta
caridade, que tanto praticou, enquanto esteve aqui? Credes que Ele só se ocupará de morar
e viver entre espíritos de grande luz e nos deixará abandonados, a nós, que o
amamos, a nós, que pensamos e confiamos nele? Não o creias, meus irmãos; Ele
não abandonará os seres que vivem na terra e o tomam por exemplo. Ele não
abandonará os que confiam nele, como não abandonara os sinceros cristãos de
todas as épocas.
Dirão
alguns no seu Íntimo que aqui não há ninguém digno de merecer tanta pretensão. E por que não? Qual de vós deixaria de visitar um
criminoso arrependido que reclamasse a vossa proteção, que vos pedisse um
conselho, uma palavra de amor, um olhar de carinho? Qual de vós deixaria desatendidas as súplicas de um
enfermo, de um inválido, de um menino que se visse perdido num despovoado? Qual de vós
negaria dar a mão ao que cai, ao desfalecido, ao moribundo? Qual de vós negaria um
pedaço de pão ao que morre de fome, ou um copo de água ao que morre de sede, e
não arrombaria uma janela para proporcionar ar ao que se asfixia? Pois si nós,
sendo maus, não sabemos nem podemos negar a proteção ao criminoso arrependido,
ao enfermo, ao moribundo, ao menino que se extraviou, à mãe que chora
desconsolada a perda do seu filho; se não negamos o pão nem a água, nem o auxílio
aos que necessitam, como quereis que o Bom, o Grande, o que tudo fez por amor e
abnegação, o que disse: deixai vir a mim as criancinhas, que delas é o reino de
Deus, o que deu saúde aos enfermos, paz aos corações aflitos, o que veio sofrer
tanto para nos dar o exemplo; digo, como quereis que não ouça vossas súplicas e deixe
de atende-las, quando estas saem de almas arrependidas e que clamam misericórdia e
proteção, se Ele é o amor e a caridade mais pura que existiu no nosso planeta? Que somos
nós senão criminosos arrependidos, mulheres extraviadas e voltadas como ovelhas
ao redil, enfermos de corpo e espirito, crianças perdidas que no deserto da
vida clamamos: Senhor, Senhor, apiedai-vos de nós, que sucumbimos! Ah, meus
irmãos! Não o duvideis; o Senhor ama a humanidade terrestre, quer que ela
trabalhe com anhelo (desejo, anseio, vontade, esperança) pelo seu progresso e protege os que o chamam com sinceridade; temos exemplos do que afirmamos e poderá tê-los
todo aquele que seguir as veredas do Senhor e, amando-O, cumpra a sua lei.
Entendemos,
por isso, que o espírita deve amar o Senhor, deve admirá-lo e segui-lo até onde possa, na sua lei e nos seus exemplos, e assim
evitará quedas que podem ser muito graves e que lhe podem trazer a tribulação nesta
vida e o sofrimento no espaço.
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