Justiça
Indefectível
Um dos argumentos mais comuns de que
lançam mão os defensores da impunidade consciencial, expressa-se na afirmação
de que inúmeras pessoas existem, de vida pecaminosa e próspera, que,
firmando-se na consagração do mal, jamais se sentiram espicaçadas pelo guante
do remorso, findando os seus dias terrenos na robusta certeza de que souberam
aproveitar com inteligência todos os recursos que a chance lhes pôs ao alcance
na experiência humana.
Assertiva aparentemente bem fundada,
não resiste, todavia, ao mais leve exame, desde que feito com serenidade de
espírito e isenção de ânimo.
De fato, basta recordar-se o antigo
provérbio popular - as aparências enganam
- para que a fictícia solidez daquela afirmativa se desestruture e desmorone.
É que ninguém pode, pela simples
apresentação exterior e convencional das figuras tomadas para exemplo,
aquilatar da intimidade dos seus sentimentos ocultos ou do estado real da sua
consciência.
Quem nos diz dos trágicos temores e
dos pressentimentos sombrios que assaltam, muita vez, almas de generais,
enfestoados nos uniformes garbosos, nas horas decisivas das batalhas?
Entretanto, quem os vê, impávidos,
imponentes, olhar firme, atitude de comando, não guarda a menor dúvida a
respeito da sua bravura serena e confiante...
O homem sempre foi de habilidosa
genialidade no campo das convenções. Sabe, com os mil
artifícios da sua inteligência, a serviço do próprio egoísmo, orgulhoso e
exigente, mudar o aspecto
dos fatos e das coisas, construindo fantasiosos cenários, nos quais esconde
sempre a dor
e a miséria que se demoram guardadas no imo do coração...
O caso é que, assim como a beleza ou
a preciosidade de uma gaiola não operam o milagre de fazer feliz o pássaro
cativo, que anseia pela liberdade do imenso azul, também as aparências de
felicidade, os aparatos da honra, as lantejoulas da glória falsa, não conseguem
restituir ao espírito culpado a bênção da paz interior, arrebatada pelo furacão
voraz dos atos criminosos.
Fundamente se engana aquele que
busca ver nos brilhos aparatosos das exibições exteriores o reflexo sublimado
das resplendências divinas da alma edificada.
Verdade é que, não obstante esse
fato, verifica-se, por parte desses muito obstinadamente inconversos, um apego
extraordinário às suas gloríolas de latão, que, não poucas vezes, alardeiam, no
estandarteamento do seu orgulho.
Isso, porém, longe de indicar
tranquilidade de espírito, atesta sôfrego desespero da alma, que se apega,
insofridamente, a tudo quanto possa distrair-lhe o senso interior, à maneira de
um doente que sobrecarrega de ópio o organismo enfermiço, a fim de amortecer,
os lanceamentos da dor que o dilacera.
O homem não pode fugir à lei divina
nem iludir a voz da consciência, porque a lei e a consciência
o seguirão a cada passo, aonde ele for. O que ele pode fazer é iludir aqueles
que, desprevenidos
da verdade, se deixam impressionar pelas Armaduras fulgurosas, que ocultam, quase
sempre, franzinos esqueletos, Chocalhantes e mofinos.
As reuniões mediúnicas de caridade
oferecem todos os dias o espetáculo tristonho e extravagante do estertorar de
inumeráveis ilusões desse jaez, que se rasgam, dolorosamente, aos dedos da
realidade.
Então, despertados do tremendo e
sombrio pesadelo que viveram, os pobres lamentam os esforços inúteis e o tempo
gasto na faina ingrata de fugir à verdade, caindo nos braços hercúleos da
Justiça.
Fontes
de Luz
Reformador (FEB) Fevereiro 1948
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