Simbolismos
O homem, de todas as idades, tem, em
geral, acentuada predileção pelos distintivos e até por amuletos, isto é,
medalhinhas, etc.
Funda-se uma sociedade literária,
recreativa, religiosa ou desportiva, e a preocupação primária de todos é a de
saber quais as cores que hão de prevalecer na expressividade dos seus
distintivos.
No vocábulo grego sumbolon, cujo significado é sinal,
marca distintiva, emblema, reunião de coisas, vai o nosso símbolo encontrar a
sua origem. Os cristãos usaram-no como meio de se reconhecerem. Rolam os anos
na ampulheta do Tempo, o Cristianismo perde aquela beleza simples de seus primórdios,
surge a Igreja, e com ela a literatura eclesiástica se enriquece de simbolismos.
Teríamos de ultrapassar, em muito, os limites de um simples artigo,
se pretendêssemos, ainda mesmo que resumidamente, exumar das páginas da
História tudo o que nelas está registado no tocante aos símbolos usados pelos
povos, desde as mais recuadas eras.
A escola neoplatônica de Alexandria,
por exemplo, nos mostra, à saciedade, que as figuras da mitologia
greco-romanas, tais como Saturno, Júpiter, Marte, Minerva e Vênus,
simbolizavam, de maneira clara e inteligente, os atributos e as manifestações
da divindade.
Um escritor patrício declarou ser o
símbolo a carne do pensamento, e daí o dizermos que simbolizar é a ação de
carnificar o pensamento humano. O espírita, para ser coerente com os seus
princípios, não pode concordar que a Terceira Revelação se deixe seduzir pelo
simbolismo, tão do agrado das várias correntes religiosas. Isso, de modo algum
impede a que todos nós espiritistas admiremos as obras artísticas,
simbolizadoras das coisas espirituais, porque "o artista verdadeiro - no
dizer de Emmanuel - é sempre médium das belezas eternas e o seu trabalho, em
todos os tempos, foi tanger as cordas mais vibráteis do sentimento humano,
alçando-o da Terra para o Infinito".
O homem, no entanto, traz, de
existências outras, pendores de que dificilmente se libertará, e um desses é, sem
dúvida, o do simbolismo.
De maneira que não deve ser motivo
de admiração que, de quando em quando, aqui, ali ou acolá, essa questão volte a
ser ventilada e até levada, pelos mais teimosos, como tese à discussão de
congressos espiritistas.
Manda a verdade que se diga, no
entanto, ser minoritária a percentagem dos que ainda anseiam pelo uso dos
símbolos por parte do Espiritismo.
Não é o hábito que faz o monge,
proclama velho adágio, não são os uniformes para corpos que caracterizam os
noviços ou os já experimentados da nossa doutrina, mas, sim, o uniforme do
espírito, que é o seu comportamento individual ou coletivo no lar, na
sociedade, tudo em concordância plena com os princípios universalistas da moral
evangélica.
O Espiritismo que, além de ser
ciência, é filosofia e religião, abastardar-se-ia na hora em que aceitasse algo
que, de certo modo, ferisse a supremacia do espírito.
É mais fácil, bem o sabemos, usar-se
um distintivo de espírita do que sê-lo pelas atitudes morais, pelos sentimentos
de fraternidade!
Machado de Assis, em uma de suas
crônicas domingueiras, insertas em Gazeta de Notícias, desta Capital, lá pelo
ano de 1900, nos dá conta de um leilão, a que assistiu, de objetos empenhados e
não resgatados, de cuja crônica extraímos este trecho:
"Havia lá broches, relógios, pulseiras, anéis, botões, o
repertório do costume. Havia também um livro de missa,
elegante e escrupulosamente dito para missa, a fim de evitar confusão de
sentido. Valha-me Deus! até nos leilões persegue-me a gramática. Era de tartaruga,
guarnecido de prata. Quer dizer que, além do valor espiritual, tinha aquele que
propriamente o levou ao prego, Foi uma mulher que recorreu a esse modo de obter
dinheiro. Abriu mão da salvação da alma, para salvar o corpo, a menos que não
tivesse decorado as orações, antes de vender o
manual dela, Pobre desconhecida! Mas também (e é aqui que eu vejo o dedo de
Deus), mas também quem é que lhe mandou comprar um livro de tartaruga com
ornamentações de prata? Deus não pede tanto; bastava uma encadernação simples e
forte, que durasse, e feia para não tentar a ninguém. Deus veria a beleza
dela."
Admitisse o Espiritismo o uso de
símbolos e quejando e muitos confrades, talvez por falsa compreensão das
coisas, julgassem que a manifestação mais positiva e cabal deles testemunharem
a sua fé perante a sociedade seria a de ostentarem tais símbolos em ouro ou
prata, cravejados de diamantes ou de outras pedras preciosas.
E, chi lo sa, como dizem os italianos, amanhã iríamos encontrá-los
entre os objetos levados a leilões de penhores! É provável que alguém
contraponha que, se tal coisa ocorresse, seria, antes de mais nada, uma
excelente oportunidade para que o Espiritismo mais conhecido se tornasse.
E já que estamos lembrando fatos
passados, não será fora de propósito desencavarmos este curioso episódio
verificado aqui no Rio, em Fevereiro de 1896. Este episódio foi o da fundação
de uma sociedade carnavalesca, denominada, "Nossa Senhora da
Conceição", naturalmente porque seus idealizadores eram devotos fervorosos
da Virgem. Na sua ignorância,
jamais julgaram esses adoradores de Momo que tal lembrança pudesse ser tida
como desrespeitosa à Senhora da Conceição. Seus propósitos, sem dúvida alguma,
eram os de evidenciar que a tinham em tão alta conta, que a sua fé na doce
Virgem Maria era tão robusta, que mesmo nos momentos de intensa e louca
alegria, eles não na podiam esquecer.
O fato, porém, é que a sociedade foi
impedida de sair à rua com seus carros alegóricos, num dos quais estaria, com
todas as honras, a imagem da Virgem!
Já dizia o padre Antônio Vieira: - "a imagem do Cristo que está na igreja, é imagem morta, que não
padece: as imagens do Cristo, que são os pobres, são imagens que padecem."
Os espíritas precisam preocupar-se
com as coisas que têm vida eterna, que os acompanharão em sua viagem para o
Além, e deixarem essas ridicularias materiais que só servem para obumbrar o
espírito.
Saia vitoriosa, um dia, a malfadada ideia
dos símbolos espíritas e, logo após, seguir-se-á a equiparação de Kardec aos
santos do florilégio católico; passará a ser uma espécie de Nosso Senhor do
Espiritismo!
Mais espiritualidade e menos
mundanismo.
Mais amor à simplicidade esplendente
da doutrina kardeciana e menos espírito de imitação aos usos e práticas de
religiões já prestes a entoarem o cântico do Requiescat in pace!
por Jorge Roberto
Reformador (FEB) Setembro 1948
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