Dai
de Graça
por Juvenil
Silva
Numa das nossas habituais
peregrinações pelas consoladoras páginas
dos Evangelhos, deparamos com este precioso e oportuno trecho:
"Enquanto íamos
ao lugar da oração, veio-nos ao encontro uma jovem que tinha um Espírito
adivinhador, a qual com as suas adivinhações dava muito lucro aos amos.
Ela,
seguindo a Paulo e a nós, clamava: Estes homens são servos de Deus Altíssimo,
que vos anunciam o caminho da salvação.
E
fazia isto por muitos dias. Mas Paulo, enfadado, virou-se para ela e disse ao
Espírito:. Eu te ordeno em nome de Jesus Cristo que saias dela; e na mesma hora
saiu.
Vendo
os seus amos que se lhes havia acabado a esperança do lucro, pegaram em Paulo e
Silas e arrastaram-nos para a praça à presença das autoridades." (Atos, XVI; v. 16,
17, 18, 19)
Assim, Paulo não só rejeitou o que
lhe poderia parecer uma ajuda formal, pois a mulher em
questão não cessava de clamar que ele e seu círculo se achavam na graça de
Deus, e, portanto,
no caminho da salvação, como ainda a puniu com a perda da mediunidade, da qual
tão mau uso fizera, desde que visava sempre "dar muito lucro aos seus
amos".
Isso se passou há dois mil anos.
Hoje as coisas não são muito diferentes.
Essa narrativa dos Atos dos
Apóstolos, aplicada ao que observamos no domínio da religiosidade
contemporânea, leva-nos a condenar, igualmente, certa categoria de médiuns
interesseiros que, apesar de trazerem sempre nos lábios os nomes de Deus e do
Cristo, são, entretanto, incapazes de dar um passo em prol de seus semelhantes,
sem prévio ajuste de preço. Sabemos, felizmente, não ser grande o número dos
que assim procedem, negando dar de graça os benefícios de uma faculdade que
lhes é concedida sem quaisquer ônus. Esses estão acumulando dívidas que terão
necessariamente de resgatar.
Mas, onde o gesto de Paulo vem
atingir em cheio - como um dardo que tivesse trespassado o centro do alvo - é o
que se refere a certa Igreja, dita cristã, mas para a qual as chagas
do Cristo são apenas a expressão do que elas possam representar como fonte de
renda para aumentar os seus incalculáveis tesouros. Dizendo-se guardiã da
civilização ocidental, está
hoje reduzida ao que conhecemos como Jesuitismo ocidental, isso em virtude da
analogia do
seu procedimento com o da mulher da cidade macedônica de Felipe, a que nos
referimos. Dizendo-se únicos depositários da vontade de Deus, e traço de união
entre os homens e a Divindade, esses fariseus modernos não batizam, não
confessam, não casam e não absolvem por
meio das suas preces, sem antes ajustarem, com rigores de detalhes, os preços
de tais "benefícios".
Contra esses abusos e ludíbrios da
boa fé devemos estar precavidos, sobre eles esclarecendo os que de
esclarecimentos necessitem.
Reformador (FEB) Novembro 1946
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