quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Dai de Graça



Dai
de Graça
por Juvenil Silva

            Numa das nossas habituais peregrinações  pelas consoladoras páginas dos Evangelhos, deparamos com este precioso e oportuno trecho:

            "Enquanto íamos ao lugar da oração, veio-nos ao encontro uma jovem que tinha um Espírito adivinhador, a qual com as suas adivinhações dava muito lucro aos amos.
            Ela, seguindo a Paulo e a nós, clamava: Estes homens são servos de Deus Altíssimo, que vos anunciam o caminho da salvação.
            E fazia isto por muitos dias. Mas Paulo, enfadado, virou-se para ela e disse ao Espírito:. Eu te ordeno em nome de Jesus Cristo que saias dela; e na mesma hora saiu.          
            Vendo os seus amos que se lhes havia acabado a esperança do lucro, pegaram em Paulo e Silas e arrastaram-nos para a praça à presença das autoridades." (Atos, XVI; v. 16, 17, 18, 19)

            Assim, Paulo não só rejeitou o que lhe poderia parecer uma ajuda formal, pois a mulher em questão não cessava de clamar que ele e seu círculo se achavam na graça de Deus, e, portanto, no caminho da salvação, como ainda a puniu com a perda da mediunidade, da qual tão mau uso fizera, desde que visava sempre "dar muito lucro aos seus amos".

            Isso se passou há dois mil anos. Hoje as coisas não são muito diferentes.      

            Essa narrativa dos Atos dos Apóstolos, aplicada ao que observamos no domínio da religiosidade contemporânea, leva-nos a condenar, igualmente, certa categoria de médiuns interesseiros que, apesar de trazerem sempre nos lábios os nomes de Deus e do Cristo, são, entretanto, incapazes de dar um passo em prol de seus semelhantes, sem prévio ajuste de preço. Sabemos, felizmente, não ser grande o número dos que assim procedem, negando dar de graça os benefícios de uma faculdade que lhes é concedida sem quaisquer ônus. Esses estão acumulando dívidas que terão necessariamente de resgatar.

            Mas, onde o gesto de Paulo vem atingir em cheio - como um dardo que tivesse trespassado o centro do alvo - é o que se refere a certa Igreja, dita cristã, mas para a qual as chagas do Cristo são apenas a expressão do que elas possam representar como fonte de renda para aumentar os seus incalculáveis tesouros. Dizendo-se guardiã da civilização ocidental, está hoje reduzida ao que conhecemos como Jesuitismo ocidental, isso em virtude da analogia do seu procedimento com o da mulher da cidade macedônica de Felipe, a que nos referimos. Dizendo-se únicos depositários da vontade de Deus, e traço de união entre os homens e a Divindade, esses fariseus modernos não batizam, não confessam, não casam e não absolvem por meio das suas preces, sem antes ajustarem, com rigores de detalhes, os preços de tais "benefícios".

            Contra esses abusos e ludíbrios da boa fé devemos estar precavidos, sobre eles esclarecendo os que de esclarecimentos necessitem.

Reformador (FEB) Novembro 1946



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