A Surpresa do Crente
Reformador (FEB)
Out 1946
Irmão X
por Chico
Xavier
O devoto, feliz, experimentava a doce
comoção do espetáculo celeste. Mais que a perspectiva do plano divino, porém,
via, extasiado, o Senhor à frente dele.
Chorava, ébrio de júbilo. Sim, era o Mestre que se
erguia, ali, inundando lhe o espírito de
alegria e de luz.
Sentia-se compensado de todos os
tormentos da vida humana. Esquecera espinhos e pedras, dificuldades e dores.
Não vivia, agora, o instante supremo
da realização? não esperara, impacientemente, aquele minuto divino? suspirara,
muitos anos, por repousar na bem-aventurança. Recolhera-se em si próprio, no
mundo, aguardando aquela hora de imortalidade e beleza. Fugira aos homens,
renunciara aos mais singelos prazeres, distanciara-se das contradições da
existência terrestre, afastara-se de todos os companheiros de humanidade, que
se mantinham possuídos pela ilusão ou pelo mal. Assombrado com as perturbações
sociais de seu tempo e receoso de complicar-se, no domínio das
responsabilidades, asilara-se no místico santuário da adoração e aguardara o
Senhor que resplandecia glorificado, ali, diante dos seus olhos.
Jesus aproximou-se e saudou-o.
Oh! semelhante manifestação de
carinho embriagava-o de ventura. Sentia-se mais poderoso e mais feliz que todos
os príncipes do mundo, reunidos! ...
O Divino Mestre sorriu e
perguntou-lhe:
- Dize-me, discípulo querido, onde
puseste os ensinamentos que te dei?
O crente levou a destra ao tórax
opresso de alegria e respondeu:
- No coração.
- Onde guardaste - tornou o Amigo
Sublime - minhas continuadas bênçãos de paz e misericórdia?
- No coração - retrucou o interpelado.
- E as luzes que acendi, em torno de
teus passos?
- Tenho-as no coração - repetiu o
devoto, possuído de intenso júbilo.
O Mestre silenciou por instantes e
indagou, novamente:
- E os dons que te ministrei?
- Permanecem comigo - informou o
aprendiz - no recôndito da alma.
Interrompeu-se o Cristo e, depois de
longo intervalo, inquiriu, ainda:
- Escuta! onde arquivaste a fé, as
dádivas, as oportunidades de santificação, as esperanças e os bens infinitos
que te foram entregues, em meu nome?
Reafirmou o discípulo reverente e
humilde:
- Depositei-os no coração, Senhor!
...
A essa altura, interrompeu-se o
diálogo comovente, Jesus calou-se num véu de melancolia sublime, que lhe
transparecia do rosto.
O devoto perdeu a expressão de
beatitude inicial e, reparando que o Mestre se mantinha em silêncio, indagou:
- Benfeitor Divino, poderei
doravante abrigar-me na paz inalterável de tua graça? já que fiz
o depósito sagrado de tuas bênçãos em meu coração, gozarei o descanso eterno em
teu jardim de infinito amor?
O Mestre moveu tristemente a fronte
e redarguiu:
- Ainda não! o trabalho é a única
ferramenta que pode construir o palácio do repouso legítimo.
Por enquanto, serias aqui um poço admirável e valioso pelo conteúdo mas
incomunicável e Inútil. .. Volta, pois, à Terra! Convive com os bons e os maus...
justos e injustos, ignorantes e sábios, ricos e pobres, distribuindo os bens
que represaste! Regressa, meu amigo, regressa ao mundo de onde vieste e passa
todos os tesouros que guardaste no santuário do coração para a oficina de tuas
mãos! ...
Nesse momento, o devoto em lágrimas
notou que o Senhor se lhe subtraía ao olhar angustiado. Antes, porém, observou
que o Cristo, embora estivesse totalmente nimbado de intensa luz, trazia nas
mãos formosas e compassivas os profundos sinais dos cravos da cruz.
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