domingo, 16 de setembro de 2012

59. "Doutrina e Prática do Espiritismo"




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            O que resulta, em primeiro lugar, de tais depoimentos é que a vida espiritual se caracteriza antes de tudo por uma intensidade de percepções e sensações que na Terra, amortalhado na túnica adormecedora da matéria, o espírito desconhecia. E essa mesma circunstância de se achar despojado do seu pesado invólucro, e revestido apenas do corpo etéreo, eminentemente vibrátil, é, de si mesma suficiente para explicar o fato.

            É verdade que o corpo etéreo, variando de densidade, conforme de espírito a espirito varia identicamente o estado de aperfeiçoamento, que naquele envoltório se reflete, imprimindo-lhe desde a mais enegrecida opacidade até às mais brilhantes cintilações, não é, nem pode ser logicamente, para todos um veículo uniforme de percepções. De todo modo, porém, o que inúmeros depoimentos de espíritos de todas as categorias têm revelado (1) é que tanto os sofrimentos reservados aos culpados como os gozos que desfrutam os seres puros e elevados adquirem um grau de intensidade e revestem prismas de que o homem, na terra, não pode sequer fazer ideia.

            (1) Ver, sobretudo, dentre as obras fundamentais de Allan Kardec, O CÉU E O INFERNO, segunda parte, "Exemplos," em que os mais variados casos, desde os de espíritos felizes aos de endurecidos, são registrados com uma expressão de originalidade e eloquência admiráveis.
           
            É assim que os tormentos descritos pelos rebeldes, as espantosas angústias que os oprimem, a uns, mergulhados em espessas trevas, que lhes produzem uma impressão tanto mais acabrunhadora quanto se lhes afigura dever esse estado se prolongar eternamente; a outros, perseguidos por uma claridade intensa e implacável, reveladora de todos os seus crimes, que , acreditavam sepultados na impunidade e no segredo; estes, assaltados pelos mais furiosos e insaciáveis desejos de que se não despojaram ao abandonar a carne e que constituem, no espaço, a mais insuportável das torturas; aqueles, perseguidos pelo cortejo de suas vítimas, que lhes não deixam um minuto de trégua e esquecimento, verdadeiros ecos exteriorizados de sua própria consciência num clamor incessante de justiça, todos esses tormentos e inúmeros outros, de que, desgraçados seres do invisível têm vindo dar noticia, chegam, a poder de espantosos, a parecer inconcebíveis.

            Inversamente, o que das alegrias serenas, dos êxtases de reconhecimento ao Criador e dos indescritíveis esplendores da vida superior empregada numa atividade fecunda e gloriosa nos comunicam os espíritos felizes é de molde a incutir as mais alentadoras esperanças nos corações humildes.

            Entre essas duas extremas categorias se insere a imensa multidão dos espíritos simplesmente sofredores, em consequência do seu mesmo atraso, não tão culpados, todavia que experimentem as inomináveis torturas dos primeiros, nem suficientemente aprimorados nas virtudes que mereçam fruir as alegrias dos segundos.

            Mas tanto os endurecidos e os sofredores como os espíritos felizes se encontram em tais respectivas situações unicamente em virtude de suas próprias obras, de sua rebeldia, no primeiro caso, às injunções da soberana lei do amor, e nos dois últimos em consequência de sua menor ou maior fidelidade às prescrições da mesma lei.

            Apreciada assim em conjunto e dentro dessa tríplice divisão geral a situação dos espíritos na outra vida, no ponto de vista puramente moral dos sofrimentos que os afligem ou dos gozos que desfrutam, pode se dizer que aí estão perfeitamente representados o inferno, o purgatório e o paraíso de que nos falam as religiões, com uma diferença todavia, e é que, em primeiro lugar, não se trata de determinadas regiões em que estejam perpetua e definitivamente enclausuradas as almas, senão antes de estados de consciência cada uma trazendo consigo, para onde quer que se dirija, o seu inferno ou o seu céu; em segundo lugar que, não sendo eterna a condenação, como o pretendem tais religiões, é sempre possível ao espírito culpado, mediante o arrependimento e resolutos propósitos de emenda, modificar as suas próprias condições e preparar-se para a reparação de suas faltas, em novas existências, o que já constitui uma esperança e um conforto; e, por último que, se há, como evidentemente resulta de todos os aludidos depoimentos de desencarnados, um código penal da vida futura, as punições que inflige e as recompensas que liberaliza não são o resultado de uma vontade caprichosa e arbitrária, senão a aplicação de uma lei equitativa e inflexível, que tanto na consciência dos transgressores como na dos obedientes provoca as reações, dolorosas ou agradáveis, correspondentes à natureza dos atos praticados, buscando em uns promover o seu retorno ao bem, estimulando os outros a perseverar nesse caminho.

            Se, entretanto, inferno, purgatório e paraíso representam, não lugares circunscritos em que, no Além, se encontrem retidos e isolados os espíritos, mas os diferentes estados de consciência em que cada um se reconhece, "conforme as suas obras," não se deve desse fato concluir que lá se achem todos confundidos em um mesmo nível, ou que não haja gradações nas esferas, respectivamente, por eles habitadas.

            Pouco é sem dúvida o que, mediante os depoimentos dos seus habitantes e as visões dos estáticos - iniciados de varia categoria - sabemos acerca da íntima constituição do universo invisível. Conciliando, porém, esses para nós indiretos testemunhos com alguns subsídios da ciência positiva, não será desarrazoado acreditar que a liberdade de ação e translação dos espíritos, regulada por suas próprias condições de inferioridade ou elevação, se acha além disso limitada pelas camadas etéreas, ou fluídicas, acumuladas, por ordem de densidade decrescente, em torno da terra e a partir da sua superfície. Quer isso dizer que os espíritos mais atrasados, em virtude mesmo da grosseria de seu perispírito, permanecerão nas regiões inferiores, mais próximas de nós, aí gravitando como em um circuito fechado, acima do qual não poderão elevar-se enquanto se não modificar o seu estado moral e com ele, pela correspondente modificação do perispírito, a relação de afinidade que os retém; ao passo que, quanto mais adiantado é o espírito, tanto mais longe remontará, às mais puras regiões, que serão também as mais extensas e afastadas da atmosfera terrestre. Daí se pode concluir, ampliando e completando as noções anteriores, que não somente o estado moral de cada espírito, elevado ou inferior, determina a sua situação feliz ou desgraçada como um modo de ser interior, subjetivo, mas que, em virtude do grau que ocupa na hierarquia espiritual, a esfera em que se move é, temporariamente ao menos, limitada, de sorte que a esfera inferior é habitada pelos espíritos com ela compatíveis, enquanto as regiões longínquas são o viveiro dos espíritos celestes.

            Perpetuamente separados entre si? - De modo algum, pois que ao contrário a mais íntima solidariedade os vincula, com a circunstância apenas de que, se os inferiores só podem atuar na sua esfera e abaixo dela, com os superiores a mesma possibilidade se verifica, mas, evidentemente, numa extensão tanto maior quanto mais elevado é o grau que ocupam na escala hierárquica dos seres. Por outros termos e mais claramente: os espíritos grosseiros e atrasados, habitantes da atmosfera mais próxima da terra, atuam sobre os seus iguais e, em larga escala, sobre os homens, nada podendo sobre os espíritos que lhes são imediatamente superiores; estes não somente operam entre si, mas têm poder sobre os inferiores e os homens; outros mais adiantados dilatam a sua capacidade de ação sobre todas essas categorias e se acham, por sua vez, subordinados aos mais elevados que eles e assim sucessivamente, até aos espíritos de extrema pureza e perfeição moral, nos quais aquela palavra de Jesus, "Eu e o Pai somos um," encontra a sua perfeita realização.

            A cada uma dessas mais altas categorias de espíritos corresponderá determinada esfera, ou terão eles por campo de ação o infinito, sem embargo de missões particulares que, em relação a certos mundos, de que se tenham constituído guias, desempenhem? - Seria levar demasiado longe a indagação. O que nos propomos, por enquanto, investigar é a situação dos espíritos que se podem considerar terrestres, isto é, pertencentes a nossa humanidade, os quais, tendo aqui realizado ou realizando ainda a sua evolução, partem da Terra levando consigo, tal seja o grau de atraso ou de adiantamento em que se encontrem, o seu inferno, o seu purgatório ou o seu céu e, no mundo espiritual, são não somente classificados na ordem de seus respectivos méritos, senão também mais ou menos localizados em regiões correspondentes, permanecendo restringidos em sua liberdade de ação e translação os mais atrasados, e podendo os mais elevados penetrar, por uma sorte de irradiação, em todas as regiões que lhes estão subordinadas, sempre com o fim de auxiliar os imperfeitos no progresso.

            Dizíamos, porém, que alguns subsídios da ciência permitem estabelecer sobre bases de probabilidade pelo menos, dissipando a increpação de fantasia, que lhe pudesse acaso ser oposta, a aludida superposição de camadas etéreas, por ordem de densidade decrescente, em torno da Terra e a partir de sua superfície.

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