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VII - A existência
alternada do espírito: a vigília e o sono. Os sonhos. Porque não devemos temer
a morte. Causas do temor da morte. A hora solene. A transfiguração pela desencarnação.
Magnitude do plano espiritual. O culto dos mortos.
O corpo é verdadeiramente o ergástulo
do espirito. À semelhança, todavia, do pássaro domesticado que, a poder do hábito,
renuncia o instinto de liberdade e termina por conservar-se voluntariamente
preso, de tal modo aquele altivo prisioneiro chega, pela continuidade, a
identificar-se com a cela que o retém cativo, que o horroriza a ideia de a
abandonar definitivamente um dia, sob o império da ânsia insopitável de viver e
não sabendo, na sua ignorância distinguir o eu real, imperecível, do transitório
invólucro que habita, o homem, se o pudesse, ou se não encontrasse no sono, de
par com a imperiosa necessidade do
repouso, uma voluptuosa sensação, não abandonaria de bom grado, um só momento,
o corpo.
Seduzido pela miragem dos sentidos e
tornando como realidade o que não passa de ilusão, agradar-lhe-ia viver em
permanente estado de vigília, não tanto para saborear as alegrias do trabalho,
que só uma abstrusa teologia pode fazer encarar como aviltante punição, quando
é de fato a abençoada lei por excelência do universo vivo, mas para se entregar
às enervantes delícias da ociosidade, repartida entre a curiosidade e o prazer
. Mercê, porém, do aguilhão
da necessidade, tanto mais multiplicada e exigente em seus desdobramentos quão
mais se adianta em civilização, não tem remédio o homem senão cada vez mais
intensificar a sua atividade, subdividindo-a entre os cuidados, que a sua própria
conservação exige, e os encargos e deveres inerentes ao viver terrestre.
Daí o labor de todos os dias, assim
nos tumultuários centros populosos como nas pacíficas aldeias labor salutaríssimo,
em que, desde os chefes de Estado aos mais obscuros cidadãos, das altas mentalidades
absorvidas na solução dos remontados problemas da ciência e da filosofia, que
outros utilizam nos domínios da arte, do comércio e das indústrias, aos rudes
cavouqueiros e à humilde mulher do povo, buscando cada um atender a seus próprios
gostos e necessidades, o que realmente fazem todos é desenvolver e aperfeiçoar
as energias e aptidões do espírito, fatalmente submetido às exigências do
progresso.
Agradável para uns, penoso para quase
todos, esse labor quotidiano, que é sinal de vida, destruiria contudo rapidamente
a própria vida, se não fora alternado com o periódico
repouso. O dispêndio nervoso e, com ele, o simples esforço muscular -
destruição orgânica que são, como ficou anteriormente assinalado - reclamam,
portanto, a reparação correspondente, que não pode ser obtida unicamente pela
ingestão dos alimentos sólidos e líquidos, transformados quimicamente na economia
orgânica em elementos nutritivos, mas só se pode satisfatoriamente efetuar
mediante o sono.
E porque? – Antes de tudo, porque,
ao mesmo passo que determina uma considerável
diminuição da atividade funcional dos órgãos e, portanto, um entorpecimento
favorável à renovação nutrícia, o sono, permitindo o desprendimento ou exteriorização
do espírito, facilita, conforme de passagem aludimos em anterior capitulo, a absorção
dos fluidos sutis disseminados na atmosfera, os quais, penetrando no corpo
astral, são transmitidos ao corpo físico através dos inúmeros filamentos do
cordão perispiritual por que se lhe conserva preso o espírito.
Essa renovação de fluido - fluido
vital, é o termo próprio – periodicamente efetuada, é que faz do sono, que o
permite, o mais reparador dos alimentos. E é por isso que nas enfermidades graves a ausência do sono é
sempre um sintoma alarmante, um elemento desfavorável ao restabelecimento das forças
e ao retorno da saúde. Aumentando constantemente as perdas de fluido vital e
não sendo convenientemente reparadas, artifícios não há que logrem suprir a sua
ausência; o esgotamento total termina, mais que qualquer outra desordem orgânica,
por motivar a desencarnação.
Detenhamo-nos contudo aqui, para
indagar: qual é a causa determinante do sono? Ocasionando a exteriorização e
consequente emancipação temporária do espirito - fenômeno
propício à conservação do corpo, mediante a renovação de suas energias, e ainda
mais favorável às necessidades do espírito, conforme veremos em seguida -
produzir-se-á por si mesmo, automaticamente, como um incidente fisiológico
normal? Será o resultado de um movimento espontâneo e instintivo, posto que
inconsciente, do espírito, buscando evadir as constrições da carne, a que só
por uma aberrativa noção, como tantas outras, peculiar ao estado de vigília,
conserva tanto apego? Ou será, finalmente, produzido pela intervenção de um recôndito
fator, que, sem consultar as preferências e apetites, tantas vezes
desarrazoados, do indivíduo, tem a sua imediata expressão na lei que rege todos
os fenômenos da vida, na
ordem física, tanto como na esfera moral e espiritual?
Se consultarmos as autoridades que
pontificam nos domínios da fisiologia - digamos desde logo - não obteremos uma
satisfatória explicação do sono, a cujo respeito não existe acordo e ainda
menos uniformidade na exposição das teorias.
Assim, para uns tem ele a sua explicação
na hiperemia do cérebro (afluxo excessivo de sangue), ao passo que outros o
atribuíam, inversamente, à anemia, fundando-se tais adversos partidários na
"teoria circulatória," até que modernas observações histológicas
inclinaram a opinião
com melhor sucesso, aparentemente pelo menos, para o mecanismo funcional dos
neurônios, como produtor do sono.
É o que nos informa um autorizado pesquisador,
o doutor Gustave Geley, que à sua qualidade de médico alia o título, para nós
recomendável, de adepto formal do Espiritismo, às incertezas ou deficiências
das teorias científicas, fundadas exclusivamente no materialismo, buscando,
como nesse caso, sobrepor os ensinamentos colhidos numa longa observação dos fenômenos
psicológicos e espíritas.
Cedemos-lhe, por isso, a palavra,
para uma larga e - acreditamos - instrutiva explanação.
"No ponto de vista fisiológico - diz ele (1) - não
consistiu por muito tempo a explicação do sono senão em teorias hipotéticas;
foi só recentemente, graças às pesquisas histológicas, que se chegou por fim a compreende-lo
satisfatoriamente.
(1) Vide L'ÊTRE SUBCONSCIENT, págs. 25 e
segs.
"A tese do Dr. Pupin, O NEURONIO E AS HYPOTHESES
HISTOLÓGlCAS sobre o seu modo de funccionar -THEORlA HISTOLOGlCA DO S0MNO,
apresenta um resumo extremamente claro e completo da questão, das antigas teorias
e das ideias novas:
"As antigas teorias eram tão
numerosas quão incertas e contraditórias. Uma primeira teoria, a teoria circulatória, atribuía o sono a
variações periódicas na circulação sanguínea do cérebro. Unicamente os partidários
dessa opinião não estavam de acordo a cerca dos caracteres de tais variações;
uns, com de Haller, Cabanis, etc., acreditavam na congestão, na hiperemia do cérebro durante o sono;
outros, com Durham, CI. Bernard, Mosso, etc, opinavam pela anemia.
"Uma outra teoria, a teoria química, fazia
depender o sono da diminuição da quantidade de oxigênio do sangue e dos tecidos
(acumulando-se o oxigênio durante o sono e diminuindo no estado de vigília
pelos vários processos de atividade vital).
"Essa teoria, sustentada por
Humboldt, Purkinje, Pettenkofer, etc., foi combatida por Voie, que demonstrou
não haver aumento da quantidade de oxigênio durante o sono.
"Uma última teoria, a teoria tóxica,
atribui finalmente o sono à acumulação de leucomainas produzidas pela atividade
cerebral (Armand Gauthier, Bouchard, etc.).
"As pesquisas histológicas vieram por termo a
essas incertezas explicativas, permitindo uma nova teoria, muito clara e muito
racional, do sono.
"É a seguinte, sempre de acordo com o Dr. Pupin,
essa teoria histológica, baseada nos recentes conhecimentos anatômicos fisiológicos
relativos aos neurônios.
"É sabido que se entende por
neurônio a célula nervosa munida do seu núcleo, de seus prolongamentos
protoplasmáticos e do prolongamento cilindráxilo arborizado .
"Esses prolongamentos ramificados
não se anastomosam (2) com os das células vizinhas, como se julgava outrora; as
relações se operam, não por continuidade,
mas por contiguidade.
(2) As pessoas não versadas na tecnologia
científica explicaremos que anastomosar-se é o mesmo que enfiar-se, embocar um
no outro.
"Cada neurônio constitui uma "individualidade
anatômica fisiológica e histológica, um todo isolado e independente." O sistema
nervoso, em seu conjunto, não é mais que um "agregado de neurônios, sem
soldadura entre si.”
"Ora, no estado de vigília, a atividade
funcional do cérebro seria caracterizada pela mobilidade e distensão dos
prolongamentos ramificados, "dos tentáculos" dos neurônios, que
entram assim em contato de célula a célula. No sono, ao contrário, há retração
e imobilidade desses "tentáculos," que desse modo se isolam, detendo
ou moderando a corrente nervosa.
"Nenhuma dúvida, portanto, é fisiologicamente possível,
a ser verdadeira essa teoria: o sono é essencialmente o repouso dos centros
nervosos. A existência., todavia, de tais movimentos amiboides (1) não é
admitida por todos os histologistas. Alguns dentre eles pensam que os neurônios
estão sempre imóveis e que a transmissão nervosa se produz por uma espécie de
verdadeira descarga.
(1) Movimentos de contração, dilatação,
etc., como os que se supõe produzidos pelos neurônios.
"Mas nessa hipótese ainda o sono
só pode ser concebível como o repouso dos centros nervosos."
E o doutor Geley prossegue:
"Passemos agora à explicação psicológica do sono.
Fazem-na em geral consistir pura e simplesmente nessa noção de repouso do sistema
nervoso.
"O sono - diz Mathias Duval - é
a cessação reparatória, total ou parcial, das funções de relação."
"Para Broussais, o sono não é mais que a cessação
das funções intelectuais ou afetivas. No entender de Preyer, consiste no
desaparecimento periódico da atividade cerebral superior.
"Os fisiologistas, em sua maior
parte, professam semelhante opinião. Entretanto a questão está longe de ser tão
simples.
"Se, no sono, se tratasse
apenas de uma passageira obnubilação da inteligência, a explicação naturalmente
repousaria por completo no fato de uma
diminuição da atividade psíquica, por diminuição de atividade funcional do
cérebro.
"Precisamente, porém - e aí é
que reside a dificuldade - a diminuição da atividade psíquica não é o fenômeno
essencial nem mesmo necessário do sono.
"O repouso do cérebro é principalmente
caracterizado pela obnubilação da vontade
consciente normal, obnubilação que não
impede as outras formas de atividade psíquica ele persistirem ou mesmo de
aumentarem, apesar do sono.
"Sem falar da intensidade
emotiva de certos sonhos, tristes ou alegres, basta considerarmos as
manifestações tão importantes do trabalho subconsciente, para concluir que o
sono não pode ter suficiente explicação
psicológica numa diminuição da atividade funcional do cérebro.
"E, entretanto, a fisiologia
demonstra que o sono é o repouso dos centros nervosos.
"Achamo-nos, portanto, em presença de uma
contradição parcial, que me esforçarei por fazer cessar, na interpretação final
que formularei da subconsciência e de todos os fatos obscuros da psicologia."
Essa interpretação, particularmente,
do sono, que é o objeto de nossa atual cogitação, vem, com efeito, páginas
adiante (2):
(2) Vide ob. cit., cap. IV, nº V , “Interpretação dos
sonos", págs. 118.
"Sabemos - repete o doutor
Geley - que, no ponto de vista fisiológico, o sono é o repouso dos centros
nervosos.
"A contradição entre o repouso
funcional e a possível persistência da atividade psíquica facilmente se
explica, uma vez admitida a coexistência, na consciência pessoal, de uma
subconsciência superior, independente do
atual funcionamento cerebral.
"Não há necessidade de procurar alhures uma teoria
psicológica do sono e dos sonos .
“No sono há, prime iro e antes de
tudo, separação, rutura de colaboração entre o ser subconsciente e o cérebro. A
consciência normal desaparece; o organismo entra em repouso e sua atividade é
reduzida ao mínimo. Os sonhos ordinários, mais ou menos incoerentes, são o
produto automático de uns restos de atividade cerebral, que não é totalmente
abolida senão pela morte.
"Os sonhos coerentes e lógicos, inteligentes,
geniais, são manifestações da subconsciência superior que, longe de ser diminuída
pelo repouso dos centros nervosos, é ao contrário exaltada, posto que sua
atividade seja então mais difícil e irregularmente percebida.
“As operações subconscienciais
poderão chegar clara e imediatamente à consciência, se houver um despertar
brusco, por qualquer motivo. No caso contrário não estão forçosamente perdidas
para o ser consciente; apenas lhe vão chegando pouco a pouco, no estado de
vigília, e muitas vezes se confundem com os produtos do trabalho voluntario.
"O sono tóxico (narcóticos, anestésicos) permite
as mesmas observações gerais. É, todavia, acompanhado não só de diminuição,
como também de perversão das manifestações conscienciaies (embriaguez) .
"Restam os sonos hipnótico e
mediúnico. É o mesmo o mecanismo. São eles essencialmente causados pela
diminuição da atividade funcional do cérebro e obnubilação da vontade consciente.
"Há, porém, mais que nos outros sonos,
exteriorização do ser subconsciente, em variáveis graus, e daí a limpidez de
suas manifestações aparentes."
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