Materializações
Permanentes
O
infinito que nos resta aprender na Terceira Revelação, comparado com o
grãozinho de areia que já adquirimos, deveria engendrar em nós aquela modéstia
profunda a que se refere Pascal com a figura da Esfera da Ciência que cresce
sempre e quanto mais cresce mais toca as raias do desconhecido, revelando ao
cientista sua própria ignorância, tornando-o humilde e pequeno na imensidade de
seu desconhecimento. O espírita deveria ser o homem mais humilde do Universo, e
nunca um convencidinho ridículo como tantas vezes encontramos em nossas rodas.
Allan Kardec tentou expressar essa
verdade ao dizer que o Espiritismo é a
ciência do infinito, na qual ainda não passamos do A B C.
Gustavo Geley, em seu famoso "De l'Inconscient au Conscient",
diz-nos que é tão comum de uma planta e de outros seres vivos partir um broto
que pode ser apartado do tronco e formar outro indivíduo vivo, independente e
perfeito, sem prejuízo do indivíduo primitivo, que não podemos perder a
esperança de um dia nos ser dado cortar o cordão que liga um Espírito
materializado ao seu médium, tornando a materialização um indivíduo
independente, vivo, sem prejuízo do médium que lhe forneceu o material
primitivo para sua formação. Compara ele esse cordão que liga a entidade
materializada ao médium com o cordão umbilical que liga a criança à genitora e
que tem de ser cortado um dia, quando completa a evolução do feto, para que o
novo ser comece sua existência independente.
É uma analogia realmente existente,
lógica, mas que só o futuro nos dirá se poderá ser
praticada; porque, na verdade, enquanto o material do médium se acha formando a
entidade, o médium está grandemente prejudicado em sua economia: falta-lhe toda
a quantidade de matéria que está emprestada. Se privado de toda essa porção de
seu corpo, ele não poderia, pelo menos de pronto, achar-se num estado normal:
estaria profundamente enfermo, em risco de morte. Mas esta consideração não
invalida de todo a hipótese de Geley, porque há pessoas que possuem excesso de
corpo e podem perder 1/3 do seu peso sem prejuízo para a saúde. Assim,
permanece lógica a hipótese: um indivíduo de 80 quilos poderia, sem prejuízo
apreciável, fornecer 20 quilos à formação de um novo corpo, destinado este a
completar-se pelas vias normais e aquele a readquirir o material cedido.
Podemos, com Geley, fantasiar a possibilidade de em 10 minutos, numa cabine
mediúnica, formar-se um corpo de 20 quilos de peso, normal, como o de um menino
de 10 anos de idade.
A esta ousada hipótese de Geley, na
aparência opor-se-ia a convicção de Kardec, de que a
materialização é apenas uma aparência etérea, destinada a desfazer-se
imediatamente, sem consistência real, como se supunha ao tempo de Kardec. Mas
hoje temos que reformar completamente aquele conceito kardeciano, porque um estudo
mais demorado das materializações, nestes setenta anos decorridos, já
demonstrou que a matéria formada não é ilusória, é absolutamente real;
objetiva, e, em certos casos, permanente.
Não só vemos a entidade materializada
e suas vestes sob densa luz. Tocamos-lhe nas mãos,
no rosto, apalpamos as vestes e por vezes recebemos fragmentos dessas vestes,
madeixas de cabelos, coisas materiais que não se desfazem quando a entidade se
desmaterializa. Não só temos relatos já clássicos em nossa literatura, mas
possuímos também confirmação atual, repetida, dessa permanência de partes da
materialização.
Num dos nossos grupos, uma entidade
materializada trazia um véu de um filó ou tule delicadíssimo,
inteiramente desconhecido entre nós. Os assistentes lhe pediram, como
lembrança, pedacinhos daquele lindo véu e foram logo atendidos: o Espírito
materializado, tomando de um dos assistentes uma tesoura que lhe foi
apresentada, cortou para cada um dos presentes um fragmento do véu. Depois
recompôs o véu, como fazia igualmente Katie King, e, finalmente, se
desmaterializou; mas os fragmentos permanecem até hoje com os assistentes e têm
sido examinados por muita gente que conhece a indústria de tecidos. É um tule
finíssimo, de substância inteiramente desconhecida. Não é seda, algodão, lã,
linho, nenhuma das fibras conhecidas na fabricação de tecidos aqui da Terra.
De outra feita o resultado foi
negativo. Outra entidade se nos apresentou com o peito e
os braços cobertos por uma renda de seda bordada, belíssima, macia,
delicadíssima e nos permitiu
a todos examiná-la, apalpá-la à vontade. Dizemos "de seda" pela
semelhança que notamos
com seda, mas não sabemos se era realmente seda. As senhoras presentes pediram à
entidade pedacinhos daquela blusa e interrogaram quem teria uma tesoura. O
autor destas linhas
trazia no bolso uma pequena tesoura e a apresentou ao Espírito que a tomou
decididamente, parecendo-nos que iria atender ao pedido, mas desapareceu na
cabine com a tesoura e sua rica blusa bordada. Vieram à cena outras entidades
materializadas, mas não trouxeram a tesoura nem os fragmentos da renda. Já
quase no fim da reunião, outra entidade nos trouxe a tesoura e disse em tom
pilhérico: "Você correu o risco de ficar sem a tesoura, porque o Raimundo
precisava muito de uma tesourinha como esta!"
Nenhuma explicação nos foi dada por
não haver sido atendido o pedido.
Outra assistente pediu a esta
entidade que lhe escrevesse num bloco de papel o seu nome e alguma coisa como
lembrança. Respondeu: "Vou tentar, Maria, mas a minha materialização está
muito fraca; o Nelson anda muito cansado!"
Todos o vimos, sob a luz vermelha,
de pé, com o lápis e o bloco de papel nas mãos, escrevendo. Escreveu um pouco e
restituiu o bloco e o lápis. Depois da sessão, acesas as luzes, lemos. Com
letra fina, delicada, achavam-se estas palavras: "Ismael, meu coração para
vocês".
Ismael é o nome e deveria ter vindo
no fim, numa linha à parte, mas havia sido formulado o pedido: "Teu nome e
alguma coisa".
Apesar de toda a nossa infinita
ignorância, já sabemos hoje, sem sombra de dúvida, que a materialização não é
uma simples aparência ilusória, etérea, que nos engana os sentidos, como se
supunha há oitenta anos. Não; é literalmente a formação de matéria real,
objetiva e até perdurável, por algum processo que ainda desconhecemos
totalmente de fazer e desfazer o objeto material; talvez o processo seja de
tornar sensível e depois insensível o que exista sempre em forma etérea, no
mundo espiritual, fora da capacidade dos nossos sentidos.
Estas observações da permanência de
coisas materializadas que podem ser conservadas conosco
têm um valor teórico imenso, porque projetam um pouco de luz sobre certos
fenômenos incompreendidos ainda e muito debatidos, como o da permanência do
corpo de Jesus, inanimado, na cruz. O corpo permaneceu, foi sepultado, só
depois desapareceu do sepulcro e reapareceu, vivo como dantes, capaz de tomar
alimentos, de ser apalpado por Tomé.
O pouquíssimo que já sabemos sobre
as materializações pode ajudar-nos a sermos um pouco mais modestos, a não nos
atrevermos a lançar negações levianas sobre o que ainda não entendemos. Nossa
lógica só tem possibilidades de acertar quando possui dados bem conhecidos, de
ciência positiva. Quando se baseia em suposições, em hipóteses não provadas, a
lógica até de um Allan Kardec pode levá-lo a lamentáveis enganos. Se o Mestre
tivesse que escrever hoje "A Gênese", outra seria sua linguagem
quanto à natureza do corpo de Jesus.
por Ismael Gomes Braga
in Reformador (FEB) Fev
1950
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