terça-feira, 31 de julho de 2012

1. 'Amor à Verdade'

Um dos projetos para o 'Cristo Redentor'



1
“Amor à Verdade”
por Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927


‘Não basta o amor da ciência: é preciso também a ciência do Amor’

Falcomer[1]



Aracy,

O que eu sou, devo-o a ti.
Soubeste amoldar os meus sentimentos, alçando-me.
A força de que usaste não tem igual – o amor e a brandura.
Homenageando-te com este livrinho, não te pago:
testemunho minha gratidão.

Alpheu




[1] Encontramos um M. T. Falcomer, autor do livro “Introduction au Spiritualisme Expérimental Moderne” traduzido para o francês por G.-Ch. Descormiers. Ed. Leymarie, 1896 com 39 páginas. Não temos maiores informações. E você?  Do Blog.


segunda-feira, 30 de julho de 2012

48. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'



48   ***

           
            Que significa esta expressão: renascer da agua e do espírito? Será como o pretendem os vulgarizadores da letra do Evangelho, submeter-se à cerimonia do batismo e, filiando-se a uma das numerosas seitas em que, depois da Reforma, se subdividiu a igreja, cingir-se às suas práticas? Ou haverá naquela exortação um simbolismo e uma significação espiritual que importa aprofundar?

            Sem a menor dúvida. Pretender que a simples aspersão da água, no batismo, ou mesmo a imersão, completa ou parcial, segundo é diversamente praticada por algumas seitas dissidentes, constitui um "renascimento", é forçar evidentemente a interpretação. Batizar em água não pode ser confundido na identidade da mesma significação de renascer da água.

             Servindo-se desta expressão, ao mesmo tempo que firmava categoricamente e de modo inconfundível o grande principio, "necessário vos é renascer de novo ", o Cristo adaptava a sua linguagem ao simbolismo que era familiar aos seus contemporâneos.

            A água representava para os hebreus o princípio de que todas as coisas são formadas. É assim que no capítulo I do GÊNESE se lê a cada passo: "o Espírito de Deus era levado sobre as águas" (vers. 2°) ; "disse também Deus: Faça-se o firmamento no meio das águas e separe umas águas das outras águas" (vers. 6); "e fez Deus o firmamento e dividiu as águas que estavam por baixo do firmamento das que estavam por cima do firmamento " (vers. 7); "disse também Deus: As águas que estão debaixo do céu ajuntem-se num mesmo lugar, e o elemento árido apareça; e assim se fez" (vens. 9); "disse também Deus: Produzam as águas répteis de alma vivente e aves que voem sobre a terra, debaixo do firmamento do céu " (vers. 20), etc.

            É evidente, pois, que essa palavra designava a matéria ou fluido cósmico, universal e primitivo, por cujas transformações e sucessivas condensações, diversificadas, se veio a produzir a criação terrestre. Renascer da água não significava assim, no pensamento de Jesus, senão renascer da matéria, de que é formado o corpo humano.

            Esse renascimento, entretanto, não basta, só por si, para facultar o acesso ao reino de Deus, que é a perfeição interior, lentos como são, de vida em vida, os progressos realizados pelo espírito. Nos múltiplos exemplos mesmo, que ficaram páginas atrás, pode reconhecer-se quão demorada é para as criaturas vulgares, indiferentes aos estímulos da verdadeira fé religiosa, a evolução espiritual. Não, não basta ir renascendo a esmo, peregrinando através os tempos e os lugares, sob a injunção da grande lei; é necessário sobretudo "renascer do espírito". E esse renascimento, cedo ou tarde, ao fim de poucas ou de muitas existências, conforme a diligência no esforço e o aproveitamento realizado, há de se operar inelutavelmente para cada um dos forasteiros deste mundo.

            Como e quando? - Quando, suficientemente esclarecido pelas experiências do passado, se  resolve a empreender o individuo a definitiva jornada de espiritualização de sua natureza, fazendo morrer o que em linguagem  evangélica se chama o homem velho, para em seu lugar surgir o homem novo, transfigurado pela conversão às verdades divinas do Evangelho. 

            A isso, a esse despertar da consciência profunda, do ego interior e individual, para conhecimento de sua verdadeira natureza, acompanhado de constantes esforços no sentido de sua perfeita e completa santificação, pelo desenvolvimento das virtudes e o desprezo de todas as mundanas solicitações, é que se chama o renascimento do espírito, e é claro que tarefa de tal magnitude não pode ser consumada em uma única existência. Tal seja contudo a firmeza da resolução, tal continuidade do esforço nessa obra de regeneração, quem sabe a que culminâncias não poderá ser conduzida? "Aquele que perseverar até ao fim - disse Jesus - será salvo", e as suas palavras não passarão, "ainda que passem céus e terra."

            O ponto é que, à semelhança da Fênix mitológica, de si mesmo renascido não mais abandone o espírito o roteiro ascensional que conduz à sua própria integração divina. Se o não conseguir numa, será em algumas breves, meritórias e brilhantes existências: brilhantes sobretudo pela humildade, pelo amor e pela fé.




Política Divina


Política Divina

"Eu, porém, entre vós, sou como aquele que serve." 
- Jesus. (Lucas, 22 - 27) .

            O discípulo sincero do Evangelho não necessita respirar o clima da política administrativa do mundo para cumprir o seu ministério.

            O Governador da Terra, entre nós, para atingir os objetivos da política divina do amor antes de tudo, representou os interesses de Deus junto ao coração humano, sem necessidade de portarias e decretos, departamentos e comissões.
Governou, servindo; elevou os demais, humilhando a si mesmo. Não vestiu o traje do sacerdote, nem a toga do magistrado. Amou profundamente aos semelhantes e, nessa tarefa sublime, testemunhou sua grandeza celestial.

            Que seria das organizações cristãs, se o apostolado que lhes diz respeito estivesse subordinado a reis e ministros, câmaras e parlamentos transitórios?              

            Se desejas penetrar, efetivamente, o templo da verdade e da fé viva, da paz e do amor, com Jesus, não olvides as plataformas sublimes do Evangelho Redentor.

            Ama a Deus, sobre todas as coisas, com todo o teu coração e entendimento.

            Ama ao próximo como a ti mesmo.

            Cessa o egoísmo da animalidade primitiva.

            Faze bem aos que te, fazem mal.

            Abençoa os que te perseguem e caluniam,

            Ora pela paz dos que te ferem...

            Bendize os que te contrariam o coração inclinado ao pretérito inferior.

            Reparte as alegrias de teu espírito e os dons de tua vida com os menos afortunados e mais pobres do caminho.

            Dissipa as trevas, fazendo brilhar tua luz.

            Revela o amor que acalma as tempestades do ódio.          

            Mantém viva a chama da esperança, onde sopra o frio do desalento.

            Levanta os caídos.

            Sê a muleta generosa dos que se arrastam sob aleijões morais.

            Combate a ignorância, acendendo lâmpadas de auxílio fraterno, sem gritos de condenação e golpes de crítica.

            Ama, compreende e perdoa sempre.

            Dependerás, acaso, de decretos humanos para meter mãos à obra?

            Lembra-te, meu amigo, de que os administradores do mundo são respeitáveis prepostos da Sabedoria Divina, junto aos potenciais econômicos, passageiros e perecíveis do mundo; todavia, não te esqueças das plataformas sublimes do Código da Vida Eterna, na execução das quais devemos edificar o Reino de Deus dentro de nós mesmos.

Emmanuel

por  Chico Xavier 
in Reformador (FEB) Março  1946




0. 'Amor à Verdade'



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“Amor à Verdade”
por Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927



            Mais uma obra recomendada à leitura pela FEB lá nos anos 30.

             Alpheu Gomes O. Campos foi médico e catedrático da Escola Normal de Campos, no Estado do Rio de Janeiro, região do norte fluminense onde o Espiritismo segue florescente.





domingo, 29 de julho de 2012

47. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




47  ***


            Para espíritos positivos, como são em grande número os que compõem a geração contemporânea, aí fica, nas páginas que precedem, matéria suficiente, senão para convicção, para a admissibilidade ao menos, sem vislumbre de repugnância do grande princípio da pluralidade de existências, a caminho, como se vê, de uma abundante demonstração rigorosamente científica.

            Esse princípio, entretanto. - já no capítulo anterior o afirmamos - não é uma inovação do Espiritismo. Parte integrante dos ensinos das mais antigas religiões, era igualmente admitido pelos hebreus, com tanto maior fundamento quanto, não somente na CABALA, a que então nos referimos, como no TALMUD, que abrange a compilação das doutrinas e preceitos ensinados pelos mais notáveis doutores de Israel, se acha claramente exposto. Aí se encontra a revelação de que "a alma de Abel passou para o corpo de Seth e desta para o de Moisés."

            Além disso o ZOHAR ensina que" todas as almas estão submetidas às provas da transmigração” e acrescenta:

            "Os homens não conhecem os desígnios do Altíssimo a seu respeito; ignoram por quantos sofrimentos e misteriosas transformações têm que passar e quão numerosos são os espíritos que, vindo a este mundo, não tornam ao palácio de seu divino rei.  As almas devem finalmente imergir de novo na substância de que saíram; antes desse momento precisam, porém, ter desenvolvido todas as perfeições de que possuem o gérmen nelas mesmas semeado. Se não são, numa existência, preenchidas essas condições, tem que renascer, até que hajam atingido o grau que torna possível sua absorção em Deus (1)."

                        (1) Dr. Th. Pascal, LA RÉINCARNATION

            Assim se explicam, pela disseminação dessa crença entre os hebreus, certas passagens do Evangelho, de que dentro em pouco nos socorreremos, do mesmo modo que a sua admissão pelos mais eminentes padres da igreja, ao menos nos primeiros séculos cristãos, nos mostra a luminosa continuidade desse princípio, consagrado nas tradições do povo israelita, sancionado pelo Cristo e só interrompido em sua enunciação didática pela reacionária decisão do 2° concilio ecumênico de Constantinopla (553), o qual, condenando as doutrinas de Orígenes e, com elas, a da pluralidade de existências (2), lançou a mais densa obscuridade sobre o problema do sofrimento, da desigualdade de condições e do destino humanos.

            (2) Uma das conclusões desse concílio rezava: "Quem quer que ensinar a preexistência da alma e a estranha opinião de sua volta à terra, seja anátema."

            Orígenes, com efeito, em seu PERI ARCHÔN (Dos princípios) e no tratado CONTRA CELSO, se estriba na doutrina dos renascimentos, para criticar e justificar os livros sagrados cristãos, assim claramente, se exprimindo em relação a certas passagens do Antigo Testamento:

            "Se o nosso destino atual não fosse determinado pelas obras de nossas passadas existências, como poderia Deus ser justo, permitindo que o primogênito servisse o mais moço e fosse odiado, antes de haver praticado atos que merecessem a servidão e o ódio? Só as vidas anteriores podem explicar a Iuta de Esaú e Jacó antes do seu nascimento, a escolha de Jeremias quando ainda estava no seio de sua mãe, e tantos outros fatos que seriam  opróbio da justiça divina, se não fossem justificados pelas ações boas ou más praticadas em anteriores existências (1)."

            (1) Dr. Th. Pascal, ESSAI SUR L'ÉVOLUTION HUMAINE, pág. 260.

            S. Gregório de Nissa, por sua vez, afirmava que "há, por natureza, necessidade para a alma imortal de ser curada e purificada, e que, se o não foi em sua vida terrestre, a cura se opera mediante vidas futuras- e subsequentes (2)."

            S. Clemente de Alexandria partilhava a mesma opinião, como a seu turno S. Jerônimo e Ruffinus (Epístola a Anastácio) ,afirmava que a transmigração das almas será ensinada como uma verdade tradicional a um certo número de iniciados (3),"

            (2 e 3) Léon Denis, LE PROBLEME DE L'ÊTRE ET DE LA DESTINÉE, págs. 366.            .

            De longe vinha realmente essa tradição, pois que, como o acabamos de indicar, os próprios hebreus, inspirados nos ensinamentos dos seus livros sagrados, acreditavam na possibilidade da volta de um mesmo indivíduo a este mundo. Não cogitavam, talvez da universalidade desse fato como uma lei geral, a que todos estão submetidos, nem compreenderiam mesmo o processo dessa volta, o que não admira, circunscrito como era o seu horizonte intelectual e reduzidas as suas aspirações religiosas, volvidas antes para a objetividade da vida terrestre, e pouco preocupados que ordinariamente se mostravam com a eternidade do futuro espiritual (4). Mas que admitiam a possibilidade de um retorno à Terra, principalmente para certos vultos, como os profetas, por exemplo, é o que se evidencia de mais de uma passagem do Evangelho.

             (4) Bem limitadas deviam ser de fato as suas ambições em tal sentido, quando a promessa do Decálogo, em troca da obediência filial, a bem pouco se reduzia: "Honrarás a teu pai e a tua mãe, para teres uma dilatada vida sobre a terra, que o Senhor teu Deus te há de dar." (Êxodo, XX, 12).

            Refere com efeito Lucas (cap. IX, vv. 7 a 9) :

            "E chegou a Herodes Tetrarca a notícia de tudo o que Jesus obrava, e ficou como suspenso; porque diziam uns: é João que ressurgiu dos mortos; e outros: é Elias que apareceu; e outros: é um dos antigos Profetas que ressuscitou; Então disse Herodes: eu mandei degolar a João; quem é, pois, este, de quem eu ouço tais coisas ? E buscava ocasião de o ver. "

            Não menos significativa é esta variante, que Mateus refere (cap, XVI, vv. 13 a 16):

            "E veio Jesus para as bandas de Cesareia de Filipe e fez a seus discípulos esta pergunta, dizendo: Quem dizem os homens que é o Filho do homem? Eles responderam: - Uns dizem que João Batista, mas outros que Elias, e outros que Jeremias ou algum dos profetas.
            "Disse-lhe Jesus: - E vós, quem diz eis que sou eu? - Respondendo Simão Pedro, disse:     -Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo. "

            Mais expressiva, porém, é a seguinte passagem, em que a possibilidade da reencarnação é pelos discípulos apresentada como admissível mesmo para um indivíduo vulgar:

            ''E passando Jesus, viu um homem que era cego de nascença. E seus discípulos lhe perguntaram: Mestre, que pecado fez este, ou fizeram seus pais, para nascer cego?

            "Respondeu Jesus: Nem foi por pecado que ele fizesse, nem seus pais, mas foi para se manifestarem nele as obras de Deus." (João, IX 1 a 30).

            Como se vê, os discípulos admitiam que o espírito daquele cego tivesse pecado antes de nascer e, por conseguinte, numa existência anterior, sendo assim uma expiação a cegueira de nascença. E o Cristo, longe de combater essa ideia, como o teria indubitavelmente feito, se errônea ou desarrazoada, limita-se a explicar o que aos familiares da Revelação espirita é sem dificuldade compreensível, isto é: que aquele homem era um dos espíritos que haviam baixado à Terra, por aquele tempo, não em expiação de culpas do passado, mas com a missão de colaborar na epopeia messiânica: estropeado, para dar voluntariamente ensejo a que Jesus, curando-o, revelasse o seu poder, ou, como Ele próprio o disse, "para se manifestarem as obras de Deus", em cujo nome e da parte de quem tamanhas maravilhas operou.

            Há, como se vê, nessa passagem, uma tácita sanção do Divino Mestre à crença dos judeus na reencarnação. Eixo, entretanto, que é dessa imensa engrenagem vital em que todos nós vivemos,  princípio em cuja órbita gravitam os sucessos de nossa vida, sem o qual careceria de possibilidade a realização de nossos destinos de perfectibilidade indefinita, não poderia limitar-se o Cristo o indiretamente consagrá-lo; cumpria-lhe prestigia-lo abertamente, apresentando-o como uma das verdades capitais do seu ensino.

            Foi o que fez, não somente numa das vezes em que se referiu a João Batista, mas sobretudo quando procurado por um dos mestres de Israel, desejoso de ouvir de seus misericordiosos lábios a palavra de salvação e da verdade .

            Falando de João "às gentes", conforme a palavra do Evangelho, e depois de haver dado testemunho de sua peregrina elevação espiritual, afirmando que "outro maior não se levantara, dentre os nascidos de mulher", terminou com efeito por dizer:

            "porque todos os profetas, e a lei, até João, profetizaram. E se vós o quereis bem compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir." (Mateus, XI, 13 e 14).

            Além dessa passagem, em que a figura do Precursor é claramente indicada como a reencarnação do espírito de Elias, há uma outra contendo idêntica alusão.

            Acabava Jesus de se transfigurar no cimo do Tabor, em presença dos três discípulos por que se fizera acompanhar, para serem testemunhas de sua glorificação, e desciam do monte, quando, porventura ainda sob o deslumbramento da visão espiritual que os transportara - refere o evangelista:

            "Os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Pois porque dizem os escribas que importa vir Elias primeiro?

            "Mas ele, respondendo, lhes disse: Elias certamente há de vir e restabelecerá todas as coisas. Digo-vos, porém que Elias já veio e eles não o conheceram, antes fizeram dele quanto
quiseram. Assim também o Filho do homem há de padecer às suas mãos.

            "Então conheceram os discípulos que de João Batista é que ele lhes falara." (Mateus, XVII, 10 a 13).

            Como objetivação do ensino relativo à reencarnação - força é convir - nada pode haver de mais formal. Mas foi sobretudo na visita que recebeu de Nicodemos - um dos autores de Israel a que aludimos - que teve ensejo o Divino Mestre de proclamar explicitamente a grande lei.

            É assim que no-la descreve o evangelista João (cap. III  v. v. 1 a 7) :

            "Havia um homem dentre os fariseus, chamado Nicodemos, principal entre os judeus. Este foi ter com Jesus de noite i'; lhe disse: Rabi, sabemos que és Mestre, vindo da parte de Deus; pois ninguém pode fazer estes milagres que tu fazes, se Deus não estiver com ele.

            "Jesus lhe respondeu: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.

            Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, entrar novamente no ventre de sua mãe e nascer?

            "Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não renascer da água e do Espírito (1) não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espirito é espírito. Não te maravilhes de eu te dizer: Necessário vos é nascer de novo."

             (1) A tradução do Vulgata latina à palavra "Espirito" acrescenta "Santo", ao passo que uma edição moderna do Novo Testamento "traduzido segundo o original grego", feita pelo American Bible Society, de New York (1910), e cuidadosamente revista por uma grande com missão de competentes, diz simplesmente "Espírito", sendo assim mais fiel e conforme à verdade. Por isso a preferimos.

            E porque, insistindo na singular ignorância desse fato, cuja possibilidade era, como se viu, admitida pelo próprio povo, inda que a não apreende-se mais que sob uma vaga e imprecisa forma, interrogasse Nicodemos (v. 9): "como pode ser isso?" - não dissimulou o Divino Mestre a estranheza, que semelhante ignorância provocava, e advertiu: "Tu és mestre em Israel e não entendes estas coisas?"

            Estranhável era, de fato, que tão alheio se mostrasse a essa verdade fundamental quem, por suas funções eclesiásticas, a não devera ignorar. Por isso mesmo foi que o Cristo, cuja clarividência penetrava o recesso de todas as consciências, surpreendendo-lhes as sombras, apenas abordado, se antecipou a transmitir-lhe-á, como o mais importante dos ensinos para aquele que, intérprete e comentador da lei mosaica, tinha por encargo a direção espiritual das multidões.

            Foi sem duvida em atenção a essa investidura, associada à circunstância de o ter espontaneamente procurado Nicodemos e revelado, sem dissimulação, o desejo de ser esclarecido pelo Mestre, que Jesus, sempre solicito em prodigalizar, dos tesouros de sua sabedoria, o necessário a cada um, não se limitou a enunciar como imprescindível condição para se entrar no reino de Deus, ou – o que é o mesmo - alcançar a perfeição moral (2), a pluralidade de existências, mas completou o seu ensino com esta sentença de admirável profundeza : "Se alguém não renascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus."

            (2) "O reino de Deus - disse Ele - está dentro de vós." (Lucas, XVII, 21).




Fé Esclarecida



Fé Esclarecida

       O Espiritismo não quer ser aceito cegamente, antes pede a discussão e a luz. Em vez da fé cega, que sufoca a liberdade de pensar, ele diz: a fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.

            A fé precisa de uma base, e esta é o conhecimento perfeito do que se deve crer. Para crer, não basta ver, é preciso compreender." (“O Evangelho segundo o Espiritismo"). Temos, pois, razão para considerar o Espiritismo o precursor da aristocracia do futuro, da aristocracia intelecto-moral.


Allan Kardec


Teocracia? Não!!!


Confissão Tácita


           
            De diversos amigos católicos, já recebemos, em português e em Esperanto, um documento do qual devemos deixar memória na coleção de Reformador para ser melhor estudado no futuro, com mais serenidade do que poderíamos ter neste momento de agitações mundiais e desassossego , O título é "O Comunismo e o Momento Nacional - Carta Coletiva do Episcopado do Rio Grande do Sul", e vem assinada essa carta por um Arcebispo e cinco Bispos daquela província do Sul.

            Essa carta classifica o capitalismo com as seguintes palavrinhas pouco amenas: "A cupidez, o egoísmo, o repúdio da caridade cristã e do sentimento de solidariedade, ditaram a exploração do homem pelo homem. - Um capitalismo egoísta e ateu, lenta e silenciosamente, gerou a injustiça social".

            Proclamando assim a ruindade do Capitalismo, os Bispos atacam como ainda pior ou pelo menos tão detestável a solução comunista do problema social; dizem textualmente:
           
            "Constitui uma confusão funesta, um erro de consequências imprevisíveis, afirmar-se, como enfaticamente se afirma, que o mundo contemporâneo situa-se em face de um dilema: capitalismo ou comunismo. - Podemos e devemos optar por uma terceira atitude, única integral e justa: a ordem social cristã. - Se há um dilema diante de nós, ele só poderá ser formulado nestes termos: ordem social cristã ou ordem social pagã.”

            Nesse tom, prossegue condenando igualmente o capitalismo e o comunismo e optando pela ordem social cristã, que não existe, e sua inexistência fica bem demonstrada como razão mesma de ser da carta episcopal.

            Em parêntese, convém lembrar que juntamente com essa folha solta recebemos outra, de elaboração protestante, citando opiniões de muito mais de seis bispos brasileiros a favor do fascismo como solução desse mesmo problema social; isso quer dizer que há sete anos o Episcopado brasileiro tinha outra ideologia: não cogitava de ordem social cristã, como hoje, mas de ordem social fascista. Já melhorou muito! Encerremos o parêntese e voltemos à carta dos bispos.

            Vamos concordar com os prelados que o capitalismo seja mesmo muito desumano; mas não tem piorado, porque houve tempo em que o capital podia comprar homens e mulheres para todas as finalidades que desejasse; o mercado de escravos e escravas era uma realidade às escancaras. Compravam-se homens para trabalhar sob o chicote do feitor e dormir no tronco, e donzelas para satisfazer à concupiscência do capitalista e depois serem lançadas à senzala ou vendidas, com ou sem filhos. A família de escravo podia ser vendida para diversos capitalistas, conforme o agrado. Um comprava o marido, outro a mulher, outro a filha do casal. É demasiado recente esse poder do capital para já estar esquecido. Há somente cinquenta e sete anos que os capitalistas do Brasil sofreram o golpe de ficar privados desse direito, que durante todos os milênios passados pertenceu ao capital. Consequentemente, ninguém negará que o capitalismo sempre foi pior do que hoje, porque as leis têm-lhe restringido muito o poder. Quantas leis brasileiras recentes limitam o poder e os direitos do capitalismo! Mas não é nosso desejo defender o capitalismo; queremos concordar com os Bispos que assinaram a carta, no sentido de que ele realmente ainda é muito ruim e desumano.

            Desde os saudosos tempos de Constantino, o Grande, no início do século quarto de nossa era, foi dado à Igreja o direito de educar o povo, de formar a mentalidade necessária a um mundo feliz, à "ordem social cristã" a que se referem os Srs. Bispos em sua "Carta". Esse direito chegou a dominar os reis e imperadores durante muitos séculos. Todos os processos de repressão às ideias erradas foram postos em mãos da Igreja. Ela foi soberana até para impedir que a Terra girasse em torno do Sol, que o Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão inventasse a aviação .. Há mais de mil e seiscentos anos que ela dirige a formação da mentalidade humana em todo o Ocidente como educadora. Agora, um novo dilema: 1) Ou a Igreja cumpriu sua missão de educar-nos e, portanto, todos somos piedosos espiritualistas, cristãos, e vivemos dentro de uma ordem social cristã por ela preparada nesses mil e seiscentos anos; 2) Ou ela falhou em sua missão e nós somos capitalistas, comunistas, ateus, pagãos e tudo que há de pior.

            Dizem os Srs. Bispos que o mundo está entre os dois abismos - capitalismo ou comunismo - que a ordem cristã não está estabelecida; portanto, confessam tacitamente que a Igreja falhou de todo em sua missão de educadora; chegou a resultados diametralmente opostos aos que pretendia alcançar. Em vez de fazer um mundo cristão, fez um mundo de ateus, materialistas, pagãos. Se fica assim confessada a falência da Igreja, terão os seus Bispos autoridade para nos indicar ainda o caminho? Terão moral para nos guiar política e socialmente? Depois de confessar que em mil e seiscentos anos de trabalho falharam escandalosamente, porque insistem nos mesmos princípios, nas mesmas ideias? O povo estará disposto a esperar outros mil e seiscentos anos? Pretenderão readquirir o poder temporal e reacender as fogueiras, construir novos potros de tortura, cavar novas prisões subterrâneas para "salvar" o mundo e estabelecer a "ordem social cristã"? Mas em fevereiro de 1929 Mussolini generosamente restituiu o poder temporal ao Papa e o resultado prático foi, em 1945, nossos filhos terem ido derramar seu sangue generoso nos campos de batalha da Itália para libertá-la do homem que o Papa proclamou Providencial; para libertar um povo irmão da mais horrorosa ordem econômica já se viu no mundo.

            Não devemos esperar novas providências de quem já deu tantas provas de sua inépcia para organizar um mundo feliz. A Igreja é uma triste reminiscência de um passado tenebroso, como as matanças feitas pelos comunistas são outra triste página da história do mundo. Se alguma coisa existe mais horrorosa do que a Revolução Russa, é a Santa Inquisição da Igreja Romana, porque fez um número muito maior de vítimas e com requintes de crueldade que fariam desmaiar os carrascos comunistas.

            Se a História e inconscientemente a palavra dos Bispos confessam a falência da Igreja, examinemos as causas desse insucesso para não repetirmos os mesmos erros, cujas consequências seriam imprevisíveis, como muito bem diz a carta dos Bispos gaúchos. O primeiro erro, do qual originaram todos os outros, foi a oficialização, o poder temporal conferido à Igreja. Em vez de pregar o Evangelho, seguiu ela o caminho odioso de impor sua autoridade a ferro e fogo. A esse erro capital, seguiu-se o profissionalismo religioso com todas as suas terríveis consequências.

            O pregador do Evangelho tornou-se um profissional que não tem a liberdade de abandonar sua missão quando tenha perdido a fé e por isso mesmo é forçoso tornar-se hipócrita, continuar exercendo a profissão, embora desmentindo com atos o que ensina por palavras. Do primeiro grande erro o mundo já está livre, mas o segundo continua produzindo seus males.

            Com esses dois erros fundamentais, a Igreja caiu no materialismo político-econômico e foi abandonada pelos Espíritos superiores. Tornou- -se uma instituição puramente mundana que busca sua força nos Governos, sejam eles quais forem, como vimos na Itália fascista e como tristemente vemos neste momento no Brasil, quando as autoridades eclesiásticas organizam Ligas Eleitorais para entrarem em entendimentos com os candidatos à Presidência da República, ambos católicos romanos, e saber de, pelas respostas que derem a um questionário a eles enviado pelo Arcebispo do Rio de Janeiro - conforme foi publicado - qual deles se mostrará mais integrado aos princípios da Igreja e qual poderá, concomitantemente obter para ela maiores vantagens. A crença em Deus está transformadaem crença no Chefe de Estado...

            Mirem-se nesse espelho os partidários de uma organização "forte" do Espiritismo e vejam se não é muito melhor conservarmos nossa liberdade de consciência.



por Lino Teles    Ismael Gomes Braga

in ‘Reformador’ (FEB) Outubro 1945



Idas e Vindas



‘Da encarnação
e desencarnação
do Espírito’

                                                                                              por Georges Dejean
in ‘A Nova Luz’  pág 194-196
conforme citação em Reformador (FEB)
 Setembro 1945


            O Espírito, ao encarnar numa criança, não toma posse do corpo desde o nascimento. É pouco a pouco que ele neste penetra e perde o contato com o Além. À medida que essa incorporação se efetua, a criança, que a princípio não é mais do que uma criatura de instinto, se vai tornando consciente da sua existência e da dos que a cercam.

            Do mesmo modo, no velho, a alma deixa lentamente o corpo, começando essa separação, frequentemente, muito antes que ele desça ao túmulo. Quando o homem se desprende dos bens materiais e já não tem ambição nem desejos, é que principia a ruptura. Então, por um fenômeno amiúde observado, o Espírito se reporta de preferência ao período de infância.

            Lembra-se vagamente da fase em que tomou posse do corpo. Consuma-se gradativamente o divórcio. Cada vez mais ausente está a alma; sobre ela exerce o Além  cada dia mais a sua influência atrativa. O velho pensa na tumba e aspira ao repouso. Aqueles que, dando provas de acentuada senilidade, não querem morrer, é porque, em realidade, os aterra o pressentimento misterioso e secreto do castigo que os espera.

            Para o justo, o fim é o entardecer de um dia esplêndido. A morte não o amedronta, pois pressente que ela lhe trará a cessação das provas, a recompensa aos seus esforços e o coroamento de uma vida bem empregada. Para o que viveu mal, a morte se assemelha a um carrasco que vem executar a obra de justiça e de expiação.

            No velho, com efeito, não é a mente que se turba, obscurece e extingue; é o cérebro que, abandonado pouco a pouco pela alma, funciona cada vez menos sob o governo da razão e dá ao homem, gasto pelos anos, essa apatia, essa fraqueza mental, que fazem crer na sua decrepitude, quando, em verdade, o que há é que sua alma se acha mais avisada, mais instruída, senão melhor do que o era no momento da encarnação.




sexta-feira, 27 de julho de 2012

28 de Julho




28 Julho


Equilibra-te na estrada,
Não guardes excesso algum.
O lobo farto, igualmente,
No outro dia faz jejum.


Casimiro Cunha

por Chico Xavier
in ‘Reformador”
 (FEB  Agosto 1945)



46. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'



46 ***


            Para espíritos positivos, como são em grande número os que compõem a geração contemporânea, aí fica, nas páginas que precedem, matéria suficiente, senão para convicção, para a admissibilidade ao menos, sem vislumbre de repugnância do grande princípio da pluralidade de existências, a caminho, como se vê, de uma abundante demonstração rigorosamente científica.

            Esse princípio, entretanto. - já no capítulo anterior o afirmamos - não é uma inovação do Espiritismo. Parte integrante dos ensinos das mais antigas religiões, era igualmente admitido pelos hebreus, com tanto maior fundamento quanto, não somente na CABALA, a que então nos referimos, como no TALMUD, que abrange a compilação das doutrinas e preceitos ensinados pelos mais notáveis doutores de Israel, se acha claramente exposto. Aí se encontra a revelação de que "a alma de Abel passou para o corpo de Seth e desta para o de Moisés."

            Além disso o ZOHAR ensina que" todas as almas estão submetidas às provas da transmigração” e acrescenta:

            "Os homens não conhecem os desígnios do Altíssimo a seu respeito; ignoram por quantos sofrimentos e misteriosas transformações têm que passar e quão numerosos são os espíritos que, vindo a este mundo, não tornam ao palácio de seu divino rei.  As almas devem finalmente imergir de novo na substância de que saíram; antes desse momento precisam, porém, ter desenvolvido todas as perfeições de que possuem o gérmen nelas mesmas semeado. Se não são, numa existência, preenchidas essas condições, tem que renascer, até que hajam atingido o grau que torna possível sua absorção em Deus (1)."

                        (1) Dr. Th. Pascal, LA RÉINCARNATION

            Assim se explicam, pela disseminação dessa crença entre os hebreus, certas passagens do Evangelho, de que dentro em pouco nos socorreremos, do mesmo modo que a sua admissão pelos mais eminentes padres da igreja, ao menos nos primeiros séculos cristãos, nos mostra a luminosa continuidade desse princípio, consagrado nas tradições do povo israelita, sancionado pelo Cristo e só interrompido em sua enunciação didática pela reacionária decisão do 2° concilio ecumênico de Constantinopla (553), o qual, condenando as doutrinas de Orígenes e, com elas, a da pluralidade de existências (2), lançou a mais densa obscuridade sobre o problema do sofrimento, da desigualdade de condições e do destino humanos.

            (2) Uma das conclusões desse concílio rezava: "Quem quer que ensinar a preexistência da alma e a estranha opinião de sua volta à terra, seja anátema."

            Orígenes, com efeito, em seu PERI ARCHÔN (Dos princípios) e no tratado CONTRA CELSO, se estriba na doutrina dos renascimentos, para criticar e justificar os livros sagrados cristãos, assim claramente, se exprimindo em relação a certas passagens do Antigo Testamento:

            "Se o nosso destino atual não fosse determinado pelas obras de nossas passadas existências, como poderia Deus ser justo, permitindo que o primogênito servisse o mais moço e fosse odiado, antes de haver praticado atos que merecessem a servidão e o ódio? Só as vidas anteriores podem explicar a Iuta de Esaú e Jacó antes do seu nascimento, a escolha de Jeremias quando ainda estava no seio de sua mãe, e tantos outros fatos que seriam  opróbio da justiça divina, se não fossem justificados pelas ações boas ou más praticadas em anteriores existências (1)."

            (1) Dr. Th. Pascal, ESSAI SUR L'ÉVOLUTION HUMAINE, pág. 260.

            S. Gregório de Nissa, por sua vez, afirmava que "há, por natureza, necessidade para a alma imortal de ser curada e purificada, e que, se o não foi em sua vida terrestre, a cura se opera mediante vidas futuras- e subsequentes (2)."

            S. Clemente de Alexandria partilhava a mesma opinião, como a seu turno S. Jerônimo e Ruffinus (Epístola a Anastácio) ,afirmava que a transmigração das almas será ensinada como uma verdade tradicional a um certo número de iniciados (3),"

            (2 e 3) Léon Denis, LE PROBLEME DE L'ÊTRE ET DE LA DESTINÉE, págs. 366.            

            De longe vinha realmente essa tradição, pois que, como o acabamos de indicar, os próprios hebreus, inspirados nos ensinamentos dos seus livros sagrados, acreditavam na possibilidade da volta de um mesmo indivíduo a este mundo. Não cogitavam, talvez da universalidade desse fato como uma lei geral, a que todos estão submetidos, nem compreenderiam mesmo o processo dessa volta, o que não admira, circunscrito como era o seu horizonte intelectual e reduzidas as suas aspirações religiosas, volvidas antes para a objetividade da vida terrestre, e pouco preocupados que ordinariamente se mostravam com a eternidade do futuro espiritual (4). Mas que admitiam a possibilidade de um retorno à Terra, principalmente para certos vultos, como os profetas, por exemplo, é o que se evidencia de mais de uma passagem do Evangelho.


            (4) Bem limitadas deviam ser de fato as suas ambições em tal sentido, quando a promessa do Decálogo, em troca da obediência filial, a bem pouco se reduzia: "Honrarás a teu pai e a tua mãe, para teres uma dilatada vida sobre a terra, que o Senhor teu Deus te há de dar." (Êxodo, XX, 12).

            Refere com efeito Lucas (cap. IX, vv. 7 a 9) :

            "E chegou a Herodes Tetrarca a notícia de tudo o que Jesus obrava, e ficou como suspenso; porque diziam uns: é João que ressurgiu dos mortos; e outros: é Elias que apareceu; e outros: é um dos antigos Profetas que ressuscitou; Então disse Herodes: eu mandei degolar a João; quem é, pois, este, de quem eu ouço tais coisas ? E buscava ocasião de o ver. "

            Não menos significativa é esta variante, que Mateus refere (cap, XVI, vv. 13 a 16):

            "E veio Jesus para as bandas de Cesareia de Filipe e fez a seus discípulos esta pergunta, dizendo: Quem dizem os homens que é o Filho do homem? Eles responderam: - Uns dizem que João Batista, mas outros que Elias, e outros que Jeremias ou algum dos profetas.
            "Disse-lhe Jesus: - E vós, quem diz eis que sou eu? - Respondendo Simão Pedro, disse:     -Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo. "

            Mais expressiva, porém, é a seguinte passagem, em que a possibilidade da reencarnação é pelos discípulos apresentada como admissível mesmo para um indivíduo vulgar:

            ''E passando Jesus, viu um homem que era cego de nascença. E seus discípulos lhe perguntaram: Mestre, que pecado fez este, ou fizeram seus pais, para nascer cego?

            "Respondeu Jesus: Nem foi por pecado que ele fizesse, nem seus pais, mas foi para se manifestarem nele as obras de Deus." (João, IX 1 a 30).

            Como se vê, os discípulos admitiam que o espírito daquele cego tivesse pecado antes de nascer e, por conseguinte, numa existência anterior, sendo assim uma expiação a cegueira de nascença. E o Cristo, longe de combater essa ideia, como o teria indubitavelmente feito, se errônea ou desarrazoada, limita-se a explicar o que aos familiares da Revelação espirita é sem dificuldade compreensível, isto é: que aquele homem era um dos espíritos que haviam baixado à Terra, por aquele tempo, não em expiação de culpas do passado, mas com a missão de colaborar na epopeia messiânica: estropeado, para dar voluntariamente ensejo a que Jesus, curando-o, revelasse o seu poder, ou, como Ele próprio o disse, "para se manifestarem as obras de Deus", em cujo nome e da parte de quem tamanhas maravilhas operou.

            Há, como se vê, nessa passagem, uma tácita sanção do Divino Mestre à crença dos judeus na reencarnação. Eixo, entretanto, que é dessa imensa engrenagem vital em que todos nós vivemos, princípio em cuja órbita gravitam os sucessos de nossa vida, sem o qual careceria de possibilidade a realização de nossos destinos de perfectibilidade indefinita, não poderia limitar-se o Cristo o indiretamente consagrá-lo; cumpria-lhe prestigia-lo abertamente, apresentando-o como uma das verdades capitais do seu ensino.

            Foi o que fez, não somente numa das vezes em que se referiu a João Batista, mas sobretudo quando procurado por um dos mestres de Israel, desejoso de ouvir de seus misericordiosos lábios a palavra de salvação e da verdade .

            Falando de João "às gentes", conforme a palavra do Evangelho, e depois de haver dado testemunho de sua peregrina elevação espiritual, afirmando que "outro maior não se levantara, dentre os nascidos de mulher", terminou com efeito por dizer:

            "porque todos os profetas, e a lei, até João, profetizaram. E se vós o quereis bem compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir." (Mateus, XI, 13 e 14).

            Além dessa passagem, em que a figura do Precursor é claramente indicada como a reencarnação do espírito de Elias, há uma outra contendo idêntica alusão.

            Acabava Jesus de se transfigurar no cimo do Tabor, em presença dos três discípulos por que se fizera acompanhar, para serem testemunhas de sua glorificação, e desciam do monte, quando, porventura ainda sob o deslumbramento da visão espiritual que os transportara - refere o evangelista:

            "Os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Pois porque dizem os escribas que importa vir Elias primeiro?

            "Mas ele, respondendo, lhes disse: Elias certamente há de vir e restabelecerá todas as coisas. Digo-vos, porém que Elias já veio e eles não o conheceram, antes fizeram dele quanto
quiseram. Assim também o Filho do homem há de padecer às suas mãos.

            "Então conheceram os discípulos que de João Batista é que ele lhes falara." (Mateus, XVII, 10 a 13).

            Como objetivação do ensino relativo à reencarnação - força é convir - nada pode haver de mais formal. Mas foi sobretudo na visita que recebeu de Nicodemos - um dos autores de Israel a que aludimos - que teve ensejo o Divino Mestre de proclamar explicitamente a grande lei.

            É assim que no-la descreve o evangelista João (cap. III  v. v. 1 a 7) :

            "Havia um homem dentre os fariseus, chamado Nicodemos, principal entre os judeus. Este foi ter com Jesus de noite i'; lhe disse: Rabi, sabemos que és Mestre, vindo da parte de Deus; pois ninguém pode fazer estes milagres que tu fazes, se Deus não estiver com ele.

            "Jesus lhe respondeu: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.

            Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, entrar novamente no ventre de sua mãe e nascer?

            "Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não renascer da água e do Espírito (1) não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espirito é espírito. Não te maravilhes de eu te dizer: Necessário vos é nascer de novo."

             (1) A tradução do Vulgata latina à palavra "Espirito" acrescenta "Santo", ao passo que uma edição moderna do Novo Testamento "traduzido segundo o original grego", feita pelo American Bible Society, de New York (1910), e cuidadosamente revista por uma grande com missão de competentes, diz simplesmente "Espírito", sendo assim mais fiel e conforme à verdade. Por isso a preferimos.

             E porque, insistindo na singular ignorância desse fato, cuja possibilidade era, como se viu, admitida pelo próprio povo, inda que a não apreende-se mais que sob uma vaga e imprecisa forma, interrogasse Nicodemos (v. 9): "como pode ser isso?" - não dissimulou o Divino Mestre a estranheza, que semelhante ignorância provocava, e advertiu: "Tu és mestre em Israel e não entendes estas coisas?"

            Estranhável era, de fato, que tão alheio se mostrasse a essa verdade fundamental quem, por suas funções eclesiásticas, a não devera ignorar. Por isso mesmo foi que o Cristo, cuja clarividência penetrava o recesso de todas as consciências, surpreendendo-lhes as sombras, apenas abordado, se antecipou a transmitir-lhe-á, como o mais importante dos ensinos para aquele que, intérprete e comentador da lei mosaica, tinha por encargo a direção espiritual das multidões.

            Foi sem duvida em atenção a essa investidura, associada à circunstância de o ter espontaneamente procurado Nicodemos e revelado, sem dissimulação, o desejo de ser esclarecido pelo Mestre, que Jesus, sempre solicito em prodigalizar, dos tesouros de sua sabedoria, o necessário a cada um, não se limitou a enunciar como imprescindível condição para se entrar no reino de Deus, ou – o que é o mesmo - alcançar a perfeição moral (2), a pluralidade de existências, mas completou o seu ensino com esta sentença de admirável profundeza : "Se alguém não renascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus."

            (2) "O reino de Deus - disse Ele - está dentro de vós." (Lucas, XVII, 21).