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Para espíritos positivos, como são
em grande número os que compõem a geração contemporânea, aí fica, nas páginas
que precedem, matéria suficiente, senão para convicção, para a admissibilidade
ao menos, sem vislumbre de repugnância do grande princípio da pluralidade de
existências, a caminho, como se vê, de uma abundante demonstração rigorosamente
científica.
Esse princípio, entretanto. - já no
capítulo anterior o afirmamos - não é uma inovação do Espiritismo. Parte integrante
dos ensinos das mais antigas religiões, era igualmente admitido pelos hebreus,
com tanto maior fundamento quanto, não somente na CABALA, a que então nos referimos,
como no TALMUD, que abrange a compilação das doutrinas e preceitos ensinados
pelos mais notáveis doutores de Israel, se acha claramente exposto. Aí se
encontra a revelação de que "a alma de Abel passou para o corpo de Seth e
desta para o de Moisés."
Além disso o ZOHAR ensina que"
todas as almas estão submetidas às provas da transmigração” e acrescenta:
"Os homens não conhecem os desígnios do Altíssimo
a seu respeito; ignoram por quantos sofrimentos e misteriosas transformações
têm que passar e quão numerosos são os espíritos que, vindo a este mundo, não
tornam ao palácio de seu divino rei. As
almas devem finalmente imergir de novo na substância de que saíram; antes desse
momento precisam, porém, ter desenvolvido todas as perfeições de que possuem o
gérmen nelas mesmas semeado. Se não são, numa existência, preenchidas essas
condições, tem que renascer, até que hajam atingido o grau que torna possível
sua absorção em Deus (1)."
(1)
Dr. Th. Pascal, LA RÉINCARNATION
Assim se explicam,
pela disseminação dessa crença entre os hebreus, certas passagens do Evangelho,
de que dentro em pouco nos socorreremos, do mesmo modo que a sua admissão pelos
mais eminentes padres da igreja, ao menos nos primeiros séculos cristãos, nos
mostra a luminosa continuidade desse princípio, consagrado nas tradições do povo
israelita, sancionado pelo Cristo e só interrompido em sua enunciação didática
pela reacionária decisão do 2° concilio ecumênico de Constantinopla (553), o
qual, condenando as doutrinas de Orígenes e, com elas, a da pluralidade de existências
(2), lançou a mais densa obscuridade sobre o problema do sofrimento, da
desigualdade de condições e do destino humanos.
(2) Uma das conclusões desse concílio rezava:
"Quem quer que ensinar a preexistência da alma e a estranha opinião de sua
volta à terra, seja anátema."
Orígenes, com efeito, em seu PERI
ARCHÔN (Dos princípios) e no tratado CONTRA CELSO, se estriba na doutrina dos
renascimentos, para criticar e justificar os livros sagrados cristãos, assim
claramente, se exprimindo em relação a certas passagens do Antigo Testamento:
"Se o nosso destino atual não fosse determinado
pelas obras de nossas passadas existências, como poderia Deus ser justo,
permitindo que o primogênito servisse o mais moço e fosse odiado, antes de
haver praticado atos que merecessem a servidão e o ódio? Só as vidas anteriores
podem explicar a Iuta de Esaú e Jacó antes do seu nascimento, a escolha de
Jeremias quando ainda estava no seio de sua mãe, e tantos outros fatos que
seriam opróbio da justiça divina, se não
fossem justificados pelas ações boas ou más praticadas em anteriores existências
(1)."
(1) Dr. Th. Pascal,
ESSAI SUR L'ÉVOLUTION HUMAINE, pág. 260.
S. Gregório de Nissa, por sua vez,
afirmava que "há, por natureza, necessidade para a alma imortal de ser
curada e purificada, e que, se o não foi em sua vida terrestre, a cura se opera
mediante vidas futuras- e subsequentes (2)."
S. Clemente de Alexandria partilhava
a mesma opinião, como a seu turno S. Jerônimo e Ruffinus (Epístola a Anastácio)
,afirmava que a transmigração das almas será ensinada como uma verdade
tradicional a um certo número de iniciados (3),"
(2 e 3) Léon Denis, LE PROBLEME DE
L'ÊTRE ET DE LA DESTINÉE, págs. 366.
De longe vinha realmente essa
tradição, pois que, como o acabamos de indicar, os próprios hebreus, inspirados
nos ensinamentos dos seus livros sagrados, acreditavam na possibilidade da
volta de um mesmo indivíduo a este mundo. Não cogitavam, talvez da
universalidade desse fato como uma lei geral, a que todos estão submetidos, nem
compreenderiam mesmo o processo dessa volta, o que não admira, circunscrito
como era o seu horizonte intelectual e reduzidas as suas aspirações religiosas,
volvidas antes para a objetividade da vida terrestre, e pouco preocupados que
ordinariamente se mostravam com a eternidade
do futuro espiritual (4). Mas que admitiam a possibilidade de um retorno à Terra,
principalmente para certos vultos, como os profetas, por exemplo, é o que se
evidencia de mais de uma passagem do Evangelho.
(4) Bem limitadas deviam ser de fato as suas ambições
em tal sentido, quando a promessa do Decálogo, em troca da obediência filial, a
bem pouco se reduzia: "Honrarás a teu pai e a tua mãe, para teres uma dilatada
vida sobre a terra, que o Senhor teu Deus te há de dar." (Êxodo, XX, 12).
Refere com efeito Lucas (cap. IX,
vv. 7 a 9) :
"E chegou a Herodes Tetrarca a notícia de tudo o
que Jesus obrava, e ficou como suspenso; porque diziam uns: é João que ressurgiu
dos mortos; e outros: é Elias que apareceu; e outros: é um dos antigos Profetas
que ressuscitou; Então disse Herodes: eu mandei degolar a João; quem é, pois,
este, de quem eu ouço tais coisas ? E buscava ocasião de o ver. "
Não menos significativa é esta
variante, que Mateus refere (cap, XVI, vv. 13 a 16):
"E veio Jesus para as bandas de Cesareia de Filipe
e fez a seus discípulos esta pergunta, dizendo: Quem dizem os homens que é o
Filho do homem? Eles responderam: - Uns dizem que João Batista, mas outros que
Elias, e outros que Jeremias ou algum dos profetas.
"Disse-lhe Jesus: - E vós, quem
diz eis que sou eu? - Respondendo Simão Pedro, disse: -Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo. "
Mais expressiva, porém, é a seguinte
passagem, em que a possibilidade da reencarnação é pelos discípulos apresentada
como admissível mesmo para um indivíduo vulgar:
''E passando Jesus, viu um homem que era cego de
nascença. E seus discípulos lhe perguntaram: Mestre, que pecado fez este, ou
fizeram seus pais, para nascer cego?
"Respondeu Jesus: Nem foi por
pecado que ele fizesse, nem seus pais, mas foi para se manifestarem nele as
obras de Deus." (João, IX 1 a 30).
Como se vê, os discípulos admitiam
que o espírito daquele cego tivesse pecado antes de nascer e, por conseguinte,
numa existência anterior, sendo assim uma expiação a cegueira de nascença. E o
Cristo, longe de combater essa ideia, como o teria indubitavelmente feito, se errônea
ou desarrazoada, limita-se a explicar o que aos familiares da Revelação espirita
é sem dificuldade compreensível, isto é: que aquele homem era um dos espíritos
que haviam baixado à Terra, por aquele tempo, não em expiação de culpas do
passado, mas com a missão de colaborar na epopeia messiânica: estropeado, para
dar voluntariamente ensejo a que Jesus, curando-o, revelasse o seu poder, ou,
como Ele próprio o disse, "para se manifestarem as obras de Deus", em
cujo nome e da parte de quem tamanhas maravilhas operou.
Há, como se vê, nessa passagem, uma
tácita sanção do Divino Mestre à crença dos judeus na reencarnação. Eixo, entretanto,
que é dessa imensa engrenagem vital em que todos nós vivemos, princípio em cuja
órbita gravitam os sucessos de nossa vida, sem o qual careceria de possibilidade
a realização de nossos destinos de perfectibilidade indefinita, não poderia
limitar-se o Cristo o indiretamente consagrá-lo; cumpria-lhe prestigia-lo
abertamente, apresentando-o como uma das verdades capitais do seu ensino.
Foi o que fez, não somente numa das
vezes em que se referiu a João Batista, mas sobretudo quando procurado por um
dos mestres de Israel, desejoso de ouvir de seus misericordiosos
lábios a palavra de salvação e da verdade .
Falando de João "às
gentes", conforme a palavra do Evangelho, e depois de haver dado
testemunho de sua peregrina elevação espiritual, afirmando que "outro
maior não se levantara, dentre os nascidos de mulher", terminou com efeito
por dizer:
"porque todos os profetas, e a lei, até João, profetizaram.
E se vós o quereis bem compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir." (Mateus,
XI, 13 e 14).
Além dessa passagem, em que a figura
do Precursor é claramente indicada como a reencarnação do espírito de Elias, há
uma outra contendo idêntica alusão.
Acabava Jesus de se transfigurar no
cimo do Tabor, em presença dos três discípulos por que se fizera acompanhar,
para serem testemunhas de sua glorificação, e desciam do monte, quando, porventura
ainda sob o deslumbramento da visão espiritual que os transportara - refere o evangelista:
"Os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Pois
porque dizem os escribas que importa vir Elias primeiro?
"Mas ele, respondendo, lhes
disse: Elias certamente há de vir e restabelecerá todas as coisas. Digo-vos,
porém que Elias já veio e eles não o conheceram, antes fizeram dele quanto
quiseram.
Assim também o Filho do homem há de padecer às suas mãos.
"Então conheceram os discípulos
que de João Batista é que ele lhes falara." (Mateus, XVII, 10 a 13).
Como objetivação do ensino relativo à
reencarnação - força é convir - nada pode haver de mais formal. Mas foi
sobretudo na visita que recebeu de Nicodemos - um dos autores de Israel a que aludimos
- que teve ensejo o Divino Mestre de proclamar explicitamente a grande lei.
É assim que no-la descreve o
evangelista João (cap. III v. v. 1 a 7)
:
"Havia um homem dentre os fariseus, chamado Nicodemos,
principal entre os judeus. Este foi ter com Jesus de noite i'; lhe disse: Rabi, sabemos que és
Mestre, vindo da parte de Deus; pois
ninguém pode fazer estes milagres que tu fazes, se Deus não estiver com ele.
"Jesus lhe respondeu: Em
verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o
reino de Deus.
Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode
um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, entrar novamente no ventre de
sua mãe e nascer?
"Respondeu Jesus: Em verdade,
em verdade te digo que, se alguém não renascer da água e do Espírito (1) não
pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é
nascido do Espirito é espírito. Não te maravilhes de eu te dizer: Necessário vos
é nascer de novo."
(1) A tradução do Vulgata latina à
palavra "Espirito" acrescenta "Santo", ao passo que uma
edição moderna do Novo Testamento "traduzido segundo o original
grego", feita pelo American Bible Society, de New York (1910), e
cuidadosamente revista por uma grande com missão de competentes, diz simplesmente
"Espírito", sendo assim mais fiel e conforme à verdade. Por isso a
preferimos.
E porque, insistindo na singular
ignorância desse fato, cuja possibilidade era, como se viu, admitida pelo próprio
povo, inda que a não apreende-se mais que sob uma vaga e imprecisa forma,
interrogasse Nicodemos (v. 9): "como pode ser isso?" - não dissimulou
o Divino Mestre a estranheza, que semelhante ignorância provocava, e advertiu:
"Tu és mestre em Israel e não entendes estas coisas?"
Estranhável era, de fato, que tão
alheio se mostrasse a essa verdade fundamental quem, por suas funções eclesiásticas,
a não devera ignorar. Por isso mesmo foi que o Cristo, cuja clarividência
penetrava o recesso de todas as consciências, surpreendendo-lhes as sombras,
apenas abordado, se antecipou a transmitir-lhe-á, como o mais importante dos ensinos
para aquele que, intérprete e comentador da lei mosaica, tinha por encargo a
direção espiritual das multidões.
Foi sem duvida em atenção a essa
investidura, associada à circunstância de o ter espontaneamente procurado
Nicodemos e revelado, sem dissimulação, o desejo de ser esclarecido pelo
Mestre, que Jesus, sempre solicito em prodigalizar, dos tesouros de sua
sabedoria, o necessário a cada um, não se limitou a enunciar como imprescindível
condição para se entrar no reino de Deus, ou – o que é o mesmo - alcançar a
perfeição moral (2), a pluralidade de existências, mas completou o seu ensino
com esta sentença de admirável profundeza : "Se alguém não renascer da água
e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus."
(2) "O reino de Deus - disse Ele
- está dentro de vós." (Lucas, XVII, 21).
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