domingo, 18 de março de 2012

O Credo da Ciência



 O Credo da Ciência
           
            Meu caro amigo. Recebi tuas felicitações - muito obrigado.
         Atingi o "vértice da pirâmide" - dizes.
         Enchi de mil conhecimentos o espírito - é verdade.
         Cinge-me a fronte o laurel de doutor - sou acadêmico.
         Entretanto - não me iludo...
         Quase todo o humano saber - é crer...
         Nossa ciência - é fé.
         Creio no testamento dos historiadores - porque não presenciei o que referem.
         Creio na palavra dos químicos e físicos - porque admito que não se tenham enganado, nem me queiram enganar.
         Creio na autoridade dos matemáticos e astrônomos - porque não sei medir uma só das distâncias e trajetórias siderais.
         Tenho de crer em, quase todas as teses e hipóteses da ciência - porque ultrapassam os horizontes da minha capacidade de compreensão.
         Creio até nas coisas mais quotidianas - na matéria e na força que me circundam ...
         Creio em moléculas e átomos, em elétrons e prótons - que nunca vi ...
         Creio nas emanações do Rádio e nas partículas do Hélio - enigmas ultramicroscópicos.
         Creio no magnetismo e na eletricidade - esses mistérios de cada dia.
         Creio na gravitação dos corpos sidéreos - cuja natureza ignoro.
         Creio no princípio vital da planta e do animal - que ninguém sabe definir.
         Creio na própria alma - esse mistério dentro do Eu.
         Não te admires, meu amigo, de que eu, formado em ciências naturais, creia piamente em tudo isto ...
         Admira-te antes de que haja quem afirme só admitir o que compreende - depois de tantos atos de fé quotidiana.
         O que me espanta é que homens que vivem de atos de fé descreiam de Deus - "por motivos científicos".
         Homem! tu, que não compreendes o artefato - pretendes compreender o Artífice?
         Que Deus seria esse que em tua inteligência coubesse?
         Um mar que coubesse numa concha de molusco - ainda seria mar?
         Um universo encerrado num dedal - que nome mereceria?
         O Infinito circunscrito pelo finito - seria Infinito?
         Convence-te, ó homem, desta verdade: só há duas categorias de seres que estão dispensados de crer: - os da meia-noite - e o do meio-dia ...
         As trevas noturnas do irracional - e a luz meridiana da Divindade...
         O insciente - e o onisciente ...
         Aquele, por incapacidade absoluta - este, por absoluta perfeição ...
         O que oscila entre a treva total do insciente e a luz integral do onisciente - deve crer...
         Deve crer, porque a fé se move nesse mundo crepuscular, equidistante do vácuo e da plenitude, da meia- noite e do meio-dia ...
         Na semi luz matutina da racionalidade ...
         Creio - porque penso e ignoro.
         Creio, porque não sou insciente nem onisciente - mas semi-ciente. .. Creio porque não sou animal nem Deus - mas homem ...

Huberto Rohden
in “De  Alma para Alma” (Ed. União Cultural Editora 1956)





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