03/03 Melquisedec e Jesus
Zêus
Wantuil
Apêndice sob título ‘Docetismo’
in
“Elos Doutrinários” (FEB) 3ª Ed 1978
Opiniões
e hipóteses sobre Melquisedec -
Os antigos rabinos, a fim de explicarem a superioridade do rei de Salem sobre
Abraão, identificaram-no com Sem, antepassado do Patriarca e filho de Noé, o
qual, segundo seus cálculos cronológicos, ainda vivia na época do Pai das Nações.
É assim que no Targum, de Jerusalém, se lê: “Melquisedec, rei de Jerusalém, é
Sem, que era sumo-sacerdote do Altíssimo”; o Talmud e o Targum de Jônatas também
afirmam o mesmo.
Disse S. Jerônimo ter sido esta a
opinião dos judeus de sua época, e Santo Epifânio acrescentava que ela era igualmente
professada entre os samaritanos, ideia que este Padre refuta apoiando-se na cronologia
da Versão dos Setenta. Lutero e Melâncton aceitaram-na, porém, no século XVI.
Muitos outros judeus imaginaram que
o rei-sacerdote fora Henoch, ou Cam, ou Mesraim, ou Canaã, ou, então, Job.
Fílon, o judeu, filósofo do começo
do primeiro século, fala de Melquisedec como sendo “o Logos”.
Alguns livros apócrifos se referem
ao rei de Salem, a saber: “A Penitência de Adão” ou “O Testamento de Adão”; “A
fiel Sabedoria”, que apenas ligeiramente a ele se refere; o “Livro Etiópico de
Adão e Eva”. Em determinado ponto deste último livro, em que se descrevem fatos
da vida de Melquisedec, este é saudado pelo Espírito Santo como o “unigênito da
criação de Deus”.
Santo Atanásio, numa de suas
produções literárias, registra certas tradições existentes sobre a vida do
sacerdote. Segundo elas, toda a cidade de Salem, com exceção do monte Tabor
onde Melquisedec orava, desapareceu pela terra a dentro, que se abriu sob um
forte tremor. Só restou Melquisedec que, por isso, foi chamado sem pai, sem
mãe, sem família, não tendo o começo de seus dias nem o fim de sua vida.
No século III, dos Monarquianos ou
Teodocianos, seita fundada por Teodoto, o Banqueiro, derivou-se um ramo que,
baseando-se nas palavras dos Salmos “vós sois sacerdote, segundo a ordem de
Melquisedec”, nelas julgou ver uma razão peremptória contra a origem superior
de Jesus. Colhendo dados, no Velho e em o Novo Testamentos, que pudessem
estabelecer que Melquisedec devia ser colocado acima de Jesus, concluíram não
ser o rei de Salem um homem como os demais, que era superior ao próprio Jesus,
pois que este tivera princípio e morrera. Melquisedec, elevado então a primeiro
pontífice do sacerdócio eterno, tornou-se o objeto de culto daqueles homens,
erigido em o verdadeiro mediador entre os homens e Deus. Constituiu-se, assim,
a chamada seita dos Melquisedequianos.
É bom frisar que a tese da Epístola
aos Hebreus não é: Cristo superior a
Melquisedec, mas, sim, Cristo à semelhança de Melquisedec, e S. Tomás de
Aquino faz observar que o versículo dos Salmos não diz ser Melquisedec o
principal, e sim o tipo de um sacerdócio particular.
Sofreram os Melquisedequianos
anátemas dos bispos católicos, mas nada fazia cessar a pregação dessas ideias,
e eles continuaram, nos séculos IV e V, sustentando que o rei de Salem era como
que “uma força ou virtude de Deus”, mais excelsa que o próprio Cristo, assim se
exprime o bispo de Salamina num comentário contra eles.
Outro grupo ensinava que Melquisedec
fora o Filho de Deus, conforme se lê nas refutações de Santo Epifânio e Santo
Ambrósio.
Orígenes, o “homem de bronze e
diamante”, assim cognominado por sua tenacidade e vigor no trabalho e pela
lucidez inexcedível de seu espírito, juntamente com seu discípulo Dídimo, o
Cego, constituindo ambos duas grandes culturas das letras sagradas, admitiram
que Melquisedec houvera sido um anjo. S. Jerônimo, aluno de Dídimo, procurou
refutar esta ideia comumente rejeitada pelos teólogos católicos, ideia que,
segundo uma enciclopédia, não foi considerada como “herética”.
A maioria dos antigos Padres não
admitiram as diferentes hipóteses aventadas para a pessoa de Melquisedec e
davam-lhe caráter humano, e S. Jerônimo diz, mesmo, numa de suas Epístolas: “Consultei
a Hipólito, a Irineu, Eusébio de Cesaréia e Eusébio de Emesa, Apolinário e nosso
Eustáquio, e averiguei que todos eles, por argumentos diferentes e caminhos
diversos, chegaram à mesma conclusão, isto é, que Melquisedec fora um cananeu, rei
da cidade de Jerusalém, que então se chamava Salem.”
Surgiu, também, naqueles primeiros
séculos, um anônimo que, escudando-se na primeira Epístola de Paulo aos Coríntios,
a qual diz ter sido o primeiro homem terreno, nascido da terra, e o segundo
homem celeste, nascido do céu, desta passagem concluiu haver homens terrestres
e homens celestes. Como Paulo afirma que Melquisedec foi semelhante a Jesus, é
forçoso - expõe o autor desconhecido - que ele seja também um homem celeste. Isto
- prossegue o mesmo expositor, divagando mais além - permite que se explique o
estranho aparecimento dos três reis magos, de que tratam os Evangelhos. Como o
texto evangélico nada fala a respeito da vida deles, o autor anônimo pretendeu
então que os três reis magos foram três homens celestes, do céu, constituindo,
respectivamente, Melquisedec, Henoch e Elias.
Cerca do ano 600, Timóteo, o
presbítero de Constantinopla, no seu livro “De receptione Hoereticorum”, no fim
da lista dos heréticos que deveriam ser rebatizados, coloca os
Melquisedequianos, “agora chamados Athingani
(Intangíveis)”, acrescenta ele. Viveram os “intangíveis” na Frígia; guardavam o
sábado, mas não eram circuncidados. Tinham horror ao contato com os demais
homens e veneravam Melquisedec, e isto é o pouco que se sabe dessa curiosa
seita.
No século IX, diz uma das obras da
Bibliografia, distintos estudiosos pretenderam que Melquisedec fora o próprio
Jesus aparecido a Abraão sob a forma humana.
Jacques Auzoles Lapeire publicou em
1621, na cidade de Paris, um Tratado de 214 páginas a fim de estabelecer que “Melquisedec
está ainda hoje vivo em corpo e alma, se bem haja mais de 3.700 anos que deu
sua bênção a Abraão”. O autor - comenta o expositor católico - apoiando-se em
textos cujo sentido ele força, quis prova; que Melquisedec não havia tido pai,
nem mãe, porque “tinha sido engendrado por uma nova maneira de criação ou por
algum meio extraordinário que nos é desconhecido e ininterpretável”. Ainda
segundo este autor, Melquisedec havia sido criado antes de Adão e pertencera a uma
raça celeste bem superior àquela que reside na Terra.
Contrariando a aceitação em voga
sobre a existência real de Melquisedec, o Rev. Cheyne acha plausível a conjetura
de que seja uma entidade fictícia, imaginária, que talvez houvesse sido
introduzida na Bíblia por algum erro de escrita ou devido a uma nota marginal
feita por algum leitor anônimo.
Kaufmann, em “The Jewish
Encyclopedia”, contradiz Cheyne e, após discordar de que a história de Melquisedec
fosse “invenção ou produto de erro de algum copista”, afirma ser um fato real e
conservado por tradição. Com este autor concordam Rõsch, Hommel e Kittel, profundos
estudiosos da questão; este último pensa que “a balança da evidência pende em
favor do caráter histórico de Melquisedec”.
Atualmente, assiriólogos, em
pacientes estudos, encontraram traços de semelhança entre Melquisedec e um determinado
rei de Jerusalém chamado Ebed-Tob ou Abdi-Khiba, mas esses traços, por muito
vagos, não permitiram que se chegasse a alguma conclusão.
Apesar das especulações
interessantes e instrutivas que advêm da relação entre Melquisedec e Jesus,
aqui finalizamos essa dissertação, de um modo um tanto abrupto, pois já se vai
tornando longa. Sentimos não ter
satisfeito as possíveis indagações que surgirão à mente dos leitores; aliás,
nosso fito foi apenas apresentar humilde
colaboração ao programa de esclarecimento geral, sem quaisquer pretensões.
Que do Alto desça a Luz que nos leve
ao Caminho, à Verdade e à Vida.
Bibliografia
Enciclopedia
Universal Ilustrada (Espasa).
The Catholic Encyclopedia.
Dictionnaire de la Bible - Vigouroux.
A Dictionary of the Bible - J. Hastings.
Encyclopédie Théologique - M. L'Abbé Migne.
Encyclopoedia Biblica - Rev. Cheyne and Sutherland.
The
Jewish Encyclopedia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário