quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

14 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




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            O corpo, transitório agregado de átomos, efêmera condensação de gazes, se dispersa por ocasião da morte, voltando os seus elementos ao grande laboratório da natureza. O perispipírito, revestimento incorruptível, emigra para o meio que, por natureza, lhe é próprio, onde prossegue, em obediência à lei de evolução, e se não falham os raciocínios que antecedentemente formulamos, o seu processo de eterização, por sucessivas transformações moleculares. E o espírito, de que é inseparável?

            Os que o negam, interpretando-o como o conjunto das faculdades morais e intelectuais no homem, afirmam que tudo se extingue com o fenômeno da morte e que, portanto, a própria consciência individual se aniquila.

            Que quer dizer aniquilar-se? – A própria estrutura etimológica do vocábulo o indica: reduzir-se a nada, Mas que é o nada? Em filosofia, ainda se pode compreender essa expressão como correspondente, por um esforço mental de abstração, à fórmula metafísica, mas assim mesmo relativa, do não-ser (1). Em ciência, porém, ela não corresponde a ideia alguma concebível 'e está mesmo em desacordo com os princípios geralmente admitidos, entre os quais avulta o axioma formulado por Lavoisier, fundado na lei da conservação da matéria: "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma."

                (1) Vide cap. IX, adiante.

            Pois se o próprio átomo, segundo as recentes experiências de Gustave Le Bon, a que já nos referimos, não se aniquila (em que pese às suas conclusões em tal sentido), mas apenas se dissocia, sobe na escala evolutiva e passa a um estado de maior imponderabilidade, cujos extremos limites estão ainda longe de ser positivamente conhecidos, como se aniquilaria a unidade espiritual que constitui no homem o núcleo central de sua consciência?

            Se nos disserem que, sujeito à lei geral da evolução, também ele - o espirito - terá que padecer transformações que o conduzam, de progresso em progresso e sempre no sentido ascensional, a estados de consciência cada vez mais lúcidos, que abranjam uma percepção incessantemente mais profunda e extensa dos mistérios da vida universal, no duplo sentido da verdade e do bem, que é seu destino, nada teremos que, por nossa parte, objetar.

            Longe disso, ver-se-á, no capitulo em que tratamos da evolução geral dos seres e, particularmente, do espírito, que não somos infenso à ideia de periódicas metamorfoses, assim do principio como da entidade espiritual propriamente dita, embora a intervalos, que devemos supor, logicamente, milenários.

            Por agora, contudo, o que nos importa considerar é o destino imediato do espírito, após a peregrinação terrestre. Que é feito dele? - Transforma-se em nada - responde o materialismo científico.    

            Mas - insistiremos - o nada é simplesmente uma palavra, engendrada pela miopia intelectual ou pelo orgulho; para dissimular a ignorância relativamente ao destino ulterior dos seres, contra a qual, todavia, por sua completa ausência de significação e por não corresponder, como o dizemos, a ideia alguma concebível, se insurgem todas as realidades do universo em suas modalidades indestrutíveis e eternas, visíveis umas, invisíveis outras, desafiando, porém, sempre as pesquisas da inteligência e da razão.        

            E não é somente essa expectativa da vida exterior, em suas infinitas manifestações, que se insurge contra aquele absurdo conceito negativo, opondo-lhe o mais eloquente desmentido. Há no intimo de toda criatura uma voz secreta e irreprimível - reclamo do que se poderia com justeza denominar o instinto de imortalidade - que protesta contra a ideia de aniquilamento.

            O homem - pelo menos o homem normal, na plenitude de suas faculdades - não quer, mais ainda, sente que não deve, que não há de morrer inteiramente. Esses mesmos que, blasonando de espíritos fortes, afetam pelo problema da sobrevivência uma incredulidade ou indiferença, que a seus olhos os coloca sobranceiros em relação às massas ignaras, são, em verdade, mais arrogantes que sinceros.  Escutai-lhes o íntimo e lá encontrareis, associada à duvida, mal sopitada aspiração de imortalismo.

            Viver, mas sobretudo viver pelo pensamento e pelo coração; penetrar-se das magnificências da criação e perscrutar-lhe uma a uma as harmonias infinitas; assistir à gênese dos mundos, contemplar a epopeia majestosa da evolução dos seres e das coisas, do início ao apogeu e ao declínio, rumo de eterno recomeço, e, das vastidões da eternidade, inatingível e imortal poder o homem, convertido em espirito divino, presenciar o ocaso desses mundos e a formação de novos outros, na sucessão dos tempos infindáveis, e sempre mais vivo, sempre mais sábio e mais perfeito: - que gigantesco devaneio! dir-se-á.

            Mas se fosse verdade? Se essa recondita e, tantas vezes, ostensiva aspiração da consciência humana, que se traduz pelo horror à extinção e o anseio de perpetuidade, representasse, corno todos os instintos, uma voz do Alto, a expressão de uma lei natural, insculpida com caracteres indeléveis naquele santuário, não é verdade que o homem, no dia em que adquirisse tal certeza, entoaria o Magnificat e, numa deslumbrada visão, passaria a conceber a vida, o universo e o seu Autor através um prisma bem diferente do atual, santificador, além de tudo, da sua própria natureza?

            Pois bem, se a logica não falha e a razão é dada ao homem para a pesquisa das verdades transcendentes, inacessíveis à observação comum, havemos de,  na sucessão deste trabalho, abordar gradualmente aqueles cimos vertiginosos do destino humano. Por enquanto, forçoso é nos limitarmos a examinar até que ponto o instinto de imortalidade, que palpita em toda criatura, terá recebido a comprovação dos fatos.

            Trata-se assim de saber, antes de tudo, se, destruído o corpo físico pela morte, o espirito emigra e se transfere, com o seu corpo sutil e incorruptível, a um outro plano de existência. Deve ser esse, para nossas indagações, o ponto de partida.


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