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O corpo, transitório agregado de átomos,
efêmera condensação de gazes, se dispersa por ocasião da morte, voltando os
seus elementos ao grande laboratório da natureza. O perispipírito, revestimento
incorruptível, emigra para o meio que, por natureza, lhe é próprio, onde prossegue,
em obediência à lei de evolução, e se não falham os raciocínios que antecedentemente
formulamos, o seu processo de eterização, por sucessivas transformações moleculares.
E o espírito, de que é inseparável?
Os que o negam, interpretando-o como
o conjunto das faculdades morais e intelectuais no homem, afirmam que tudo se
extingue com o fenômeno da morte e que, portanto, a própria consciência
individual se aniquila.
Que quer dizer aniquilar-se? – A própria
estrutura etimológica do vocábulo o indica: reduzir-se a nada, Mas que é o
nada? Em filosofia, ainda se pode compreender essa expressão como correspondente,
por um esforço mental de abstração, à fórmula metafísica, mas assim mesmo
relativa, do não-ser (1). Em ciência, porém, ela não corresponde a ideia alguma
concebível 'e está mesmo em desacordo com os princípios geralmente admitidos,
entre os quais avulta o axioma formulado por Lavoisier, fundado na lei da
conservação da matéria: "nada se cria, nada se perde, tudo se
transforma."
(1) Vide cap. IX, adiante.
Pois se o próprio átomo, segundo as
recentes experiências de Gustave Le Bon, a que já nos referimos, não se
aniquila (em que pese às suas conclusões em tal sentido), mas apenas se
dissocia, sobe na escala evolutiva e passa a um estado de maior
imponderabilidade, cujos extremos limites estão ainda longe de ser
positivamente conhecidos, como se aniquilaria a unidade espiritual que constitui
no homem o núcleo central de sua consciência?
Se nos disserem que, sujeito à lei
geral da evolução, também ele - o espirito - terá que padecer transformações
que o conduzam, de progresso em progresso e sempre no sentido ascensional, a
estados de consciência cada vez mais lúcidos, que abranjam uma percepção
incessantemente mais profunda e extensa dos mistérios da vida universal, no
duplo sentido da verdade e do bem, que é seu destino, nada teremos que, por
nossa parte, objetar.
Longe disso, ver-se-á, no capitulo em
que tratamos da evolução geral dos seres e, particularmente, do espírito, que não
somos infenso à ideia de periódicas metamorfoses, assim do principio como da
entidade espiritual propriamente dita, embora a intervalos, que devemos supor, logicamente,
milenários.
Por agora, contudo, o que nos
importa considerar é o destino imediato do espírito, após a peregrinação terrestre.
Que é feito dele? - Transforma-se em nada - responde o materialismo científico.
Mas - insistiremos - o nada é
simplesmente uma palavra, engendrada pela miopia intelectual ou pelo orgulho;
para dissimular a ignorância relativamente ao destino ulterior dos seres,
contra a qual, todavia, por sua completa ausência de significação e por não
corresponder, como o dizemos, a ideia alguma concebível, se insurgem todas as
realidades do universo em suas modalidades indestrutíveis e eternas, visíveis
umas, invisíveis outras, desafiando, porém, sempre as pesquisas da inteligência
e da razão.
E não é somente essa expectativa da
vida exterior, em suas infinitas manifestações, que se insurge contra aquele absurdo
conceito negativo, opondo-lhe o mais eloquente desmentido. Há no intimo de toda
criatura uma voz secreta e irreprimível - reclamo do que se poderia com justeza
denominar o instinto de imortalidade - que protesta contra a ideia de aniquilamento.
O homem - pelo menos o homem normal,
na plenitude de suas faculdades - não quer, mais ainda, sente que não deve, que
não há de morrer inteiramente. Esses mesmos que, blasonando de espíritos
fortes, afetam pelo problema da sobrevivência uma incredulidade ou indiferença,
que a seus olhos os coloca sobranceiros em relação às massas ignaras, são, em
verdade, mais arrogantes que sinceros. Escutai-lhes o íntimo e lá encontrareis,
associada à duvida, mal sopitada aspiração de imortalismo.
Viver, mas sobretudo viver pelo
pensamento e pelo coração; penetrar-se das magnificências da criação e perscrutar-lhe
uma a uma as harmonias infinitas; assistir à gênese dos mundos, contemplar a
epopeia majestosa da evolução dos seres e das coisas, do início ao apogeu e ao declínio,
rumo de eterno recomeço, e, das vastidões da eternidade, inatingível e imortal
poder o homem, convertido em espirito divino, presenciar o ocaso desses mundos
e a formação de novos outros, na sucessão dos tempos infindáveis, e sempre mais
vivo, sempre mais sábio e mais perfeito: - que gigantesco devaneio! dir-se-á.
Mas se fosse verdade? Se essa
recondita e, tantas vezes, ostensiva aspiração da consciência humana, que se traduz
pelo horror à extinção e o anseio de perpetuidade, representasse, corno todos
os instintos, uma voz do Alto, a expressão de uma lei natural, insculpida com
caracteres indeléveis naquele santuário, não é verdade que o homem, no dia em
que adquirisse tal certeza, entoaria o Magnificat
e, numa deslumbrada visão, passaria a conceber a vida, o universo e o seu Autor
através um prisma bem diferente do atual, santificador, além de tudo, da sua própria
natureza?
Pois bem, se a logica não falha e a
razão é dada ao homem para a pesquisa das verdades transcendentes, inacessíveis à observação comum, havemos de, na sucessão deste trabalho, abordar
gradualmente aqueles cimos vertiginosos do destino humano. Por enquanto,
forçoso é nos limitarmos a examinar até que ponto o instinto de imortalidade,
que palpita em toda criatura, terá recebido a comprovação dos fatos.
Trata-se assim de saber, antes de
tudo, se, destruído o corpo físico pela morte, o espirito emigra e se
transfere, com o seu corpo sutil e incorruptível, a um outro plano de existência.
Deve ser esse, para nossas indagações, o ponto de partida.
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