sábado, 4 de fevereiro de 2012

08 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




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            Segundo esse resumo, que acabamos de reproduzir e que não é um conjunto de teorias fantasistas ou arbitrárias, senão o resultado de experiências consecutivas durante cerca de dezoito  anos, confirmando observações anteriormente feitas por numerosos observadores e acrescentando novas e mais importantes verificações, há no homem uma entidade psíquica, distinta do organismo físico, dotada não somente da possibilidade de se exteriorizar, com todos os caracteres de objetividade (1), mas possuindo um sentido próprio, tanto mais lucido e penetrante, quão mais completa é a anulação das percepções sensoriais pelo fenômeno do sono.

(1) O Doutor Baraduc, entre outros, conseguiu registrar na placa fotográfica 'corpo astral ou duplo etéreo dos vivos. Consultar sua obra L'ÂME HUMAINE, SES MOUVEMENTS, SES LUMIÊRES.

            Generalizamos propositalmente a afirmação da existência dessa entidade psíquica, com o seu sentido próprio, no homem e não apenas no sensitivo magnético, a que o preconceito de incredulidade - quem sabe? - a poderia exclusivamente atribuir como um acidente das práticas daquela natureza, porque de fato é nessa entidade que se operam as percepções extracorpóreas de todo indivíduo adormecido, não havendo entre o sono ordinário e o sono magnético mais que uma diferença de graus.  

            Que são, com efeito, não os sonhos vulgares, meramente cerebrais e incoerentes, produto do subconsciente inferior, segundo a classificação do doutor Gustave Geley, mas os sonhos lúcidos, atestando, às vezes uma antevisão do futuro, com a percepção de cenas e objetos, cuja exatidão, mais tarde, vem a ser verificada (2), senão a prova de que ou alma, ou a entidade psíquica do homem, se exterioriza durante o repouso dos órgãos e se transporta à distancia e exerce, pelo menos, a visão com lucidez muito maior (3)?

            (2) Ver cap . VII, adiante.     

                (3) O desdobramento do ser humano em seu corpo astral não se dá, ao demais, unicamente nesse caso. Ha inúmeras observações colhidas pela Sociedade de Investigações Psíquicas de Londres e registradas em seus PROCEEDINGS, que atestam a frequência e multiplicidade das aparições de vivos à distancia. É  o que se pode também ver na obra dos sábios ingleses Gurney, Myers e Podmore, THE PHANTASMS OF THE LIVING, na de C. Flammarion, L'INCONNU ET LES PROBLEMES PSYCHIQUES e na de G. DeIanne, LES APPARITIONS MATÉRIALiSÉES DES VIVANTS ET DES MORTS.

            Nas práticas do magnetismo ha apenas a vantagem de se poder observar, experimentalmente, essa entidade em seu gradual e sucessivo desdobramento e em suas relações, cada vez mais atenuadas, com o corpo adormecido, que se apresenta qual realmente é: o envoltório denso, em que todas as percepções se restringem e amortecem, das quais portanto. não é a sede, senão o transmissor ou veículo, que põe a alma em relação com o meio exterior, tangível, isto é, da sua mesma natureza.

            Fora, entretanto, das experiências magnéticas, casos há em que certos indivíduos em perfeito estado de vigília  conseguem, ludibriando as restrições dos órgãos dos sentidos, entrar, momentaneamente embora, na posse do sentido psíquico e perceber cenas e fatos no mesmo instante passados a distancia. É o que se chama dupla vista.

            Posto que raro e com um caráter de espontaneidade e intermitência que não permite ao individuo a sua voluntaria obtenção, esse fenômeno contudo é dos mais significativos e próprio a fazer admitir que aquela faculdade, supranormal sem duvida, mas puramente humana, exista latente em todas as criaturas. Sufocada pelo excesso de materialidade de que ainda em nossa espécie predomina, constituirá um dia o apanágio de toda a humanidade, correspondendo a um grau maior de espiritualização a que ela está destinada a se elevar, talvez em breve tempo, obediente à lei de evolução.

            Entre os exemplos mais notáveis desse gênero cumpre recordar o caso de Swedenborg, o iluminado reformador sueco que, estando uma noite em Estocolmo, viu e descreveu com admirável precisão, em todas as suas fases, um Incêndio que ocorria, na mesma hora, a muitas léguas de distancia.

            Outro caso célebre é o de Apolônio de Tirana, ocorrido quando esse eminente filósofo se refugiara em Éfeso, para escapar às perseguições do cruel imperador Domiciano.

            Um dia em que ele ensinava na praça publica, seus discípulos o viram de repente 'interromper-se e gritar em tom vibrante: " Coragem! Fere o tirano!" Ficou silencioso ainda alguns momentos, na atitude de quem espera com ansiedade, e prosseguiu : "Ficai tranquilos, efésios! O tirano já não existe. Acaba de ser assassinado." Alguns dias depois veio a saber-se que no momento em que Apolônio assim falava, Domiciano caía sob o punhal de um liberto (1).

            (1) Ver Gabriel Delanne, LE SPIRITISME DEVANT LA SCIENCE, pág. 87.

            A esses exemplos temos a satisfação de poder acrescentar um outro, inteiramente original, ocorrido com um dos .ascendentes de nossa família.

            O Dr. Francisco de Souza Cirne Lima (avô de minha mulher) era casado em segundas núpcias com uma formosa senhora, em quem às mais nobres virtudes de coração e a um temperamento extremamente calmo, se associava a posse daquele precioso dom da dupla visão.  

            Era tão frequente ela anunciar previamente ao marido o falecimento, ora de um parente, ora de um amigo ou conhecido, "por te-lo visto aparecer-lhe " (1), que ele, ao começo dubitativo, posto que sempre tomasse nota do aviso, que 'era mais tarde invariavelmente confirmado, terminara por se habituar a essa, aparentemente inexplicável singularidade.

            (1) Esse fenômeno deve ser antes compreendido na categoria da vidência mediúnica. O que passamos, porém, a referir é caracterizadamente de dupla vista.

            Em 1861 exercia ele o cargo de juiz de direito de Santo Antônio da Patrulha, no Estado, então província, do Rio Grande do Sul, quando uma tarde sua esposa lhe veio dizer :

            - Sabes quem faleceu? Nosso compadre, o Deão Chagas. Acabo de ver passar o seu enterro.

            E descreveu minuciosamente o cortejo fúnebre, com todo o cerimonial eclesiástico, irmandades com cruzes alçadas, etc., que em estado normal, de completa vigília e no gozo de suas faculdades, que tinha perfeitamente equilibradas, ela acabara de ver desfilar ante a sua vista psíquica.

            O marido tomou nota do dia e hora desse aviso, o mais característico de todos, e, decorridas umas três semanas, ao receber os jornais de Pernambuco - era ali que residia o cônego (2) Chagas - viu fielmente confirmada, pela descrição do enterro, a singular visão, assim exercida instantaneamente a uma distância de cerca de 600 léguas, que tantas são, aproximadamente, as que medeiam entre o Rio Grande do Sul e Pernambuco.

            Por inexplicável que, no estado atual dos conhecimentos humanos, pareça esse fenômeno, ele serve em todo caso para demonstrar inda uma vez quão deficientes são as noções que possuímos acerca do tempo e do espaço, mera relatividade a que a limitação dos nossos sentidos se escraviza mas que cessam de existir para a entidade psíquica, uma vez integrada na posse da faculdade que lhe é peculiar.

               (2) Não sabemos se era bem essa a sua dignidade eclesiástica. De todo modo, porém, era ele o Deão da Sé de Olinda.

            Se para o caso da dupla vista essa integração se opera com o caráter, que  indicamos, de fugacidade e intermitência, à revelia da vontade do percipiente, não é impossível, entretanto, submete-la a regras que a normalizem, imprimindo-lhe um cunho, por assim dizer, de estabilidade, ou pelo menos de volitiva regularidade funcional.

            É o que se dá com a psicometria.







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