sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

04 / 04 Anchieta



04/04
 José de Anchieta
1553 – 13 de Julho – 1953

por Almerindo Martins de Castro


inReformador’ (FEB) Agosto 1953

            Em 1578, o provincial da Companhia o levou, por insistência, à Bahia, centro mor da Ordem, onde alguns padre ciosos das boas aparências e do prestígio social que o Colégio dali conseguira, em evidência e brilho, não podiam acolher com agrado aquela figura minúscula e desgraciosa, com a sua batina poída.

            O padre que o recebeu, ao olhá-lo, pensou: Que irá fazer esse camarada aqui ? Anchieta, mediunicamente, ouviu o pensamento do outro, e, abraçando-o, a rir, respondeu: "Você tem  razão, meu irmão; de que valho eu, com esta cara e este corpo?”

            Foi nomeado reitor, mas o Colégio apelou para o tipo desfavorável do escolhido, e Anchieta, ue não desejava postos de comando, rumou  para a Ilha de Itaparica, na função de simples missionário. O provincial, porém, não se conformou, e ordenou-lhe regressasse à Capital, e, em presença toda a Comunidade, Ihe transferiu os poderes de provincial, ficando assim sob a autoridade do humilde e grandioso corcunda, a jurisdição da Ordem dos Jesuítas no Brasil, desde Olinda (Pernambuco) ao Tietê (S. Paulo).

            E não houve administração mais séria, nem de maior valor, isso até 1585, quando a saúde não lhe permitiu atender às obrigações de tão espinhoso cargo, e regressou ao Rio de Janeiro,    de – fundador de onde foi mandado repousar na aldeia de Reritiba, no Espírito Santo. Mas, ainda assim, trabalhou, ensinando e escrevendo, e dali mais uma vez o tiraram, em grande estado de debilidade, para regressar à Vila, onde, o superior dizia necessitar dos seus conselhos e labores. E não podiam os contemporâneos prescindir de, tal colaboração.

            Os feitos da sua mediunidade, em todos os sentidos, em chamados milagres, davam-lhe fama em qualquer dos pontos onde podiam chegar, notícias da sua personalidade, e os próprios índios, mesmo os que não o conheciam, nem haviam assistido aos seus prodígios, tinham por grande respeito e consideravam-no enviado do céu, um pajé - como chamavam os profetas,  profetas da tribo - mas superior a estes - ,o pajé maior - que os dos índios não eram capazes de realizar ou predizer.

            Essa admiração e quase culto, essa influência dominadora de almas, aliada ao efeito da palavra evangelizadora e aos encantos das cerimônias rituais, tiveram grande fundamento na austeridade casta de José de Anchieta, apanágio da sua mediunidade altíssima. Era do uso nas tribos o pajé oferecer aos hóspedes ilustres as  mais formosas donzelas, às  vezes, as próprias filhas. E Anchieta sempre as recusou, explicando que a sua missão ali era mostrar os poderes de Deus, sem se fundir em: gozos, deixando, por isso, pasmos os selvícolas, que não podiam compreender essa força espiritual que galvanizava a natureza animal que vive em cada criatura humana.

            E tinham razão; porque, ainda hoje; fora do conhecimento seguro das forças espirituais, é difícil compreender que um homem, no vigor, pleno da sua mocidade, rodeado de grosseiras  cenas excitantes, de amores clandestinos, até por parte de padres, enfrentando mulheres todas nuas, atuado pelo ambiente tropical da terra, resistisse; impávido, inacessível a pensamentos materialões, conservando sempre a fronte mergulhada nas fronteiras da espiritualidade.

            Mas, a afanosa existência nem sempre lhe foi de serenidades espirituais, porque as lutas entre as tribos rivais, não raro equipadas e dirigidas por estrangeiros, que pretendiam o domínio colonial exercido pelos Portugueses, muito e muito o angustiavam além da escravidão dos índios, largamente praticada, com acréscimo de torturas e dizimação. E isso porque a sua insondável piedade também fulgia para os sofredores, e o testemunho ele nos legou, ao fundar humilde abrigo para enfermos, o qual com o decurso do tempo, se transformou no que hoje se chama -- Santa Casa da Misericórdia, onde uma estátua lhe perpetua a memória de - fundador.

            A sua abnegação ao serviço da paz e da fraternidade dos selvícolas o levou muitas, vezes a intermediar entendimentos no sentido de extinguir as rivalidades, os ódios pueris, as intrigas insidiosas que faziam dos índios – todos Brasileiros - inimigos mútuos e permanentes.

            Dessas verdadeiras missões devia ficar perpetuada na memória do futuro a que exerceu na ilha de, Iperoig, onde ficou, sozinho, na qualidade de refém, em garantia de pazes, de cuja sinceridade e conclusão os índios duvidavam. Foi então que, sobrepondo o seu Espírito aos perigos, inclusive ,ameaça de morte que lhe fizeram, eclodiu em lavas de luz o vulcão de primores do seu gênio, que ainda não tivera chegado tempo de entrar em erupção

            Passeando nas desertas praias, começou a compor esse monumento de poesia religiosa, que dedicou à Virgem Maria - De Beata Virgine  - constituído de 5.700 versos. Sem papel, nem tinta, nem elemento que lhe permitisse escrever, ele, o excelso médium, para esculpir Indeléveis na memória, com auxílio de uma haste traçava os versos na areia da praia, e assim os fixava na prodigiosa retentiva mental, até que,' restituído  à convivência do seu cubículo, os pudesse legar definitivos à posteridade.

            Assombra, atoniza, a extensão erudita desse Espírito. Exilou-se adolescente da Europa; viveu, até encanecer, num rude labor nas selvas; separou-se das bibliotecas e das leituras; mas., o seu estupendo poema, que é a vida de Maria e do Cristo, evocando a Bíblia, revela profundo e seguro conhecimento dos clássicos religiosos e dos monumentos poéticos de então, inclusive Ovídio, e Virgílio, sem esquecer, delicadíssimas composições poéticas que escreveu, em castelhano, reveladoras do seu engenho literário embora ungido do quase exclusivismo religioso.

            No grande firmamento da vida Brasileira, José de Anchieta foi uma aurora boreal do pensamento, polarizando os átomos luminosos da divindade, para iluminar, na madrugada da nova Pátria, a treva espiritual daqueles índios inscientes da Verdade.

            Ele construiu, ao término da jornada, a grande escadaria, subindo e argamassando, um a um, os degraus da ascese, para, do cimo, contemplar a estrada percorrida. E a incoercível poeira destruidora, que os séculos acumulam sobre os monumentos do passado, soterrou a lembrança e os feitos desse grande e nobre taumaturgo, até que, escavando os lençóis de esquecimento estratificados sobre a memória dos verdadeiros fundadores do Brasil civilizado, possível for avistar, no ápice em que adormeceram esses alicerçadores, a sombra imortal desse médium ímpar, que, dando ao chão Brasileiro apenas o frágil corpo, legou à História Pátria  os testemunhos de que Deus mandou ao solo dos Guaranis um emissário para gravar  nas almas dos primitivos filhos desta terra a trilogia do seu futuro: DeusPátriaFamília.


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