Sacrifício
Diante de várias circunstâncias da vida, o homem, ferido em seu orgulho, ferreteado na sua vaidade, desejando forrar-se das consequências naturais de seus atos ou desafiado a reorganizar o seu pretérito, no auge de procelas amargurosas ou decepções diversas, poderá imprudentemente - acercar-se dos abismos tenebrosos do suicídio.
Desconhecendo a vivência dos mais rudimentares princípios religiosos, embora muitas vezes possa trazer a inteligência envernizada pelas mais diferentes doutrinas de fé - julga que a autodestruição física seja fuga ao problema, a saída menos vergonhosa de questões aparentemente insolventes ou uma resposta ao vazio de sua alma.
Ignora, em verdade, o grande heroísmo de prosseguir existindo, suportando, com auxílio inegável da Espiritualidade Maior, as questões que o aturdem, que o colocam frente a frente com o chamado desconhecido.
Desajuste amargoso!
Todo suicida tem, diante de si, mal transpostos os umbrais da carne, a vida mais intensa e mais definida, com a soma de problemas não solucionados, de dívidas não resgatadas, da paisagem do amor não recomposta.
Pais que abandonaram o cotidiano, atribulados pela fome e pela dor de seus familiares, são levados a vê-los na multiplicação de suas agruras e sem esperanças de dias melhores, já que foram apressadamente abandonados pelos que comandavam o leme de suas embarcações nos mares agitados do mundo.
Mães que se refugiam, em a noite do suicídio, anotarão os filhos perecendo à míngua, não raro socorridos fisicamente, vestidos e alimentados pela piedade cristã, mas que se sufocam espiritualmente na ausência do amor maior.
Supostos heróis da opinião pública desertarão da ribalta de sua tarefa, em praça pública, num gesto de vaidade enlouquecedora ou num fanatismo doloroso e, logo mais, descobrirão que a Lei da Espiritualidade é viver, viver para o bem de todos, sem jamais desertar do trabalho humilde e persistente, porque os seus tutelados chorarão, por certo, a ausência da inspiração do verbo terreno.
Suicídio é aviltamento à obra Divina.
A auto destruição não se justifica jamais, mesmo que arrolemos a falsa argumentação de nossa literatura ou que desfilemos a lógica humana, ditada por uma razão seriamente compromissada com os ideais do egoísmo e do orgulho.
Para um general, maior importância terá um soldado que não abandona postos sacrificiais, que um oficial que, num grandiloquente rasgo, deserta das fronteiras de lutas.
Assim também com Jesus.
Mais vale a humildade operante, que a vaidade ferida.
Cuidemos, pois, da vigilância e da oração, para que não sejamos confundidos pelos desejos deste mundo em transição, onde tantas almas de impulsos primitivistas malbaratam o tesouro reencarnatório em festins de loucura e fantasia.
Roque Jacintho
in “Reformador” (FEB) Janeiro 1970
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