Ismael
A propósito dos doestos de gratuitos rivais que o combatiam e tentavam suplantá-lo, criticando-lhe, inclusive, o método de ação "muito lento ou muito rápido", Allan Kardec escreveu, em memorável artigo, transcrito no livro "Obras Póstumas" (FEB, 16ª ed., p. 253), as seguintes palavras significativas:
“Insta não perder de vista que estamos num momento de transição e que nenhuma transição se opera sem conflito. Ninguém, pois, deve espantar-se de que certas paixões se agitem, por efeito de ambições malogradas, de interesses feridos, de pretensões frustradas. Pouco a pouco, porém, tudo isso se extingue, a febre se abranda, os homens passam e as novas ideias permanecem."
E acrescentou, num outro artigo (ob. cit., p. 347):
"Uma questão que desde logo se apresenta é a dos cismas que poderão nascer no seio da Doutrina. Estará preservado deles o Espiritismo? Não, certamente, porque terá, sobretudo no começo, de lutar contra as ideias pessoais, sempre absolutas, tenazes, refratárias a se amalgamarem com as ideias dos demais; e contra a ambição dos que, a despeito de tudo, se empenham por ligar seus nomes a uma inovação qualquer; dos que criam novidades só para poderem dizer que não pensam ou agem como os outros, pois lhes sofre o amor-próprio por ocuparem uma posição secundária."
E escreveu mais (ob. cit., p. 368):
"Dizer-se alguém espírita, mesmo espírita convicto, não indica, pois, de modo algum, a medida da crença; essa palavra exprime muito, com relação a uns, e muito pouco, relativamente a Outros. Uma assembleia para a qual se convocassem todos os que se dizem espíritas apresentaria um amálgama de opiniões divergentes, que não poderiam assimilar-se reciprocamente, e nada de sério chegaria a realizar, sem falar dos interessados em suscitarem no seu seio as discussões a que ela abrisse ensejo."
O que aconteceu com Kardec, acontece com a FEB. Alguns gostariam de vê-Ia lançar-se acelerada e temerariamente ao porvir; outros prefeririam contemplá-Ia de costas para o futuro. Há quem a acoime de isolacionista e indiferente; e há quem julgue descobrir, na sua ação moderada e firme, desejos inconfessáveis de açambarcadora hegemonia. Quereriam uns que fosse ela uma Casa anárquica e indisciplinada, a troco de ser de todos; outros a veriam melhor se ela se retirasse a inacessível e silenciosa torre de marfim. A FEB, porém, vigia e opera, lembrada da lição de Jesus a Pedra, quando este lhe veio dizer, arrebatado: "Mestre, chamaram-vos servo de Satanás e reagimos prontamente!" Então, Jesus lhe asseverou que “a melhor réplica é sempre a do nosso próprio trabalho, do esforço útil que nos seja possível". E acrescentou: "De que serviriam as longas discussões públicas, inçadas de doestos e zombarias? Ao termo de todas elas, teríamos apenas menores probabilidades para o triunfo glorioso do amor e maiores motivos para a separatividade e odiosas dissensões. ( ... ) Nas ilusões que as criaturas da Terra inventaram para a sua própria vida, nem sempre constitui bom atestado de nossa conduta o falarem todos bem de nós, indistintamente. Agradar a todos é marchar pelo caminho largo, onde estão as mentiras da convenção. Servir a Deus é tarefa que deve estar acima de tudo e, 'Por vezes, nesse serviço divino, é natural que desagrademos aos mesquinhos interesses humanos." ("Boa Nova", de F. C. Xavier, pelo Espírito Humberto de Campos, FEB, 1H ed., pp. 70 e 71.)
Desde que o anjo do Brasil “escolheu as reservas preciosas da Federação e assentou, dentro dela, a sua tenda de trabalho espiritual", vem sendo a FEB o "porto luminoso de todas as esperanças, entre o Grupo Ismael, que constitui o seu santuário de ligação com os trabalhadores do Infinito, e a Assistência aos Necessitados, que a vincula, na Terra, a todos os corações infortunados e sofredores". ("Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", de F. C. Xavier, pelo Espírito H. de Campos, FEB, 9ª ed., pp. 221 e 222.) Ela sabe que "a tarefa é vagarosa, mas, de outra forma, seria a destruição e o esforço insensato" (ob. cit., p. 230), mas está tranquila, porque "podem as inquietações da Terra separar, muitas vezes, os trabalhadores humanos no seu terreno de ação; mas a sociedade benemérita, onde se ergue a flâmula luminosa - "Deus, Cristo e Caridade" - permanece no seu porto de paz e de esclarecimento. A sua organização federativa é o programa ideal da Doutrina no Brasil, quando chegar a ser integralmente compreendido por todas as agremiações de estudos evangélicos, no país. A realidade é que, considerada às vezes como excessivamente conservadora, pela inquietação do século, a respeitável e antiga instituição é, até hoje, a depositária e diretora de todas as atividades evangélicas da Pátria do Cruzeiro". (Ob. cit., pp. 222 e 223.)
Por isso, a FEB resguarda, prudentemente, em sua estrutura orgânica, certos dispositivos defensivos do seu patrimônio espiritual, que nem sempre são por todos compreendidos, mas que se justificam amplamente, como, por exemplo, a competência privativa de seu Presidente para falar por ela e o direito exclusivo de representação do Movimento Espírita Brasileiro, no exterior. O programa da FEB, em lento mas seguro desenvolvimento, através do tempo, é o programa de Ismael e pertence ao próprio Cristo. Não temos nenhum direito de alterá-lo, segundo as nossas idiossincrasias pessoais. Temos apenas o dever sagrado de cumprí-Io.
Editorial “Reformador” (FEB) Dezembro 1977
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