Emmanuel,
Historiógrafo do Evangelho
“... determinou (o Pai Supremo) que Jesus Cristo nascesse ao pé dos animais, num leito de chão, desvinculado de todos os compromissos da Terra, para que a Revelação da Eterna Verdade não ficasse escravizada a alguém.”
(“O Nascimento de Jesus”, de Irmão X, por Francisco Cândido Xavier, “Reformador”, dez. 1967, pág. 267)
“Relembrava (Maria) o seu Jesus pequenino, como naquela noite de beleza prodigiosa, em que o recebera nos braços maternais, iluminado pelo mais doce mistério.” “E João consolidava o conceito, acentuando que o mundo lhe seria eternamente grato (a Maria), pois fora pela sua grandeza espiritual que o Emissário de Deus pudera penetrar a atmosfera escura e pestilenta do mundo para balsamizar os sofrimentos da criatura.”
(“Boa Nova”, Espírito Humberto de Campos, por Francisco Cândido Xavier, 10ª Ed. FEB, págs. 190, 191 e 1983)
“É curioso notar que o próprio Cristo, em sua imersão nos fluidos terrestres, não cogitou de qualquer problema inoportuno ou inadequado.”
(“Roteiro”, de Emmanuel, por Francisco Cândido Xavier, 3ª Ed. FEB, pág. 100)
“Paulo de Tarso interessou-se pelas suas narrativas cariciosas, a respeito da noite do nascimento do Mestre...”
(“Paulo e Estevão”, de Emmanuel, por Francisco Cândido Xavier, 9ª Ed. FEB, pág. 433)
“O Eleito é aquele que se elevou para Deus em linha reta, sem as quedas que nos são comuns, sendo justo afirmar que o orbe terrestre só viu um eleito, que é Jesus Cristo.”
(“O Consolador”, de Emmanuel, por Francisco Cândido Xavier, 5ª Ed. FEB, pág. 155)
“Prevendo isto, falou da ressurreição do Cristo: ele não foi abandonado na região dos mortos, e sua carne não conheceu a corrupção.”
(Palavras do Apóstolo Pedro, repetindo Davi, ao comentar o fenômeno xenoglóssico do Pentecostes, imediatamente após sua ocorrência – Atos, 2:31.)
“O que era impossível à Lei, visto que a carne a tornava impotente, Deus o fez. Enviando, por causa do pecado, o seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado, condenou o pecado na carne.”
(Paulo, Romanos, 8:3)
(Os grifos são do compilador)
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Emmanuel, O ESPÍRITO AMOROSO e sábio, que tantas obras nos têm medianimicamente transmitido do Alto, ao mesmo tempo em que comanda o programa de difusão do Espiritismo pelo livro, revela-se, ele próprio, um incansável popularizador do conhecimento espiritual, dos segredos da alma e de sua destinação dentro das leis invioláveis do carma.
Profundo conhecedor da psicologia humana, senhor dos mistérios do psiquismo, sua mente abrange extensa gama de fatos ocorridos, por conhecê-los intimamente, e não apenas do ponto de vista das humanas e fragmentárias apreciações. Cultura sedimentada nas verdades do Infinito, sentimento sublimado nas veredas cristãs, inteligência versatilizada nas ásperas experiências evolutivas, ele instrui e encanta, educa e enternece, edifica e consola na sua linguagem singela e arrebatadora, mansa e persuasiva, plena de espiritualidade e beleza,
Seus famosos romances não são ficção para preencher os dias da ociosidade humana ou tentativas para a obtenção da estima da terra, em forma de galardão nas vitrinas da glória transitória. São histórias vivas que sempre esclarecem, completam, suprem ou corrigem a própria História. Na tarefa a que se propôs, nos romances em que história a História, ele valoriza as horas da criatura terrena, por fornecer-lhe conhecimentos edificantes destinados ao lazer e ao estudo, à orientação do trabalho construtivo e à sublimação do Espírito, sem fazer ou acobertar estórias. Nas suas narrativas, Emmanuel mostra tudo ao vivo, encaminhando ao leitor, sob sua firme direção, a mergulhos vertiginosos, de séculos e milênios no passado, restaurando civilizações mortas que os arquivos da Eternidade preservam, além do Espaço e do Tempo.
Emmanuel, em algumas de suas obras, é também personagem integrante das histórias romanceadas. E com relação ao Cristianismo, devemos lembrar ter ele vivido no cenário mesmo dos fatos: conheceu pessoalmente o Mestre, seus amigos e inimigos, rebelou-se contra a influência do Senhor junto ao próprio lar, teve uma filha leprosa curada por Jesus, presenciou o “julgamento” do Messias, opinou no curso mesmo do “processo”, esforçando-se para libertá-lo, teve a esposa sacrificada no circo romano e tornou-se, por sua vez, cristão. Em “Há 2.000 Anos” e “50 Anos Depois”, dois valiosos romances seus, o leitor encontrará, sobre vidas pregressas de Emmanuel, o que num simples artigo não é possível examinar.
Neste trabalho, apoiado nos livros “Paulo e Estevão” e “A Caminho da Luz”, com auxílio de outros escritos mediúnicos, desejamos incursionar na época apostólica, retroagindo ao século I, nas observações e estudos das escrituras do Novo Testamento, recordando episódios, personagens notáveis da igreja primitiva, problemas do movimento cristão, manifestações transcendentes das Altas Esferas Espirituais, a orientação básica do Cristianismo quanto ao programa evangelizador e a figura ímpar do seu Divino Fundador.
Em artigos anteriores, e melhormente outros companheiros têm-no feito, estribados inclusive em Emmanuel, que não cabem evasivas no concernente ao espírito das escrituras. Em “A Caminho da Luz”, páginas 124/5, o autor nos diz que “os cristãos mais destacados trocam, entre si, cartas de alto valor doutrinário para as diversas igrejas. São mensagens de fraternidade e de amor, que a posteridade muita vez não pode ou não quis compreender. Muitas escolas literárias se formaram nos últimos séculos, dentro da crítica histórica, para o estudo e elucidação desses documentos. A palavra “apócrifo” generalizou-se como o espantalho de todo o mundo. Histórias numerosas foram escritas. Hipóteses numerosas foram aventadas, mas os sábios materialistas, no estudo das ideias religiosas, não puderam sentir que a intuição está acima da razão e, ainda uma vez, falharam, em sua maioria, na exposição dos princípios e na apresentação das grandes figuras do Cristianismo.” “A opinião geral rodopiará em torno do crítico mais eminente, segundo as convenções. Todavia, a autoridade literária não poderá apresentar a equação matemática do assunto.”
1. A Missão de Paulo de Tarso
O que Emmanuel nos informa, no seu “A Caminho da Luz”, págs.125/6, constitui elemento elucidativo essencial à plena compreensão de todo o processo histórico da expansão da Doutrina Cristã e do seu entendimento íntimo no movimento apostólico: “No trabalho de redação dos Evangelhos, que constituem, sem dúvida, o portentoso alicerce do Cristianismo, verificavam-se, nessa época, algumas dificuldades para que se lhes desse o caráter universalista.
Todos os Apóstolos do Mestre haviam saído de teatro humilde de seus gloriosos ensinamentos; mas, se esses pecadores valorosos eram elevados Espíritos em missão, precisamos considerar que eles estavam muito longe da situação de espiritualidade do Mestre, sofrendo as influências do meio a que foram conduzidos. Tão logo se verificou o regresso do Cordeiro às regiões da Luz, a comunidade cristã, de modo geral, começou a sofrer a influência do judaísmo, e quase todos os núcleos organizados, da doutrina, pretenderam guardar feição aristocrática, em face das novas igrejas e associações que se fundavam nos mais diversos pontos do mundo. É então que Jesus resolve chamar o espírito luminoso e enérgico de Paulo de Tarso ao exercício do seu ministério. Essa deliberação foi um acontecimento dos mais significativos na história do Cristianismo. As ações e as epístolas de Paulo tornam-se poderoso elemento de universalização da nova doutrina. De cidade em cidade, de igreja em igreja, o convertido de Damasco, com o seu enorme prestígio, fala do Mestre, inflamando os corações. A princípio, estabelece-se entre eles e os demais Apóstolos uma pequena situação de incompreensibilidade, mas sua influência providencial teve por fim evitar uma aristocracia injustificável dentro da comunidade cristã, nos seus tempos inesquecíveis de simplicidade e pureza.”
As razões e os métodos de Senhor são insondáveis para nós. Se os apóstolos de Jesus jamais imaginaram que as soluções para a universalização do movimento cristão e para a unificação (não confundir com uniformização) redacional dos Evangelhos viriam, por determinação direta e pessoal do Cristo, precisamente através do seu maior inimigo e tenaz perseguidor, convocado quando em plena tarefa combativa, em demanda de Damasco para prender Ananias, como podemos nós outros, espiritualmente tão distanciados deles, pretender antepor caprichos individuais às supremas diretrizes?
2. As Epístolas. A Epístola aos Hebreus
Emmanuel nos esclarece, na obra “Paulo e Estevão”, praticamente sobre cada detalhe dos principais lances da epopeia do Cristianismo apostólico, clarificando as dúvidas que fora dos meios espíritas ainda perduram nos estudos, na pesquisa escriturística e na documentação arqueológica analisada até os nossos dias.
À altura da pág. 425, Paulo está apreensivo, pois em que pese à sua operosidade e obstinação na visita a todas as igrejas e na criação de novas, as dificuldades e os desentendimentos retornam ou recrudescem, e as notícias que recebe são desconcertantes. “Aos poucos compreendeu que não bastava enviar emissários.” Durante suas meditações, “teve a impressão nítida de que recebia a visita de Senhor”. “Dizia a voz: prossegue ensinando a verdade e não te cales, porque estou contigo.” “É natural que não possas assistir pessoalmente a todos, ao mesmo tempo. Mas é possível a todos satisfazeres, simultaneamente, pelos poderes do espírito.” “Poderás resolver o problema escrevendo a todos os irmãos em meu nome; os de boa vontade saberão compreender, porque o valor da tarefa não está na presença pessoal do missionário, mas no conteúdo espiritual do seu verbo, da sua exemplificação, da sua vida.” “Estevão permanecerá mais conchegado a ti, transmitindo-te meus pensamentos...” Paulo, que em sua cegueira foi assistido e curado por Ananias, que ele iria prender em Damasco, agora teria Estevão, a quem ele fez executar, como Espírito intermediário do Cristo na veiculação das instruções que lhe caberia cumprir no mundo. Os métodos do Alto... “Concilia-te depressa com teu adversário”... Mas Emmanuel prossegue (pág. 426): “Jesus lhe prometera associar Estevão à divina tarefa”, por isso “julgou não dever atuar por si só e chamou Timóteo e Silas para redigir a primeira de suas famosas epístolas.” “... cartas imortais, cuja essência espiritual provinha da esfera do Cristo, através da contribuição amorosa de Estevão...” “Paulo de Tarso nunca procurava escrever só...” E conclui (pág. 427 e pág. 435): “... e o próprio Simão Pedro, recebendo as primeiras cópias, em Jerusalém, reuniu a comunidade e, lendo-as, comovido, declarou que as cartas do convertido de Damasco deviam ser interpretadas como cartas do Cristo aos discípulos e seguidores, afirmando, ainda, que elas assinalavam um novo período luminoso da história do Evangelho”. “O mediunismo evangelizado dos tempos modernos, é o mesmo profetismo das igrejas apostólicas.” Pedro repete, agora a Paulo, suas impressões sobre as epístolas: “não podia haver elemento educativo de tão elevado alcance quanto aquele”.
Os exegetas das letras evangélicas, de todas as correntes litero-religiosas, quando interpretam a Epístola aos Hebreus, ou quando a analisam apenas, ficam estarrecidos com a diversidade do seu estilo em relação às demais de Paulo. Os mais doutos chegam inclusive a duvidar de sua autenticidade, preferindo atribuí-la a algum escriba ou sacerdote de excepcional capacidade, pois seu estilo revela muita finura e inusitada agudeza de raciocínio. É peça única no gênero. Pois bem: já vimos que Paulo não escrevia só. Mas houve uma exceção. Quando em Roma, na fase final de sua missão, sob prisão, domiciliar e vigiada, nas últimas horas de cada dia, durante dois meses, “os companheiros de Paulo viram que ele escrevia um documento a que dedicava profunda atenção. Às vezes era visto a escrever com lágrimas...” ― “Esta é a epístola aos hebreus. Fiz questão de grafá-la, valendo-me dos próprios recursos, pois que a dedico aos meus irmãos de raça e procurei escrevê-la com o coração.” Aristarco, que recebera o documento para copiá-lo, “destacou o estilo singular e as idéias grandiosas e incomuns” (pág. 515). Os gregos também haviam erigido um altar dedicado ao “Deus Desconhecido”, junto de inúmeros outros, e Paulo lhes disse que era aquele, justamente, o Único Verdadeiro... No caso das epístolas, inobstante serem todas também de Paulo, a dos hebreus era a única somente dele... E superiormente inspirada, como as demais.
3. Autoridade do Evangelho de Mateus. João Marcos e Lucas. Atos dos Apóstolos
Continuemos com Emmanuel, estudando na mesma obra, indubitavelmente poderosa fonte auxiliar de esclarecimento nos estudos
Dos textos evangélicos Paulo (págs. 325/30) expõe a Barnabé os seus planos, que considera provenientes de Mais Alto, no pertinente à extensão da mensagem do Cristo aos gentios, dirimindo, uma a uma, as dúvidas que lhe iam sendo oferecidas pelo companheiro. São palavras plenas de conceitos incomuns, que lhe iriam substancializar as pregações missionárias dali em diante, até as célebres reuniões em Jerusalém, de que participariam os apóstolos e discípulos com representantes de todas as igrejas, a fim de serem analisadas as razões de Paulo, de um lado, e as de Tiago, de outro, com a inspirada figura de Simão Pedro conduzindo os debates, e que culminaram com a redação de documentos às igrejas, consagrando, em definitivo, a universalização do Cristianismo. O Grande Vencedor foi o Mestre, porquanto não houve vencidos. Paulo fora o instrumento de escol (Atos, 9:15). Quanto aos Evangelhos, é na mesma oportunidade do diálogo com Barnabé que Paulo exprime sua preocupação por dados mais completos: “Será mesmo justo que também façamos anotações do que sabemos de Jesus e de sua divina exemplificação. Outros discípulos, por exemplo, poderiam escrever o que viram e ouviram, pois, com a prática, vou reconhecendo que Levi (Mateus) não anotou mais amplamente o que se sabe do Mestre. Há situações e fatos que não foram por ele registrados. Não conviria também que Pedro e João anotassem suas observações íntimas? Não hesito em afirmar que os pósteros hão de rebuscar muitas vezes a tarefa que nos foi confiada.”
Já estamos rebuscando. Mas, os vossos irmãos não espíritas, alheios às revelações que se sucedem por via mediúnica, os doutos pesquisadores que ignoram Emmanuel e o seu monumental “Paulo e Estevão” rebuscam sem êxito satisfatório, em muitos pontos da “letra” e em quase todos os do “espírito”. Costumam atribuir a Marcos a anterioridade da autoria dos escritos evangélicos, querendo identificar nas suas anotações a fonte de Mateus e de Lucas. Outrossim, inexiste unanimidade quanto a ser o evangelista Marcos o mesmo João Marcos, referido em Atos. Porém, Emmanuel tudo elucida. “O discípulo de Pedro (Barnabé) foi procurar a casa de sua irmã Maria Marcos, mãe do futuro evangelista, que os recebeu com grande júbilo” (pág. 322). João Marcos era um jovem, um menino, que participou de difícil viagem em companhia do tio Barnabé e de Paulo. Este teve oportunidade de transmitir-lhe profundos ensinamentos, mas o jovem revelou-se inconformado com o vulto dos sacrifícios e privações, desistindo de participar doutras excursões. Estava imaturo. Não tinha, portanto, escrito coisa alguma. Lucas, médico, surgiu na igreja de Antioquia, e foi companheiro de Paulo em muitos episódios, e com dedicação integral depois do encontro em Troade. Foi ele quem sugeriu que se denominassem cristãos os “caminheiros”, os “homens do Caminho”. Lucas nada havia escrito até então. Todavia, as anotações de Levi circulavam, por cópias, e eram lidas e meditadas. Está comprovada a sua anterioridade. Mas Paulo não se satisfazia com Levi (Mateus). Queria mais informes e ambicionava escrever, ele mesmo, um Evangelho, segundo os dados que pretendia obter com a Excelsa Mãe de Jesus, fonte excelente no tocante à figura do Divino Mestre. Numa de suas viagens (páginas 433/4), visitou Maria de Nazaré: “Impressionou-se fortemente com a humildade daquela criatura simples e amorosa, que mais se assemelhava a um anjo vestido de mulher. Paulo de Tarso interessou-se pelas suas narrativas cariciosas, a respeito da noite do nascimento do Mestre, gravou no íntimo suas divinas impressões e prometeu voltar na primeira oportunidade, a fim de recolher os dados indispensáveis ao Evangelho que pretendia escrever para os cristãos do futuro.” Noutra ocasião (pág. 436), “deliberou regressar a Éfeso, interessado na feitura do Evangelho decalcado nas recordações de Maria”.
Regressou mesmo, mas os inimigos armaram tamanha confusão na cidade que Paulo resolveu partir antes da data programada (pág. 440). “Mas não pretendes escrever o Evangelho, consoante as recordações de Maria? ― perguntou-lhe melifluamente o filho de Zebedeu (João, também futuro evangelista). É verdade, entretanto, é forçoso partir. Caso não mais volte, enviarei um companheiro para colher as devidas anotações.” Noutra viagem, Paulo foi visitar Levi, tendo conhecido, assim, o decano dos escritores do Evangelho. As lutas prosseguiram e, “a esse tempo (pág. 482), o ex-doutor de Jerusalém chamou a atenção de Lucas para o velho projeto de escrever uma biografia de Jesus, valendo-se das informações de Maria; lamentou não poder ir a Éfeso, incumbindo-o (a Lucas) desse trabalho, que reputava de capital importância para os adeptos do Cristianismo. O médico amigo satisfez-lhe integralmente o desejo, legando à posteridade o precioso relato da vida do Mestre, rico de luzes e esperanças divinas. Terminadas as anotações evangélicas, o espírito dinâmico do Apóstolo da gentilidade encareceu a necessidade de um trabalho que fixasse as atividades apostólicas logo após a partida do Cristo, para que o mundo conhecesse as gloriosas revelações do Pentecostes, e assim se originou o magnífico relatório de Lucas que é ― Atos dos Apóstolos”. De passagem, fica também confirmada a autoria de Atos, que é de Lucas mesmo. Os críticos nem sempre entendem as questões corretamente porque esquecem o elemento humildade, que era uma constante no espírito dos cristãos mais eminentes. Por que teria Lucas dirigido tanto o seu Evangelho como Atos à consideração de um ilustre “Teófilo”? Está implicitamente resolvido o caso por Emmanuel, pág. 494, no relato das despedidas às igrejas, pois Paulo sabia que não mais tornaria a revê-las em “corpo mortal”, dirigindo-se, preso, a Roma: “Grandiosos pensamentos o empolgavam, quando Lucas se aproximou, e, apontando à distância os amigos que continuavam genuflexos, exclamou brandamente: ― Poucos fatos me comoveram tanto no mundo, como este! Registrarei nas minhas anotações como foste amado por quantos receberam nas minhas anotações como foste amado por quantos receberam das tuas mãos fraternas o benefício de Jesus!... ― Não, Lucas. Não escrevas sobre virtudes que não tenho. Se me amas não deves expor meu nome a falsos julgamentos.” Paulo era suficientemente humilde para não desconhecer sua qualidade de instrumento.
Ficamos sabendo, pois, que as primeiras anotações foram as de Mateus, as seguintes as de Lucas, vindo posteriormente as de Marcos e João. Só não está esclarecida a ordem de precedência entre os dois últimos, mas isso é irrelevante, porque o Evangelho de João obedeceu a outra linha de ensinamentos, rodopiando a crítica somente em torno dos sinópticos (concordantes).
4. O nascimento de Jesus, segundo Maria, nos relatos de Lucas
Paulo impressionou-se com a figura angelical de Maria, interessando-se especialmente pelas narrativas sobre a noite do nascimento do Mestre, que fora singular; não houve testemunhas. No plano físico, é bem de ver-se. Quem, portanto, senão Maria, tinha condições para falar de todos os pormenores ligados aos fenômenos que cercaram a vinda de Jesus ao mundo, dos quais participara? Lucas é o único evangelista que narra: as predições dos nascimentos de João (o Precursor) e de Jesus, 1:1 a 38, a visita de Isabel a Maria, o cântico de Maria, o nascimento de João e o cântico de Zacarias, 1:39 a 80; o nascimento de Jesus e a visita dos pastores, 2:1 a 20; a circuncisão, o cântico de Simeão e a alegria da profetisa Ana, 2:21 a 40; a presença de Jesus entre os doutores, 2:41 a 52; e, finalmente, a leitura da profecia de Isaías, pelo Senhor, na sinagoga, seguida destas palavras: “Cumpriu-se hoje esta Escritura nos vossos ouvidos”, 4:16 a 30.
Mas, qual a importância dos personagens referidos por Lucas, em seu Evangelho, e ligados à corporificação do Messias no planeta? Emmanuel esclarece (“A Caminho da Luz”, págs. 105/6, 7ª Ed. FEB): “Debalde os escritores materialistas de todos os tempos vulgarizam o grande acontecimento, ironizando os altos fenômenos mediúnicos que o precederam. As figuras de Simeão, Ana, Isabel, João Batista, José, bem como a personalidade sublimada de Maria, têm sido muitas vezes objeto de observações injustas e maliciosas; mas a realidade é que somente com o concurso daqueles mensageiros da Boa Nova, portadores da contribuição de fervor, crença e vida, poderia Jesus lançar na Terra os fundamentos da fé inabalável.” Vinte anos depois, André Luiz explica por que (é a prova da gradatividade da Revelação, no Tempo, num mesmo nível, e que pode dar-se, como se tem dado, com simultaneidade, em níveis diversos, o que veremos noutro artigo): “Informamo-nos, nos apontamentos da Boa Nova, de que Zacarias e Isabel, os pais de João Batista, precursor do Médium Divino, “eram ambos justos perante Deus, andando sem repreensão, em todos os mandamentos e preceitos do Senhor”, que Maria, a jovem simples de Nazaré, que acolheria o Embaixador Celeste nos braços maternais, se achava “em posição de louvor diante do Eterno Pai”, que José da Galileia, o varão que o tomaria sob paternal tutela, “era justo”, que Simeão, o amigo abnegado que o aguardou em prece, durante longo tempo, “era justo e obediente a Deus”, e que Ana, a viúva que o esperou em oração, no templo de Jerusalém, por vários lustros, vivia “servindo a Deus”.
Nesse grupo de médiuns admiráveis, não apenas pelas percepções avançadas que os situavam em contato com os Emissários Celestes, mas também pela conduta irrepreensível de que forneciam testemunho, surpreendemos o circuito de forças a que se ajustou a onda mental do Cristo, para expandir-se na renovação do mundo.” As explicações acima, insertas em “Mecanismos da Mediunidade”, pág. 170, vêm a seguir a estas: “Para recepcionar o influxo mental de Jesus, o Evangelho nos dá notícias de uma pequena congregação de médiuns, “à feição de transformadores elétricos conjugados, para acolher-lhe a força e armazená-la, de princípio, antes que se lhe pudessem canalizar os recursos.”
Se Jesus-Cristo é o Eleito, o único visto neste orbe, como quereríamos que não fossem também únicos os preparativos que lhe tornassem possível a tangibilização entre nós, “algo” que intermediasse o imenso hiato existente entre a sua grandeza e as nossas misérias? Só com um corpo sideral, fluídico, de carne apenas semelhante (não confundir com idêntica) à humana poderia ele ter-se apresentado neste planeta sem contrariar as leis naturais, hoje melhor conhecidas.
Os ensinos alinhados neste e em outros artigos nossos tornam-se ainda mais claros, quanto à unidade do programa do Alto, quando confrontados com “Os Quatro Evangelhos”, coordenados por J. B. Roustaing. E no pertinente ao nascimento de Jesus, é o bastante a leitura do vol. I
5. Viagem de Paulo à Espanha e às Gálias, Pedro em Roma
O velho sonho de Paulo estava em vias de realização. Iria à Espanha, pois “desejaria morrer convicto de haver levado o Evangelho aos confins do mundo”. “Às vésperas da partida em busca da gentilidade espanhola, eis que o Apóstolo recebe uma carta comovente de Simão Pedro.” “Com a sua chegada (de Pedro), recrudesceram os serviços apostólicos; mas o pregador do gentilismo não abandonou a idéia de ir à Espanha.” “Acompanhado de Lucas, Timóteo e Demas, o velho advogado dos gentios partiu ao amanhecer de um dia lindo, cheio de projetos generosos. A missão visitou parte das Gálias, dirigindo-se ao território espanhol, demorando-se mais na região de Tortosa” (págs. 517/8 e 521, de “Paulo e Estêvão”). Mas, em “Memórias de um Suicida”, de Yvonne A. Pereira, obra mediúnica de Camilo, prefaciada pelo Espírito Léon Dennis, temos outra confirmação da estada de Paulo naquelas plagas: “... desde quando a voz maviosa de Paulo de Tarso ecoava vitoriosa e pura, anunciando a Boa Nova sob as frondes pujantes das florestas da velha Ibéria!... (pág. 183).
Após a viagem de Paulo, João, o futuro evangelista, jovem ainda, fora preso. Nenhuma providência dera resultado para a libertação do Apóstolo. Inexistia outro jeito: era preciso chamar Paulo. “A Espanha ficava muito distante.” “Nada impedia, porém, de recorrer desde logo para o prestígio de Paulo...” “Aquele ano de 64 começara com terríveis perspectivas.” “... devotado cooperador de Paulo, em Roma, foi mandado à Espanha, com urgência. Esse emissário era Crescêncio, que saiu de Óstia, com enorme ansiedade, levando a missiva de Simão”. “O apóstolo dos gentios (...) demorava-se em Tortosa... Atendendo à necessidade das igrejas do Oriente, Timóteo partira para a Ásia, carregado de cartas e recomendações.” “Quando planejava novas viagens na companhia de Lucas, eis que surge em Tortosa o mensageiro de Simão.” “... João necessitava voltar à Ásia”. “Favorecido pela grande movimentação de barcos, nos princípios de maio de 64, não lhe foi difícil retornar ao porto de Óstia.” Paulo interessou-se de tal modo pela libertação de João que chegou a recorrer à figura dissoluta de Popéia (usando, como disse depois, os “bens da iniqüidade” para granjear amigos”): “Colhido pelas providências e impossibilitado de resistir ao resoluto ex-rabino, o filho de Zebedeu embarcou em fins de junho de 64, enquanto os demais amigos permaneceriam em Roma, para a boa batalha em prol do Evangelho” (págs. 523/4 e 527).
Portanto, Paulo esteve na Espanha. E não só ele. E não apenas na Espanha, mas em parte das Gálias. E Pedro conheceu a Roma de Nero.
Francisco Thiesen
in ‘Reformador” Março 1973