segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Evocação dos Mortos



Evocação
dos Mortos


Reformador (FEB) Junho 1956

            O título desta crônica não está lá muito bom, já que os espiritistas não chamam ‘mortos’ aos que partiram antes de nós. Dele, do título, nos utilizaremos, a fim de que nos tornemos claros aos ouvintes de sermões contrários ao Espiritismo. E, para que lhes não surjam dificuldades na interpretação de nossas frases, aqui empregaremos a palavra ‘mortos’ como sinônimo de defuntos, em vez de espíritos desencarnados, como habitualmente usamos.

                Passemos, pois, ao assunto:

                Numa reportagem de três colunas, o conceituado jornal de orientação católica - “O Globo” (5. 5. 1956) - nos apresenta uma longa notícia da conferência pronunciada por Frei Boaventura Kloppenburg no auditório do Ministério da Fazenda, sob os auspícios do Centro de Estudos da Associação Social Arquidiocesana.

                Ilustrando a reportagem, que mais nos parece um trabalho escrito pelo próprio conferencista, visto ser quase todo ele aspeado, encontra-se a fotografia da assistência, pela qual se verifica que noventa por cento dela se compunha de freiras e de padres.

                O erudito frade, a maior cultura em assuntos espíritas, dentro do nosso clero, assim falou:

                Jamais a Igreja proibiu o estudo ou a investigação científica dos fenômenos mediúnicos. O católico não está proibido, absolutamente, de estudar a Metapsíquica ou a Metafisiologia; pelo contrário, seria de desejar que também os cientistas católicos ou as universidades católicas, principalmente, se ocupassem mais intensa e sistematicamente com a fenomenologia mediúnica, seja para verificar sua verdade filosófica ou sua causa.”

                Por seu magistério oficial, a Igreja nunca se manifestou sobre a verdade, nem sobre a natureza, nem sobre a causa dos fenômenos mediúnicos, por isso nenhuma das interpretações propostas sobre a natureza ou causa dos fenômenos mediúnicos - nem mesmo a interpretação espírita - foi censurada, rejeitada ou condenada pela Igreja. Não corresponde à verdade dizer que a Igreja endossou oficialmente a interpretação demoníaca dos fenômenos mediúnicos.”

                O que a Igreja fez, faz e continuará a fazer, por ser esta sua missão específica, é recordar o mandamento divino que proíbe evocar os mortos ou outros espíritos quaisquer. Essa proibição vem de Deus, não da Igreja, que não tem nem autoridade nem competência para modificar ou revogar uma lei, determinação ou proibição divinas.”

                À vista disso, conclui-se que todos os padres que têm escrito contra o Espiritismo, em livros, jornais e impressos outros, nada têm feito que mentir, afirmando, todos eles, que são demoníacas as comunicações espíritas, como se demônio, se existisse, fosse tão tolo, perdendo o seu tempo em dar conselhos cristãos aos que a ele desejasse acorrentar.

                A lei a que se refere Frei Boaventura, lei a que se têm apegado todos os adversários do Espiritismo, não é de Deus, não veio D’Ele, mas individualmente do profeta, do fundador do Judaísmo, do homem que também criou outras leis, como sejam: os sacerdotes “não farão calva na sua cabeça, não raparão a ponta de sua barba, nem darão golpes na sua carne.”(Lev 21;5), e ele, sacerdote, “tomará uma mulher na sua virgindade” (Lev 21:13). O clero, todos sabem, não respeita nenhuma das leis acima, que, para ele, também deviam ter vindo de Deus, como outras que autorizam morticínios, etc. etc. Entretanto, abandonando as que lhe não convém, baseia-se nas palavras do fundador do Judaísmo, o profeta Moisés, só nesse ponto, e nele fica todo o clero a rodar como peru à frente de um círculo de carvão.

                O que Moisés proibiu, na época em que o povo usava e abusava da possibilidade de falar com os mortos, também o proíbe o Espiritismo, evocações por sibilas, pitonisas, cartomantes e outras explorações que tais, tanto assim que a proibição de Moisés não se dirigiu aos profetas, médiuns de então, pois que esses não cogitavam de assuntos materiais e de frivolidades outras.

                Mas, para argumentação, admitamos que Moisés tenha realmente admoestado o seu povo e reprovado toda e qualquer comunicação com os mortos.

                Nesse caso, admitindo isso, teríamos de condenar o próprio Cristo, fundador do Cristianismo, pois que ele, premeditadamente, não só desrespeitou a ‘lei de Deus’, como cometeu o crime de apresentar aos seus discípulos o mau exemplo de ele próprio falar com os mortos, em pleno Tabor. E, com essa lógica absurda, chegaríamos a conclusão de que o próprio Moisés desrespeitou a lei por ele levada ao povo, visto que um dos mortos que se comunicou com Jesus, naquele monte, foi ele, ele Moisés (Mateus 17; Marcos 9 e Lucas 9:18)

                A Igreja Católica sabe de tudo isso. Sabe que o Espiritismo está com a Verdade, sente-se em decadência e, tal qual procederam os sacerdotes de Júpiter, ao tempo em que surgiu o Cristianismo, lança mão de todos os recursos, de todos os argumentos, de todas as tábuas de salvação, a fim de, sabe-o ela, não de impedir a marcha do Espiritismo, mas de detê-la, de retardá-la, dando-lhe, a ela Igreja, mais alguns decênios de vida sob a proteção dos césares do mundo.

                Resquiescat in pace!


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