segunda-feira, 20 de junho de 2011

'Curiosidades Teológicas'

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 Curiosidades Teológicas


Vinélio DI MARCO (Indlício Mendes)
Reformador Novembro 1963


            O nosso faro de modesto bibliógrafo nos levou a velha biblioteca dum amigo, onde descobrimos um livro antigo, esquecido num canto de prateleira, que contém páginas curiosíssimas. Referimo-nos a “Curiosités théologiques”, impresso pela “Imprimerie Geo Supot.” - Alençon, para Garnier Frères, Éditeurs, de Paris. O autor, talvez para evitar aborrecimentos, se assinou simplesmente ‘Un  bibliophile.’

            O capítulo destinado às superstições é verdadeiramente encantador. Diz ele:

            “As práticas e idéias espalhadas entre os cristãos, sobretudo na época da Idade Média, ainda não esquecidas nos campos de certas partes da Europa, darão facilmente matéria para um trabalho muito extenso. Nós nos contentaremos em assinalar algumas dessas práticas:

            Colocar uma criança doente sobre o teto duma casa ou forno, fará com que ela recobre a saúde.

            Não sair de casa antes de o galo cantar, afugenta os espíritos maus.

            Queimar uma cabeça humana e jogar as cinzas na água e bebê-la, serve para reconquistar a saúde.

            Furar o corpo de uma criança morta, sem batismo, com um pau agudo, para que ela não ressuscite e venha atormentar fortemente os vivos.

            Esconder dinheiro dentro do pão e do sal, depois de o haver lavado em água pura, impede que os ladrões o roubem.

            Não cantar ‘Aleluia’ nem ‘Natal’ na Quaresma, com medo de fazer chorar a boa Virgem.

            Deixar, do Natal à Circuncisão, o pão sobre a mesa, dia e noite, para que a Santa Virgem possa fazer seus repastos.

            Não guardar consigo fio cru durante a semana santa porque Nosso Senhor foi amarrado com um fio dessa espécie.

            Quem nascer em 1º de Abril  (dia do nascimento do traidor Judas), 1º de Agosto (dia em que o diabo foi precipitado no inferno) e 1º de Dezembro (dia da destruição das cidades malditas tragadas pelo Mar Morto), morrerá da maneira mais deplorável e será coberto de ignomía. Depois desses três dias malditos, vêm, como especialmente infelizes, o 3 de Março, o 17 de Maio e 1,2 e 3 de Setembro.”

            Mais curioso, entretanto, é o relato da viagem que o monge Alberico fêz ao Outro Mundo, constante das páginas 180 e 181, do referido livro:

            Alberico, monge de Monte Cassino, no século XII, narrou uma viagem que fez ao outro mundo. No decorrer do sexto ano, ele sofreu um desfalecimento e ficou nove dias e outras tantas noites como morto. Mal ele caiu nesse estado, um pássaro branco como uma pomba aproximou-se, introduziu o bico em sua boca e lhe arrebatou a alma, levando-a e depositando-a aos pés de São Pedro. O príncipe dos apóstolos, acompanhado de dois anjos, preveniu Alberico de que ele iria percorrer regiões onde são punidos os maus, começando por castigos leves.”

            “Foi conduzido a um lugar cheio de carvões ardentes e de vapor inflamado, onde são purificadas as crianças. As de um ano, passam lá sete dias e as de dois anos, catorze e assim por diante.”

            “Os indivíduos que se entregam a uma vida desregrada são mergulhados num lago gelado que os queima como fogo. As mulheres adúlteras são suspensas pelos cabelos por cima de braseiros ardentes. Outras são espicaçadas por ferros pontiagudos, enquanto serpentes peçonhentas dilaceram seus seios. Os caluniadores e os perjuros são mergulhados em ondas negras dum lago de enxofre cheio de répteis e escorpiões. Os homicidas são forçados num rio de bronze ardente e os demoníacos em poços sem fundo.”

            “Todos os crimes encontram, assim, um castigo adequado. O abismo oculta em suas profundezas um verme de comprimento infinito, verme voraz que aspira e devolve faíscas sobre milhares de condenados. O rio que serve de limite a esse tenebroso império tem uma ponte que se encolhe ou se estica conforme a necessidade, retendo as almas ainda imundas e deixando passar as que já terminaram suas provas.”

            As narrativas de Alberico apresentam, em certos aspectos, analogia com as idéias de Dante, que tinha, sem dúvida, conhecimento dessa composição, publicada pela primeira vez em Roma, em 1814, pelo sábio Cancellieri, em “Osservazioni sopra l’Originalitá della Divina Comedia”.

            Como se vê, o Outro Mundo do monge Alberico é de arrepiar os cabelos duma estátua de mármore. Mais adiante, na página 181 das ‘Curiosités théologiques”, há também referência a viagens do santo Brandan, que nasceu na Irlanda, no século VI. Diz o autor:

            “Existe uma redação latina feita no século XI, mais tarde traduzida para a maioria dos idiomas da Europa, chegada até nós em verso e prosa de diversos manuscritos.

            Esse santo monge deixou a ilha de Erin para ir em procura dos mares ocidentais da Terra da Promissão dos santos. Depois de longas viagens, chegou ele ao paraíso dos pássaros, moradia dos anjos semidecaídos, que, sem terem participado da revolta de Lúcifer, não se associaram à resistência das milícias celestes. Mais longe se vê a montanha do inferno, cujo cimo vulcânico domina o Oceano. Ferreiros negros a habitam e seus martelos retumbam infatigavelmente, noite e dia, sobre as bigornas em que se retorcem os réprobos. O santo chega enfim à margem desejada. Lá fora, outrora o paraíso terrestre, agora deserto, mas destinado a se tornar um dia asilo dos cristãos, quando recomeçar a era das perseguições. Foi o que um anjo disse aos viajores.”

            Uma contra prova das viagens do santo Brandan, com a diferença de lugares, de ambientes e do colorido literário, se encontra numa relação grega escrita no século XIII aproximadamente (mas baseada em tradições bem mais antigas), relatando a viagem de três monges da Mesopotâmia que procuravam o paraíso (uma tradução latina desse escrito se encontra no ‘Vitae Sanctorum’ publicadas por Surius - 23 de Outubro).

            “Eles atravessaram o Tigre, percorreram a Pérsia e a Índia e chegaram, enfim, à regiões desconhecidas, povoadas de monstros e anões. Achavam-se num lago de enxofre, à superfície do qual se agitavam serpentes de fogo. Sobre as ondas empestadas se ouvia um murmúrio parecido com o de incomensurável multidão. Uma voz vinda do céu gritava:

            “-Isto aqui é o lugar dos castigos reservados aos que renegarem o seu Salvador.” Os viajantes descobriram duas montanhas muito altas entre as quais se achava um homem com cem côvados de estatura, atormentado por chamas ardentes. Mais além, uma mulher tinha o corpo envolvido em suas curvas por uma gigantesca serpente, e, quando a infeliz abria a boca, o réptil lhe mordia a língua.

            Em seguida, veio uma floresta de árvores parecidas com figueiras. Estavam cheias de pássaros que tinham voz humana e imploravam a misericórdia divina. Continuando seu caminho, chegaram a um país encantador, de cujo centro se erguia uma igreja. Rios de leite corriam de um magnífico altar. Terminaram por alcançar um casebre, onde residia um velho de cabeleira mais branca do que a neve, cabeleira que lhe recobria o corpo inteiro. Era o santo macário. Ele lhes disse que nesse lugar o Céu se encontrava com a Terra e ali se achava a entrada do paraíso a bem pouca distância. Todavia, aconselhava-os a não irem mais além. Ele mesmo tentou uma vez aventurar-se em tal direção, mas um anjo o proibiu. Então, os três monges retornaram ao seu convento.”

            Poderíamos ir mais além. As histórias são pitorescas e bem ao sabor católico, como é natural. Mas, ao contrário do que dizem e fazem os espíritas, que são os cristãos do Cristianismo Redivivo, eles só se preocupam em mostrar o que é tétrico, pavoroso, macabro, como se a intenção seja de imperar pelo terror, pelo medo.

            O homem deve ser amparado e orientado inteligentemente. Deve perder o medo - esse medo que tem crescido através dos séculos e é hoje uma das causas do nervosismo mórbido da Humanidade, da inquietação doentia que lavra entre os homens. Deve ser esclarecido e preparado para conhecer o verdadeiro caminho da vida, sem temer a morte. Não foi o homem criado para viver nos braços da angústia. É preciso que ele tire dos sofrimentos terrenos as lições que o farão libertar-se do mal por seu próprio esforço e, dessa maneira, conhecendo o itinerário espírita, alçar-se à felicidade, ainda na Terra, pois que não fomos feitos para sofrer, mas para sentir a alegria das coisas belas e experimentarmos na alma toda a grandeza e poder do Criador!

            O Espiritismo há muito que tirou Jesus do crucifixo, apresentando-o à Humanidade envolto na luminosidade que define a sua extraordinária expressão espiritual. Jesus é amor, é coragem, é alegria, é esperança, é confiança, é vida, enfim. Vida plena na Terra, vida plena no Espaço!


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