terça-feira, 3 de maio de 2011

Nº 1 da Revista Espírita (ano 1875)




 'Introdução’ ao Número 1
da Revista Espírita
do Rio de Janeiro (1875)


Reformador (FEB)  Abril 1953

            Nota do “Reformador”: Esta ‘introdução” abre brilhantemente o primeiro número da Revista Espírita, dada à luz em 1 de Janeiro de 1875.
            Foi o primeiro periódico espírita publicado no Rio de Janeiro, e o segundo no Brasil. Redigia-o um dos grandes e abnegados batalhadores do movimento pioneiro do Espiritismo em nossa Pátria, e homem de vasta erudição - o Dr. Antônio da Silva Netto, que foi, também, vice-presidente da primeira diretoria do histórico e venerável “Grupo Confúcio”, fundado aos 2 de Agosto de 1873, e, mais tarde, em 1875, presidente da mesma instituição. É provável que seja da autoria dele o presente trabalho.
            Infelizmente, por motivos desconhecidos, a Revista Espírita morreu à nascença: apenas seis números conseguiram vir a lume.
            Silva Netto, nascido na Bahia, bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, foi intimorato abolicionista e ardoroso republicano, tendo militado no Clube Republicano e ocupado, mesmo, o cargo de tesoureiro do célebre jornal “A República”. Sócio da Federação Espírita Brasileira, logo que esta se fundou, muito contribuiu para o prestígio dela. A convite dos diretores da Federação, realizou notáveis conferências públicas, sobre o Espiritismo, no amplo salão da Guarda Velha, à rua do Senador Dantas.

            “A história das investigações do espírito humano assinala grande verdade, quando em suas páginas relata que as maiores descobertas tiveram por origem fatos na aparência bem pouco significativos.

            Realmente, que importância pode ligar a inteligência do homem ao fato de uma criança observar o Sol com uma lâmina de vidro enfumaçado? Que alcance aparente pode ter a tampa de uma panela posta em movimento pelo vapor d’água fervendo? Que atenção se poderia prestar ao espanto de uma velha cozinheira quando viu quartos de rãs moverem-se dentro de uma marmita? Fazendo-se abstração das conseqüências, as respostas a estas três interrogações seriam bem lacônicas; entretanto, do fato assinalado na primeira teve origem o mais poderoso instrumento de observação do mundo astral - o telescópio; do segundo, o mais poderoso meio de locomoção em nossos dias - as máquinas de vapor; do terceiro, o mais rápido veículo material para transmissão de pensamento - o telégrafo elétrico! Tendo em vista estes fatos e outros que deixamos de comemorar, não nos devemos surpreender que das mesas girantes, dos chapéus postos em movimento, das cestinhas que dançam, saísse uma ciência físico-psicológica, que levará a seu termo a regeneração da Humanidade terrestre.

            Nós, pois, vimos neste momento tomar o último dos lugares na extensa legião dos pensadores, vimos também carregar o nosso grão de areia e colocá-lo na montanha que se ergue com indescritível presteza, para do Alto dela a Humanidade melhor contemplar os infinitos atributos de Deus!

            O Espiritismo é uma ciência de observação; portanto, está compreendida no quadro das ciências positivas; o fervor que desperta no ânimo dos que os estudam é uma forte presunção a favor das verdades que proclama e dos fatos que explica; por isso está sendo propagado por todas as nações do mundo. Logo que os primeiros anos se passaram, os fenômenos das manifestações espíritas deixaram de ser simples folguedos curiosos, para despertarem a atenção de homens refletidos, que de pronto puderam devassar a influência moral que tais fenômenos teriam no estado das relações sociais do mundo. Hoje em dia, constituído em corpo de doutrina científica, pelo imortal Allan Kardec, não é lícito duvidar da revolução que há de operar em todos os ramos dos conhecimentos humanos.

            A marcha das ciências, da indústria humana, as próprias descobertas materiais, encontraram, em todos os tempos, contraditores, negadores inconscientes e conscientes que buscavam, aqueles pelo atraso da inteligência, estes, pelos choques que experimentavam suas conveniências materiais, embaraçar o adiantamento do mundo. Não devemos, pois, estranhar que a ciência espírita tenha negadores e acérrimos contraditores, tanto mais fortes quanto mais percebem que, em suas deduções psicológicas, ela tende a deitar por terra a moral estragada da generalidade dos homens; mas, como repousa nas leis estabelecidas desde toda a eternidade pelo Criador, podemos avançar que não há poder de a embaraçar, hoje em dia que não existem as fogueiras do Santo Ofício.

            Ser médium, isto é, ter a propriedade de se comunicar com os seres que deixaram o mundo corporal, não é privilégio desta ou daquela classe; é ele uma harmônica da Natureza; e, desde que está isto descoberto, todos os obstáculos se tornam impotentes. Se a reflexão fosse conselheira dos espíritos orgulhosos, o orgulho não se aninharia no coração humano, e a indagação da verdade seria feita com calma e prudência evangélica, concorrendo para que a Humanidade ganhasse, em seu adiantamento moral, mais do que tem ganho durante mil e oitocentos e setenta e quatro anos, desde a revelação messiânica.

            A comunicação entre os Espíritos desencarnados e encarnados é, pois, um elo da imensa cadeia da Criação que, aqui ou ali, por esta ou aquela circunstância, poderá ser encoberto, mas fazê-lo desaparecer não é possível. A potência, que se revela por meio dos fenômenos que havemos de discutir no prosseguimento deste nosso trabalho periódico, qualquer que seja a causa, tira a sua origem da Natureza. Não são fenômenos sobrenaturais, porque logicamente não compreendemos o que possa existir fora da Natureza, a não ser, acima dela - abrangendo-a -, Deus! São ou não são verdadeiros os fenômenos espíritas? A resposta a esta interrogação nos levaria longe, e como estou convicto da afirmativa, reservarei para discuti-la no prosseguimento desta publicação. Os que de boa fé duvidarem, como nós outrora, procurem pelo estudo, pela observação e pela própria experiência descobrir se nos achamos ou não com a verdade; pois, se conscienciosamente fizerem isso, conhecerão as leis que regem as manifestações dos Espíritos. Se é uma falsidade, uma ilusão, o que sustentamos, depois desse consciencioso estudo que aconselhamos seja feito, achar-se-ão nas condições de nos poderem esclarecer. Quanto a falarem com idéias preconcebidas, a argumentarem sobre leis que desconhecem, sobre fatos que não observaram, é darem provas de uma ignorância irrefletida. Diante das provas que hoje se produzem de tais fenômenos, não receamos a compressão do erro de qualquer origem que venha, porque, quanto maior for ela, tanto mais teremos ocasião de tornar expansiva a verdade.

            Se bem que date de poucos anos a produção regular dos fenômenos espíritas, contudo eles se deram desde a mais remota antigüidade. Neste sentido, como em relação a todos os conhecimentos humanos, descobrimos aqui e ali traços, que provam ser as verdades, eternas como o Universo. Nem pode ser de outra forma, atendendo a que Espíritos existem desde toda a eternidade, tendo habitado e perdido paraísos planetários, sendo por isso obrigados a reencarnar em mundos inferiores, como aconteceu na remotíssima época em que a nossa Terra recebeu os Espíritos decaídos, que constituem a nossa raça Adâmica. Assim, tendo tudo quanto testemunhamos, hoje, já antes sido testemunhado, dirão: esta idéia encerra o despertar da antigüidade. Porém, havemos de provar que ela contém a aurora de uma antigüidade, livre dos embaraços místicos que engendrou a superstição dos povos primitivos da Terra, que é uma antigüidade extraterrestre, que nos vem, nos tempos de agora, que nos achamos mais esclarecidos pelos progressos das ciências positivas, assinalar a terceira fase da regeneração moral de uma fração da Humanidade.

            Os fenômenos espíritas vem pôr patente que podemos comunicar-nos com as almas ou Espíritos dos que deixaram o corpo na terra, e que hoje habitam o outro mundo como vulgarmente se diz; conseguintemente, dar-nos provas morais e físicas da nossa vida de além-túmulo. Em termos não equívocos, os livros bíblicos relatam a existência dessa comunicação entre os vivos e os mortos; mas a Bíblia para os cépticos não é autoridade; para certos crentes dela, esses fatos são sobrenaturais, e produzidos por especial favor da Divindade. Assim, se não possuíssemos outras origens, não poderíamos justificar a antigüidade das manifestações dos Espíritos fora das observações recentes. Entretanto, a intervenção dos Espíritos no mundo corporal é atestada por Santo Agostinho, S. Jerônimo, S. Crisóstomo e outros padres da Igreja. Essa verdade constitui a base de todos os sistemas religiosos, bem como foi admitida por Sócrates, Platão, Zoroastro, Confúcio, Pitágoras, Apolônio e muitos outros filósofos célebres da antigüidade. Recapitulando-se  a série dos mistérios e dos oráculos, a crença das comunicações dos Espíritos é encontrada entre os Gregos, Egípcios, Índios, Caldeus, Persas e China, atravessando todas as vicissitudes desses povos e afrontando todas as revoluções físicas e morais da Humanidade. Nos tempos da Idade Média vemo-la surgir das divinas feiticeiras valquírias, dos escandinavos; dos Elfos, dos teutões; dos Leschios e dos Domeschenios Doughi, dos eslavos; dos Ouricks e dos Brownios dos bretões; dos Cémis dos caraíbas, finalmente de toda a falange das ninfas, dos bons e maus gênios, das sílfides, das fadas, etc., com que todas as nações têm povoado o espaço. A prática das evocações existiu sempre nos povos da Sibéria, no Kamtchatka, na Islândia, entre os índios da América do Norte, aborígenes do México, do Peru, da Polinésia, entre os selvagens da Nova Holanda, povos da África e finalmente entre os nossos Gentios.

            Certamente essa crença não se apresenta por toda a parte pura como ela é, porém, cercada mais ou menos, conforme os povos e os lugares, de superstições absurdas, mas isso não tira coisa alguma à sua realidade. Assim, pois, se é uma crença que se encontra em todos os pontos do Globo, que tem sobrevivido a milhares de gerações pertencentes a povos dissemelhantes, é preciso que encerre em si alguma coisa providencial; em todo caso, o que ela tem de positivo é demonstrado pelas recentes manifestações e todas essa crenças espalhadas pelo Mundo, é indagar a verdade. Se tivéssemos de fazer, neste momento, a história do Espiritismo, de alguma sorte faríamos a do espírito humano, porque, estudando todas as origens encontramos uma mina inesgotável de observações instrutivas, que se entrelaçam em fatos bem pouco conhecidos, e nos habilitamos para explicar uma multidão de lendas e crenças populares, distinguindo a verdade da superstição e da alegoria.

            Entre nós, sendo muito pouco conhecido o Espiritismo, por falta de livros em nossa língua, uma publicação mensal tornava-se de necessidade indeclinável; tanto assim que, sentida essa necessidade por alguns espíritas que se entregam a esse estudo, nos incumbiram de uma tarefa que se tornaria superior às nossa forças, se não fosse o concurso dos bons espíritos que animam a propaganda de tão sublime Doutrina. Em tais condições, esta publicação tem, durante os primeiros tempos, de sair um tanto fora da rigorosa significação tecnológica, para poder interessar aos leitores estranhos à ciência, com a qual nos temos de ocupar. Não podem, pois, as páginas da presente Revista ser cheias simplesmente de narrações de fatos, ainda mesmo comentados, porque não tem de servir só aos que conhecem mais ou menos a ciência espírita. É por isso que o leitor encontrará artigos, que constituem os princípios da Doutrina, extraídos das obras de Allan Kardec. É, portanto, o nosso trabalho, na sua máxima parte, material. O nosso empenho é auxiliar os que desejam ver o Espiritismo derramado nesta região da América; portanto, não receamos que nos falte matéria interessante, e que esta publicação se torne monótona.

            Sabemos e extensão da luta que temos de sustentar; de um lado, a ignorância, os preconceitos religiosos; de outro, os pretensos sábios, os orgulhosos. Não importa; esforçar-nos-emos por merecer de Deus, e com certeza teremos o contínuo auxílio dos bons espíritos.

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