O Dogma da Existência Única da Alma
por D. José Amigó y Pellícer
“Roma e o Evangelho” (Ed. FEB)
“Vejamos, agora, as conseqüências que resultam de aceitar-se a sorte definitiva da alma depois da morte; e, se tais conseqüências são ofensivas à justiça e à misericórdia de Deus, como poderá o verdadeiro cristão deixar de repeli-las por seus fundamentos?
Que Deus não fez exceção de pessoas (Paulo aos Colossences 3,25) disse o Apóstolo dos gentios; todos os homens são iguais em sua presença, e cada um recebe o fruto das suas obras.
Esta doutrina, que é a do colégio apostólico, a dos primeiros dias do Cristianismo, nos quais se respirava, em toda a sua pureza, o hálito divino do ensino de Jesus, é completamente incompatível com o destino definitivo das almas depois de uma existência corporal.
Que aos olhos de Deus não há distinção de pessoas, compreende-se claramente pelo simples bom senso; porque não pode havê-la em sua justiça e, em Deus, não se pode supor contradição, o que haveria se a sorte do homem fosse definitivamente resolvida depois da morte. É o que nos propomos demonstrar.
No procedimento de cada um influi uma multidão de causas. A idade, o sexo, o temperamento, as inclinações naturais, o talento, a posição social e outras mil condições e circunstâncias contribuem para formar a moral do indivíduo e para dirigir sua vontade.
Essa causas estabelecem tal variedade entre os homens que, pode-se afirmar sem receio de erro, não há dois em condições de existência perfeitamente idênticas, em todo o gênero humano.
O princípio de tão notórias desigualdades entre os homens, de modo algum pode ser atribuído a Deus; pois valeria por atribuir-lhe a exceção de pessoas de que fala o Apóstolo; donde a arbitrariedade e o capricho.
Como atribuirmos ao Ser Supremo essa desigualdade de condições, sem ofendermos a sua justiça?
Por que uns morrem em idade em que não puderam conquistar merecimentos, nem contrair responsabilidades, ao passo que outros vivem longos anos e se fazem merecedores de castigos e de recompensas?
Por que há de haver afortunados que, por exemplo, nascem no seio do Catolicismo - e mal-aventurados que vêm à vida em terra infiel; predestinados os primeiros, certamente a gozar o céu - e os segundos a aumentarem o número das almas condenadas? Como explicar o fato de serem uns inclinados à prática do bem, que fazem sem esforço - e outros não poderem fazê-lo sem violentar a corrente das suas inclinações, que os arrasta para o mal?”
“...Por que a miséria, a baixa condição, a fealdade, as deformidades, a falta de saúde, a humilhação e os sofrimentos morais de um lado; e do outro, a abundância, a elevação social, a formosura, a robustez, a glória e a tranqüilidade de espírito?
Não, não pode ser Deus autor de tantas desigualdades; porque as imperfeições não procedem da perfeição infinita.”
“...Viemos ao mundo colher o fruto das sementes plantadas em anteriores existências, e semear de novo para a vida futura. Somos, por conseguinte, nós e não Deus, a causa da diversidade das condições humanas.
A alma, desprendendo-se do seu invólucro corporal, readquire a memória do seu passado, temporariamente perdida, lança a vista para o caminho percorrido e pressente o que lhe falta ainda percorrer, estuda seus erros, examina suas impurezas, mede sua fraqueza e sua força, e busca, em uma série de reencarnações, os meios de purificar-se, de reparar o mal feito, de retificar seu falso juízo e de aproximar-se do seu sapientíssimo e bondoso Pai, que a espera para recebê-la em seu seio.
Quão esplendorosa brilha, deste modo, sobre a Terra, a justiça de Deus!
O homem é filho de suas próprias obras; e as diferenças humanas são filhas do uso que cada um faz da sua liberdade.
Renascem a paz e a esperança nos corações - brota a verdadeira piedade - revive a fé - progride o homem - e a Humanidade progride...”
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