sábado, 30 de abril de 2011

10 Escravidão e Espiritismo


Slave trader's business in Atlanta, Georgia, USA     1864


-X-
 ‘O Profeta da Abolição’

por Alberto de Souza Rocha
Reformador (FEB)   Outubro  1988

           
As grandes causas tem seus mártires e os mártires tem seus métodos ou sua maneira própria de agir na luta pelo ideal. Podem uns ser mais felizes que outros. John Brown, nos EUA, abandonou os meios pacíficos de luta e apelou para a violência, terminando seus dias na forca. A Guerra de Secessão ensanguentou o solo norte-americano e esse fato refletiu-se na demora com que no Brasil se implantou gradualmente, por leis sucessivas, a libertação dos escravos.
Entre os brasileiros, muitos Espíritos vieram encarnar para o fim especial de preparar o clima necessário a esse evento.
Assim foi que nasceu, na Fazenda Cabaceiras, a sete léguas de Curralinho (hoje Castro Alves), então Freguesia de Muritiba, Bahia, Antônio Frederico de Castro Alves, filho do médico Antônio José Alves e de D. Clélia Brasília da Silva Castro. Isso se deu a 14 de março de 1847. Iria desencarnar aos 24 anos de idade (1871), 17 anos antes da Lei Áurea.
Sua infância foi assistida pela dedicação da escrava Leopoldina.
Começou a poetar em plena adolescência como quem tivesse muita pressa de iniciar a tarefa por uma velada intuição de sua rápida estada conosco. E nessa curta passagem deixaria monumentos literários como ‘Vozes d’África’, ‘Navio Negreiro’, ‘Espumas Flutuantes’, ‘A Cachoeira de Paulo Afonso’ e, em prosa, ‘Gonzaga ou a Revolução de Minas’. Houve quem reconhecesse que, se Castro Alves houvesse escrito os seus magistrais poemas em língua de maior penetração, estaria colocado pela crítica mundial ao lado de Homero e de Virgílio, tais a pujança de sua palavra, a comoção despertada e a a harmonia do estro. Não se discuta nisso a excelência do idioma pátrio, mas o aspecto de sua popularização.  
Em ‘Grandes Vultos da Humanidade e o Espiritismo’, nosso saudoso Sylvio Brito Soares dedica-lhe precioso capítulo e traz a conhecer várias opiniões a seu respeito, como a do Professor Pedro Calmon, notável historiador patrício, que nele reconhece o gênio e o dom profético. “Reformador” (Nov. 55) publicou um trabalho de Ismael Gomes Braga intitulado ‘A profecia de Castro Alves’ Brito Soares acrescenta:

Sim, foi também o profeta da Abolição, porque ele via melhor que seus contemporâneos que a libertação dos escravos se daria, mais hoje mais amanhã, mas que o essencial consistia em não se esmorecer na luta, nessa luta a que ele deu o melhor de sua inteligência, de seu esforço, dedicação e coragem.’

Ainda com referência aos dons proféticos, deixou Castro Alves poesias que previam claramente vinte anos antes a deposição de D. Pedro II (‘Nas cãs deste velho/ verás fanados lauréis/...’)  e até mesmo a entrada das Américas, o Brasil inclusive, no conflito mundial de 14/18. Continuemos com Brito Soares:

Castro Alves tinha sua alma embalada pelo cântico harmonioso das verdades espíritas; em alguns de seus versos, aprecia-se perfeitamente essa influência, como, por exemplo, em ‘Pelas Sombras’ (segue-se no texto, o poema). Tanto assim que nosso confrade cita o biógrafo Eugênio Gomes, reconhecendo que ‘por entre estrepitosos clamores de profunda indignação predomina a idéia de que, em paga de todas as humilhações e sofrimentos terrenos, o escravo teria a cobiçada liberdade após a morte.’

E prosseguem na obra as citações textuais desse último autor, encontrando conexões entre a mensagem do gênio – o poeta da raça – e a teoria do Espiritismo, como aqui:

Eu não olho jamais para o mundo deste mundo / mas para o mundo invisível.”

Procurava o poeta, comenta aquele biógrafo, uma obra espírita que falasse de Poética do Espiritismo. Perdoe-nos aqui uma idéia muito pessoal. Acreditamos que houvessem chegado ao seu conhecimento as referências que se encontram em ‘Obras Póstumas’, da Allan Kardec, a respeito de Arte Espírita, as palavras de Rossini sobre música, de que alguém lhe houvesse falado sobre isso, pois é o que mais se aproxima do que fosse poética dentro das obras kardequianas. Todavia, de alguma forma, pensamos que a maior antologia poética relacionada com o Espiritismo sairia bem mais tarde e dela, por força, ele próprio, como Espírito, participaria. Referimo-nos com toda a tranquilidade, é lógico, ao ‘Parnaso de Além Túmulo’. Pois, olhando ele agora e não mais para o ‘mundo invisível’ (invisível para nós outros...), no velho estilo de ‘O Livro e a América’, exclama:

MARCHEMOS!

“Há mistérios peregrinos
No mistério dos destinos
Que nos mandam renascer:
..............................
É a dor que através dos anos,
Dos algozes, dos tiranos,
Anjos puríssimos faz,
Transmutando os Neros rudes
Em arautos de virtudes,
Em mensageiros de paz.”

Em outros momento,
o bardo desencarnado dá a palavra à deusa Morte,
 em longo poema em que, a certa altura, expõe:

.....................................
“Sou prisão ou liberdade,
Nova aurora ou nova cruz
.....................................
Conduzo seres aos Céus,
À luz da realidade;
Sou ave da Liberdade
Que ao lodo da escravidão
Venho arrancar os Espíritos,
Elevando-os às alturas:
Dou corpos às sepulturas,
Dou almas para a amplidão.”

Clóvis Ramos, estudando ‘Temas espíritas na poesia brasileira’, 
notável trabalho de pesquisa literária de valor, também, 
doutrinariamente falando, recorda vários poemas
 onde transparece a vivência espírita mais ou menos 
velada do vate condoreiro; 
recordemos ‘O Último Fantasma’ e, 
dele, estes fragmentos:

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso
.....................................................
Baixas do céu num voo harmonioso
....................................................
Onde nos vimos nós? És de outra esfera?

Hoje é ele, Castro Alves, dotado do mesmo estro, 
que nos fala de outra esfera e que, 
ainda ligado à pátria que o serviu, apela:

-“Brasil de perenes brilhos,
Pela união de teus filhos
Deus te conserve em Jesus”.

(Encontro em Brasília, 1976)




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