A Escravatura
e o ‘Livro dos Espíritos’
por Alberto de Souza Rocha
Reformador (FEB) Janeiro 1988
Na obra fundamental da Doutrina Espírita não passaria em branco a questão relacionada com a escravatura. E as afirmações não permitem evasivas:
Questão 829 ‘Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedades de outros homens?’
R.: ‘É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem.
A escravidão é um abuso da força, Desaparece com o progresso, como gradativamente desaparecerão todos os abuso.’
E é Kardec quem prossegue:
‘É contrária à Natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois que assemelha o homem ao irracional e o degrada física e moralmente.’
É ainda o Codificador que dirá, através da ‘Revista Espírita’ de fevereiro de 1862;
Escravidão! Quando se pronuncia esse nome, o coração sente frrio, porque vê à sua frente o egoísmo e o orgulho’.
Na Questão seguinte (830) de ‘O Livro dos Espíritos’, leremos:
P.: ‘Quando a escravidão faz parte dos costumes de um povo, são censuráveis os que dela aproveitam, embora só o façam conformando-se com um uso que lhes perece natural?’
R.: ‘O mal é sempre o mal e não há sofisma que se torne boa uma ação má.
A responsabilidade, porém, do mal é relativa aos meios de que o homem disponha para compreende-lo.’
E prossegue o esclarecimento:
‘Aquele que tira proveito da lei da escravidão é sempre culpado de violação da lei da Natureza. Mas, aí, como em tudo, a culpabilidade é relativa. Tendo-se a escravidão introduzido nos costumes de certos povos, possível se tornou que, de boa fé, o homem se aproveitasse dela como de uma coisa que lhe parecia natural.’.
Mas logo adiante vem o reverso da medalha:
(...) ‘desde que, mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida pelas luzes do Cristianismo, sua razão lhe mostrou que o escravo era um seu igual perante Deus, nenhuma desculpa mais ele tem’.
Kardec fere agora um aspecto novo. É o da Questão 831:
‘A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência das raças mais inteligentes?’
E a resposta não se fez esperar:
‘Sim., mas para que estas se elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela escravidão. Durante longo tempo, os homens consideraram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos! Nada vêem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue, porém o Espírito.’
Continuemos com ‘O Livro dos Espíritos’; agora a Questão 832:
P.: Há, no entanto, homens que tratam os seus escravos com humanidade; que não deixam que lhes falte nada e acreditam que a liberdade os exporia a maiores privações.
Que dizeis disso?’
R.: ‘Digo que esses compreendem melhor os seus interesses. Igual cuidado dispensam aos seus bois e cavalos, para que obtenham bom preço no mercado. Não são tão culpados como os que maltratam os escravos, mas, nem por isso deixam de dispor deles como uma mercadoria, privando-os do direito de se pertencer a si mesmos.’
A questão um pouco antes suscitada, o problema racial, em que se observam culturas diferentes, poderia dar alguma razão à escola materialista, a primeira vista. Entendamos no entanto o que está em ‘Obras Póstumas’, pág 175:
‘A reencarnação no mesmo meio é a causa do caráter distintivo dos povos e da raças.’
A identidade entre as pessoas do grupo social resulta de encarnações de Espíritos que entre si já se identificam e que dessa forma se afinizam. Não há, contudo, inflexibilidade dessa regra geral. Vejamos a Questão 273 da obra básica:
P.: ‘Será possível que um homem de raça civilizada reencarne, por expiação, numa raça de selvagens?’
R.: É, mas depende do gênero da expiação. Um senhor, que tenha sido de grande crueldade para os seus escravos, poderá, por sua vez, tornar-se escravo e sofrer os maus tratos que infligiu a seus semelhantes.’
E é bom lembrar que também até mesmo por missão. Ora, o homem conscientemente se interna na selva para ajudar coletividades, mesmo havendo nascido na Civilização.
Há, não resta dúvida, justiça nas aflições. Mas é sempre bom termos em mente, antes de qualquer juízo apressado, falando-se, em tese, o que nos diz Léon Denis em ‘O Problema do Ser, do Destino e da Dor’:
‘Nem todos os que sofrem são forçosamente culpados em vias de expiação. Muitos escolhem vidas penosas e de labor, para colherem o benefício moral correspondente.’
São exceções, certamente. Por outro lado, dominadores, de longínquo passado, quantos de nós guardamos ainda sensíveis reminiscências, quais imagens fugidias, de certos atos de prepotência. ..
Ao profligarmos o regime de servidão, que estertora, que oficialmente está sendo banido das leis e de nossos hábitos, pouco ainda estaremos fazendo pela remissão daquelas faltas... Mas, pelo menos, fazemo-lo com a autoridade de um sentimento profundo, a brotar nas raízes da consciência.
É dessa forma que saudamos os vultos cujos atos libertários, em nossa Pátria, escoaram para a grande comporta que se romperia espetacularmente a 13 de maio de 1889, e estamos às vésperas do grande Centenário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário