terça-feira, 22 de março de 2011

'A ortodoxia e a barba de Jesus'




A Ortodoxia
 e a Barba de Jesus

                “...O que nos parece mal é a opinião axiomática; o que não compreendemos é que alguém se julgue soberano detentor das verdades, quando ninguém sabe por que lhe coube tal privilégio; o que procuramos fazer ver é o erro dos que se fecham em determinados limites, e não só não saem mais dali, como acham que toda gente deve ficar ali também; o que procuramos salientar é a imensidade dos nossos horizontes, é o infinito que temos diante de nós; e diante de tal imensidade, seria ridículo traçarmos um círculo e achar que todo o conhecimento cabe dentro dele.
                Enchemo-nos, portanto, de muita pena, quando vemos um pobre mortal assegurar que quem sabe é ele.
                A intransigência, o exclusivismo doutrinário, o não admitir alguém que outrem possa emitir opinião diversa, eqüivale a esta declaração formal: -Quem sabe sou eu! Eu sei tudo!...
                E, como ele sabe tudo, não pode consentir que o outro saiba alguma coisa. Daí para as divergências profundas e pueris o passo é pequeníssimo. Surgem então, os cismas, os retaliamentos, às vezes, mesmo, as verrinas, a descompostura grossa...
                Há tempos, um amigo, meu, creio que o Vaz de Carvalho, falou-me num quadro do Cristo, sem barbas.
                Estás doido, positivamente doido - disse-lhe eu.
                - Mas, replicou ele - não há certeza se o Mestre tinha ou não a barba que se lhe atribui. Penso, pois, que não haveria inconveniente...
                Eu o atalhei, imediatamente, com a presteza de quem vê um raio quase a fulminar-nos.
                - Afugenta, meu amigo, essa idéia terrível! Já previste o que irá acontecer? Formar-se-ão logo os partidos. Haverá uma luta acérrima. Imprimir-se-ão os panfletos. Os amigos se separarão. Amanhã não se cuidará mais de saber o que dizia o Cristo, mas se ele tinha barbas ou não as tinha.
                Virão, ainda, outros propugnadores, outras variantes. Em vez de barba, dar-lhe-ão um cavanhaque. Haverá os cavanhaquistas e os não cavanhaquistas. Em breve, correrão rios de tinta e de desaforos. Em breve, ninguém quererá mais saber como serão os textos do Evangelho, mas de como seriam as barbas do Divino Mestre.
                O meu amigo sorriu amargamente, como quem descobre, com grande pesar, que era certo o que eu estava a expor-lhe. Chamou, então, um rapazinho e ordenou: “-Vá ali, ao Sr. Américo, e diga-lhe que eu desisto do retrato.”
por Carlos Imbassahy
Extraído de “Religião” (FEB)


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