Donos da Doutrina
por Felipe Salomão
Reformador (FEB) Fevereiro 1974
Ao que nos parece, quando dizemos Doutrina dos Espíritos, queremos significar que a Doutrina Espírita pertence aos Espíritos ‘que são as virtudes dos céus, qual imenso exército que se movimenta ao receber as ordens do seu comando, espalhando-se por toda a superfície da Terra e, semelhantes a estrelas cadentes, vêm iluminar os caminhos e abrir os olhos aos cegos’ (‘O Evangelho segundo o Espiritismo’- prefácio )
Assim sendo, entendemos que a nossa Doutrina tem suas raízes no plano espiritual superior, encarregado da evolução da Terra, e estando sob a responsabilidade de Jesus, o Cristo de Deus, a orientação e propagação das suas verdades eternas.
Mas quem é aqui na Terra que é o ‘dono’ da Doutrina Espírita? Quem é aquele que representa o seu mais alto papel, podendo ser considerado o seu máximo representante?
Foi Kardec? Seus descendentes? Algum movimento?
Na verdade, ninguém é dono da Doutrina Espírita. Os seus verdadeiros donos são os Espíritos Superiores, que a oferecem à Humanidade sofredora, como resposta de Jesus aos sofrimentos do homem.
A nós, os encarnados, compete assessorar a tarefa desses luminares, tudo fazendo para a implantação dessas verdades maravilhosas no seio da humanidade.
Compete-nos, ainda, aprofundar-nos nos conhecimentos que a Doutrina Espírita oferece, pesquisando, analisando, tudo fazendo para melhorar o entendimento do Espiritismo. Mas, nós, os encarnados, nenhum de nós somos os donos da Doutrina Espírita.
Espanta-nos, assim, a atitude dos que desejam, a todo custo, dar a ÚLTIMA PALAVRA A RESPEITO DO ESPIRITISMO.
É bem verdade que todos temos o direito de pensar dessa ou daquela forma, porém, temos obrigação de permitir que o nosso semelhante também tenha o seu ponto de vista, ainda que diferente do nosso. Mas, daí partir para uma posição de intransigência, de intolerância, querendo estandardizar o pensamento das pessoas, obrigando-as a pensarem de uma só forma, todos da mesma maneira, é uma aberração que a Doutrina não apóia, como condena.
Se assim fosse, daqui a pouco teremos a institucionalização de um sacerdócio, formado daqueles que supostamente se julgam os verdadeiros conhecedores da Doutrina. A seguir virá uma nova Inquisição, destinada a punir aqueles que não pensem como os sacerdotes e o seu chefe.
Não, alto lá. A Doutrina veio exatamente para dar novo caminho ao homem, caminho de liberdade, de tolerância, de indulgência.
Aonde vamos?
Querer que o movimento espírita seja unificado é coisa louvável e que muito benefício trará a todos, mas forçar a situação para que os espíritas sejamos unos em interpretação doutrinário, fere o mais comezinho princípio de tolerância religiosa.
Vez por outra, vemos surgir alguns confrades que querem ser mais ‘kardecistas’ que o próprio Kardec, isto é, mais realista que o rei. A sua palavra, pretendem, é a que basta para solucionar todas as questões que surgem. Se eles não aprovam ou não dão seu ‘veredictum’ final (em última instância, o ‘imprimatur’), nada mais se pode fazer ou falar, que eles chamarão de heresia.
Kardec, o ‘bom senso encarnado’, não tomou tal atitude. Sempre dizia que a opinião dele, sobre determinado assunto, estava passível de mudança, com o correr do tempo. Não envolvia os Espíritos no assunto para reforçar a sua tese ou idéia. Exatamente por isso é que não surgiu um movimento chamado ‘kardecismo’, que seria tudo, menos Doutrina Espírita. O Espiritismo sim, pode ser encarado do ponto de vista kardecista, isto é, segundo a codificação de Allan Kardec.
Alguém poderia se preocupar com a diversidade de idéias que surgiriam, já que todos somos livres para entender ou aceitar alguma coisa. Essa diversidade, no entanto, seria na maneira de pensa e não na de agir, que é uma só para nós todos: A vivência cristã nos nossos atos. Individualmente poderemos divergir aqui ou ali, mas no movimento doutrinário estaremos unidos no objetivo comum da Doutrina Espírita.
Achamos, até, mal muito maior pretender um bitolamento do pensamento doutrinário, que seria causa de descrédito para o movimento, de vez que fingiríamos aceitar aquilo que não aceitamos. Aliás, por acaso não foi esse o grande erro do Dogmatismo, obrigando (com ferro e fogo) as pessoas a pensarem de acordo com uma única idéia predominante?
Precisamos estar atentos com os dizeres: ‘A letra mata, o espírito vivifica’.
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