sábado, 26 de março de 2011

23/50 'Crônicas Espiritas'



23CM  

            Meu caro padre Dubois:

            Recebi as suas cartas, inclusive a de 26-1-20, e considero que seria um ato de descortesia da minha parte não responder a elas. Assim, deixo por momentos de transcrever “Roma e o Evangelho”, para satisfazer o seu desejo.
            Admiro a sua paciência, a sua fé cega e a sua credulidade!
            Eu cometeria um crime, lançando a dúvida no seu espírito, se não tivesse a certeza de que, destruindo a sua fé católica, o fizesse encontrar no Espiritismo o manancial que melhor desaltere a sua sede religiosa.
            O amigo, na sua última carta, insiste em explicar a falível infalibilidade do papa, e como considerou as citações nos meus escritos como calúnias dos inimigos da Igreja, o que me resta é transcrever aqui o discurso do bispo Strossmayer, pronunciado no já célebre concílio do Vaticano, em 1870:


                        Discurso do Bispo Strossmayer

            “Veneráveis padres e irmãos: -- Não sem temor, porém, com uma consciência livre e tranqüila, ante Deus que nos julga, tomo a palavra nesta augusta assembléia.
            Prestei toda a minha atenção aos discursos que se pronunciaram nesta sala, e anseio por um raio de luz que, vindo de cima, ilumine a minha inteligência e me permita votar os cânones deste Concílio Ecumênico com o perfeito conhecimento de causa.
            Compenetrado da minha responsabilidade, pela qual Deus me pedirá contas, estudei com a mais escrupulosa atenção os escritos do Antigo e do Novo Testamento, e interroguei esses veneráveis monumentos da verdade: se o pontífice que preside aqui é verdadeiramente o sucessor de S. Pedro, vigário de Cristo e infalível doutor da Igreja.
            Transportei-me aos tempos em que ainda não existiam o ultramontanismo e o galicanismo, em que a Igreja tinha por doutores: S. Paulo, S. Pedro, S. Tiago e S. João, aos quais não se pode negar a autoridade divina, sem pôr em dúvida o que a santa Bíblia nos ensina, santa Bíblia que o concílio de Trento proclamou ser a regra da fé e da moral. Abri essas sagradas páginas e sou obrigado a dizer-vos: nada encontrei que sancionasse, próxima ou remotamente, a opinião dos ultramontanos! E maior é a minha surpresa, quando, naqueles tempos apostólicos, nada há que fale do papa sucessor de S. Pedro e vigário de Jesus Cristo.
            Vós, monsenhor Manning, direis que blasfemo; vós, monsenhor Pio, direis que estou demente! Não, monsenhores; não blasfemo, não perdi o juízo!
Tenho lido todo o Novo Testamento, declaro ante Deus e com a mão sobre o crucifixo, que nenhum vestígio encontrei do papado.
            Não me recuseis a vossa atenção, meus veneráveis irmãos! Com os vossos murmúrios e interrupções justificais os que dizem, como o padre Jacinto, que esse concílio não é livre; se assim for, tende em vista que esta augusta assembléia, que prende a atenção de todo o mundo, cairá no mais terrível descrédito.
            Agradeço a S. Ex., monsenhor Dupanloup, o sinal de aprovação que me faz com a cabeça; isso me alenta e me faz prosseguir.
            Lendo, pois, os santos livros, não encontrei neles um só capítulo, um só versículo, que dê a São Pedro a chefia sobre os apóstolos.
            Não só o Cristo nada disse sobre esse ponto, mas, ao contrário, prometeu tronos a todos os apóstolos (Mat., XIX-28), sem dizer que o de Pedro seria mais elevado que os outros.
            Que diremos do seu silêncio?
            A lógica nos ensina a concluir que o Cristo nunca pensou em elevar Pedro à chefia do Colégio Apostólica.
            Quando o Cristo enviou seus discípulos a conquistar o mundo, a todos – igualmente – deu o poder de ligar e desligar, a todos – igualmente – fez a promessa do Espírito Santo.
            Dizem as Santas Escrituras que até proibiu a Pedro e a seus colegas de reinarem ou exercerem senhorio. (Lucas, XXIII-25 e 26).
            Se Pedro fosse eleito papa, Jesus não diria isso, porque, segundo a nossa tradição, o papado tem uma espada em cada mão, simbolizando o poder espiritual e temporal.
Ainda mais: se Pedro fosse papa ou chefe dos apóstolos, permitiria que esses seus subordinados o enviassem, com João, à Samaria, para anunciar o Evangelho do Filho de Deus? (Atos, VIII: 14)
             Que direis vós, veneráveis irmãos, se nos permitíssemos, agora mesmo, mandar Sua Santidade Pio IX, que aqui preside, S. Em. monsenhor Plantier, ao patriarca de Constantinopla, para convencê-lo de que deve acabar com o cisma do Oriente?
            O símile é perfeito, haveis de concordar.
            Mas temos coisa ainda melhor:
            Reuniu-se em Jerusalém um concílio ecumênico para decidir questões que dividiam os fiéis.
            Quem deveria convocá-lo? Sem dúvida Pedro, se fosse papa. Quem deveria presidi-lo? Por certo Pedro. Quem deveria formular ou promulgar os cânones? Ainda Pedro. Não é verdade? Pois bem: nada disso sucedeu! Pedro assistiu ao concílio com os demais Apóstolos, sob a direção de São Tiago! (Atos, cap.XV)
            Assim, parece-me que o filho de Jonas não era o primeiro, como sustentais.
            Encarando agora por outro lado, temos: enquanto ensinamos que a Igreja está edificada sobre Pedro, S. Paulo (cuja autoridade devemos todos acatar) diz-nos que ela está edificada-sobre o fundamento da fé dos Apóstolos e Profetas, sendo Jesus Cristo a principal pedra do ângulo. (Epístola aos Éfesios, II:20)
            Esse mesmo Paulo, ao enumerar os ofícios da igreja, menciona os apóstolos, profetas, evangelistas e pastores: e será crível que o grande Apóstolo dos gentios se olvidasse do papado, se o papado existisse? Esse olvido me parece tão impossível como o de um historiador deste concílio que não fizesse menção de Sua Santidade Pio IX.
            (Apartes: Silêncio, herege! Silêncio!)
            Acalmai-vos, veneráveis irmãos, porque ainda não concluí. Impedindo-me de prosseguir, provareis ao mundo que sabeis ser injustos, tapando a boca do menor membro desta assembléia.
            Continuarei: O Apóstolo Paulo não faz menção, em nenhuma das suas Epístolas às diferentes igrejas, da primazia de Pedro; se essa existisse e se ele fosse infalível, como quereis, poderia Paulo deixar de mencioná-la, em longa Epístola sobre tão importante ponto?
            Concordai comigo: A Igreja nunca foi mais bela, mais pura e mais santa que naqueles tempos em que não tinha papa.
            (Apartes: Não é exato; não é exato!)
            Por que negais, monsenhor Laval? Se algum de vós noutros, meus veneráveis irmãos, se atreve a pensar que a Igreja, que hoje tem um papa (que vai ficar infalível), é mais firme na fé e mais pura na moralidade que a igreja Apostólica, diga-o abertamente ante o Universo, visto como este recinto é um centro do qual as nossas palavras voam de polo a polo!
            Calai-vos? Então continuarei:
            Também nos escritos de S. Paulo, de S. João ou de S. Tiago, não descubro traço algum do poder papal! S. Lucas, o historiador dos trabalhos missionários dos Apóstolos, guarda silêncio sobre tal assunto!
            Isso deve preocupar-vos muito.
            Não me julgueis um cismático!
            Entrei pela mesma porta que vós outros; o meu título de bispo me deu direito a comparecer aqui e a minha consciência, inspirada no verdadeiro Cristianismo, me obriga a dizer-vos o que julga ser verdade.
            Pensei que se Pedro fosse vigário de Jesus Cristo, ele não o sabia, pois que nunca procedeu como papa: nem no dia de Pentecostes, quando pregou o seu primeiro sermão, nem no conselho de Jerusalém, presidido por S. Tiago, nem no de Antióquia, e nem nas Epístolas que dirigiu às igrejas. Será possível que ele fosse papa sem o saber?
            Parece-me escutar de todos os lados: Pois São Pedro não esteve em Roma? Não foi sacrificado de cabeça para baixo? Não existem os lugares onde ensinou e os altares onde disse missa nessa cidade?
            E eu responderei: Só a tradição, veneráveis irmãos, é que nos diz ter S. Pedro estado em Roma; e como a tradição é tão somente a tradição da sua estada em Roma, é com ela que me provareis o seu episcopado e a sua supremacia?
            Scaligero, um dos mais eruditos historiadores, não vacila em dizer que o episcopado de S. Pedro e a sua residência em Roma devem ser classificadas no número das mais ridículas lendas!
            (Repetidos gritos e apartes: Tapai-lhe a boca, fazei-o descer dessa cadeira!)
            Meus veneráveis irmãos, não faço questão de calar-me, como quereis, mas não será melhor provar todas as coisas como manda o Apóstolo, e crer no que for bom? Lembrai-vos de que temos um ditador ante o qual todos nós, mesmo Sua Santidade Pio IX, devemos curvar a cabeça: Esse ditador, vós bem o sabeis, é a História!
            Permiti que repita: Folheando os sagrados escritos não encontrei o mais leve vestígio do papado nos tempos apostólicos!
            E percorrendo os anais da Igreja, nos quatro primeiros séculos, o mesmo me sucedeu!
            Confessar-vos-ei que o que encontrei foi o seguinte:
            Que o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona, honra e glória do Cristianismo e secretário no Concílio de Melive, nega a supremacia do bispo de Roma.
            Que os bispos d’África, no sexto Concílio de Cartago sob a presidência de Aurélio, bispo dessa cidade, admoestaram a Celestino, bispo de Roma, por supor-se superior aos demais bispos, enviando-lhes comissionados e introduzindo o orgulho na Igreja.
            Que, portanto, o papado não é instituição divina.
            Deveis saber, meus veneráveis irmãos, que os padres do Concílio de Calcedônia colocaram os bispos da antiga e nova Roma na mesma categoria dos demais bispos.
            Que aquele sexto Concílio de Cartago proibiu o título de “Príncipe dos Bispos”, por não haver soberania entre eles.
            E que S. Gregório I escreveu estas palavras, que muito aproveitaram à tese: -- Quando um patriarca se intitula “Bispo Universal”, o título de patriarca sofre incontestável descrédito. Quantas desgraças não devemos esperar, se entre os sacerdotes se suscitarem tais ambições?
            Esse “bispo” será o rei dos orgulhosos! (Pelágio II, Cett – 13)
            Com tais autoridades e muitas outras que eu poderia citar-vos, julgo ter provado que os primeiros bispos de Roma não foram reconhecidos como – bispos universais ou papas, - nos primeiros séculos do Cristianismo.
            E, para mais reforçar os meus argumentos, lembrarei aos meus veneráveis irmãos que foi Oslo, bispo de Córdova, quem presidiu ao primeiro Concílio de Nicéia, redigindo os seus cânones; e que foi ainda esse bispo que, presidindo ao Concílio de Sardica excluiu o enviado de Julio, bispo de Roma!
            Mas, da direita me citam estas palavras do Cristo: -- Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja.
            Sois, portanto, chamados para este terreno.
            Julgais, veneráveis irmãos, que a rocha ou pedra sobre que a santa Igreja está edificada, é Pedro; mas permiti eu discorde desse vosso modo de pensar.
            Diz S. Cirilo no seu quarto livro sobre a Trindade: “A rocha ou pedra de que nos fala Mateus é a fé imutável dos Apóstolos”.
            Santo Olegário, bispo de Poitiers, em seu segundo livro sobre a Trindade, repete que aquela pedra é a rocha da fé confessada pela boca de São Pedro. E, no seu sexto livro, mais luz nos fornece, dizendo: “E sobre esta rocha da confissão da fé que a Igreja está edificada”.
            S. Jerônimo, no seu sexto livro sobre S. Mateus, é de opinião que – Deus fundou a sua Igreja sobre a rocha ou pedra que deu o seu nome a Pedro. 
            Nas mesmas águas navega S. Crisóstomo quando, em sua homilia 56, a respeito de Mateus, escreve: “Sobre esta rocha edificarei a minha Igreja e esta rocha é a confissão de Pedro”.
            E eu vos perguntarei, veneráveis irmãos, qual foi a confissão de Pedro?
            Já que me não respondeis, eu vo-la darei: “Tu és o Cristo, filho de Deus”.
            Ambrósio, o santo arcebispo de Milão, S. Basílio de Salência e os padres do Concílio de Calcedônia ensinam precisamente a mesma coisa.
            Entre os doutores da antiguidade cristã, Santo Agostinho ocupa um dos primeiros lugares, pela sua sabedoria e pela sua santidade. Escutai como ele se expressa sobre a primeira Epístola de São João: “Edificarei a minha igreja sobre esta rocha, significa claramente que é sobre a fé de Pedro”.
            No seu tratado 124 sobre o mesmo S. João, encontra-se esta significativa frase: “Sobre esta rocha que acabais de confessar, edificarei a minha igreja; e a rocha era o próprio Cristo, filho de Deus”.
            Tanto esse grande e santo bispo não acreditava que a Igreja fosse edificada sobre Pedro, que disse no seu sermão nº 13: -- Tu és Pedro, e sobre essa rocha ou pedra que me confessaste, que reconheceste, dizendo: Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo, edificarei a minha igreja sobre mim mesmo; pois sou o filho de Deus vivo. Edificarei sobre mim mesmo, e não sobre ti.
            Haverá coisa mais clara e positiva?
            Deveis saber que esta compreensão de Santo Agostinho, sobre tão importante ponto do Evangelho, era a opinião corrente do mundo cristão naqueles tempos. Estou certo de que não me contestareis.
            Assim é que, resumindo, vos direi:

            1º Que Jesus deu aos outros apóstolos o mesmo poder que deu a Pedro;
            2º Que os apóstolos nunca reconheceram em S. Pedro a qualidade de vigário de Cristo e infalível doutor da igreja;
            3º Que o mesmo Pedro nunca pensou em ser papa nem fez coisa alguma como papa;
            4º Que os concílios dos primeiros quatro séculos nunca deram, nem reconheceram o poder e a jurisdição que os bispos de Roma queriam ter;
            5º Que os Santos Padres, na famosa passagem: Tu és Pedro, e sobre essa pedra (a confissão de Pedro) edificarei a minha igreja, -- nunca entenderam que a igreja estava edificada sobre Pedro (super Petrum), e sim sobre a rocha (super petram), isto é: sobre a confissão de fé do Apóstolo!
            Concluo, pois, com a História, a razão, a lógica, o bom senso e a consciência de verdadeiro cristão, que Jesus não deu supremacia alguma a Pedro, e que os bispos de Roma só se constituíram soberanos da Igreja, confiscando, um por um, todos os direitos do episcopado!
            (Vozes de todos os lados: Silêncio, insolente, silêncio! Silêncio!)
            Contestai a História, se ousais fazê-lo; mas ficai certos de que não a destruireis!
            Se avancei alguma inverdade, ensinai-me isso com a História, à qual prometo fazer a mais honrosa apologia, Mas compreendei que não disse ainda tudo quanto quero e posso dizer. Ainda que a fogueira me aguardasse lá fora, eu não me calaria!
            Sede pacientes, como manda Jesus. Não junteis a cólera ao orgulho que vos domina.
            Disse o monsenhor Dupanloup, nas suas célebres – Observações – sobre este concílio do Vaticano, e com razão, que, se declararmos infalível a Pio IX, necessariamente precisamos sustentar que infalíveis também eram todos os seus antecessores. Porém, veneráveis irmãos, com a História nas mãos, vos provarei que alguns papas faliram.
            Passo a provar-vos, meus veneráveis irmãos, com os próprios livros existentes na biblioteca do Vaticano, como é que faliram alguns dos papas que nos tem governado.
            O papa Marcelino entrou no templo de Vesta e ofereceu incenso à deusa do Paganismo. Foi, portanto, idólatra; ou pior ainda: foi apóstata!
            Libório consentiu na condenação de Atanásio; depois, passou-se para o Arianismo.
            Honório aderiu ao Monoteísmo.
            Gregório I chamava Anti-Cristo ao que se impunha como – Bispo Universal; -- e, entretanto, Bonifácio III conseguiu do parricida imperador Focas obter esse título, em 607.
            Pascoal II e Eugênio III autorizavam os duelos condenados pelo Cristo; enquanto que Julio II e Pio IV os proibiram. Adriano II, em 872, declarou válido o casamento civil; entretanto, Pio VII, em 1823, condenou-o.
            Xisto V publicou uma edição da Bíblia e, com uma bula, recomendou a sua leitura; e aquele Pio VII excomungou a edição.
            Clemente XIV aboliu a Companhia de Jesus, permitida por Paulo III; e o mesmo Pio VII restabeleceu-a.
            Porém, para que mais provas? Pois o nosso Santo Padre Pio IX não acaba de fazer a mesma coisa quando, na sua bula para os trabalhos deste Concílio, dá como revogado tudo quanto se tenha feito em contrário ao que aqui for determinado, ainda mesmo que se trate de decisões dos seus antecessores?
            Até isso negareis?
            Nunca eu acabaria, meus veneráveis irmãos, se me propusesse apresentar-vos todas as contradições dos papas, em seus ensinamentos.
            Como então se poderá dar-lhes a infalibilidade? Não sabeis que, fazendo infalível Sua Santidade, que presente se ache e me ouve, tereis que negar a sua falibilidade e a dos seus antecessores?
            E vos atrevereis a sustentar que o Espírito Santo vos revelou que a infalibilidade dos papas data apenas deste ano de 1870?
            Não vos enganeis a vós mesmos: Se decretais o dogma da infalibilidade papal, vereis os protestantes, nossos rancorosos adversários, penetrarem por longas brechas com a bravura que lhes dá a História.
            E que tereis vós a opor-lhes? O silêncio, se não quiserdes desmoralizar-vos.
            (Gritos: É demais; basta! Basta!)
            Não griteis, monsenhores! Temer a História é confessar-se derrotados! Ainda que pudésseis fazer correr toda a água do Tibre sobre ela, não borrareis nem uma só das suas páginas! Deixai-me falar e serei breve.
            Virgílio comprou o papado de Belisário, tenente do imperador Justiniano. Por isso, foi condenado no segundo Concílio de Calcedônia, que estabeleceu este cânone: -- O bispo que se elevar por dinheiro será degradado.
            Sem respeito àquele cânone, Eugênio III, seis séculos depois, fez o mesmo que Virgílio, e foi repreendido por S. Bernardo, que era a estrela brilhante do seu tempo.
            Deveis conhecer a história do papa Formoso. Estevão XI fez exumar o seu corpo, com as vestes pontificais; mandou cortar-lhe os dedos e o arrojou no Tibre. Estevão foi envenenado; e tanto Romano como João, seus sucessores, reabilitaram a memória de Formoso.
            Lede Plotino, lede Barônio, Barônio, o cardeal! É dele que me sirvo.
            Barônio chega a dizer que as poderosas cortesãs vendiam, trocavam e até se apoderavam dos bispados; e, horrível é dizê-lo, faziam os seus amantes serem papas!
            Genebrardo sustenta que, durante 150 anos, os papas, em vez de apóstolos, foram apóstatas.
            Deveis saber que o papa João XII foi eleito com a idade de dezoito anos tão somente; e que o seu antecessor era filho do papa Sergio com Marozzia.
            Que Alexandre XI era... nem me atrevem a dizer o que ele era de Lucrécia; e que João XXII negou a imortalidade da alma, sendo deposto pelo Concílio de Constança.
            Já nem falo dos cismas que tanto têm desonrado a Igreja. Volto, porém, a dizer-vos que, se decretais a infalibilidade do atual bispo de Roma, devereis decretar também a de todos os seus antecessores; mas vos atrevereis a tanto? Sereis capazes de igualar a Deus todos os incestuosos, avaros, homicidas e simoníacos bispos de Roma?
            (Gritos: Descei da cadeira, descei já; tapemos a boca desse herege!)
            Não griteis, meus veneráveis irmãos. Com gritos nunca me convencereis. A História protestará eternamente sobre o monstruoso dogma da infalibilidade papal; e, quando mesmo todos vós o aproveis, faltará um voto, e esse voto é o meu!
            Mas voltemos à doutrina dos Apóstolos!
            Fora dela só há erros, trevas e falsas tradições. Tomemos a eles e aos Profetas pelos nossos únicos mestres, sob a chefia de Jesus.
            Firmes e imóveis como a rocha, constantes e incorruptíveis nas inspiradas Escrituras, digamos ao mundo: Assim como os sábios da Grécia foram vencidos por Paulo, assim também a Igreja Romana será vencida pelo seu 98!
            (Gritos clamorosos: Abaixo o protestante! Abaixo o traidor da Igreja!)
            Os vossos gritos, monsenhores, não me atemorizam, e só nos comprometem. As minhas palavras têm calor, mas a minha cabeça está serena. Não sou de Lutero, nem de Calvino, nem de Paulo, e sim, e tão somente de Cristo.
            (Novos gritos: Anátema! Anátema vos lançamos!)
            Anátema! Anátema! Para os que confrariam a doutrina de Jesus! Ficai certos de que os Apóstolos, se aqui comparecessem, vos diriam a mesma coisa que acabo de declarar-vos.
            Que lhes direis vós, se eles, que prejudicaram e confirmaram com o seu sangue, lembrando-vos o que escreveram, vos mostrassem o quanto tendes deturpado o Evangelho do amado filho de Deus? Acaso lhes direis: Preferimos a doutrina dos Loiolas à do Divino Mestre?
            Não! Mil vezes não! A não ser que tenhais tapado os ouvidos, fechado os olhos e embotado a vossa inteligência, o que não creio.
            Oh! Se quer castigar-nos, fazendo cair pesadamente a sua mão sobre nós, como fez ao Faraó, não precisa permitir que os soldados de Garibaldi nos expulsem daqui; basta deixar que façais de Pio IX um Deus, como já fizestes uma deusa da Virgem Maria!
            Evitai, sim, evitai, meus veneráveis irmãos, o terrível precipício a cuja borda estais colocados. Salvai a Igreja do naufrágio que a ameaça, e busquemos todos, nas Sagradas Escrituras, a regra da fé que devemos crer e professar. Digne-se Deus assistir-me. Tenho concluído.
            (Todos os padres se levantaram, muitos saíram da sala, porém, alguns prelados italianos, americanos, alemães, franceses e ingleses rodearam o inspirado orador e, com fraternais apertos de mão, demonstraram concordar com o seu modo de pensar).
           

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