Ter ou não ter fé
Boanerges
da Rocha
(Indalício Mendes)
Reformador (FEB)
Outubro 1964
- Fui ao médico Fulano. Não acertou.
Indicaram-me outro. No começo, melhorei. Depois, infelizmente, voltei ao que
sentia. Falaram-me para recorrer ao Espiritismo. Não adianta, porque não
acredito, não tenho fé.
Nenhum espírita realmente em dia com
a Doutrina será capaz de desaconselhar alguém a tratar-se com os médicos. Eles,
vai de regra, são dedicados e capazes, procurando sinceramente curar os
enfermos que os procuram. Acontece, entretanto, que há doentes cuja enfermidade
é espiritual, de modo que os médicos, por mais devotados e competentes que
sejam, não conseguem vence-la porque a procuram na matéria. E nem sempre querem
aceitar essa verdade.
Devemos esclarecer, àqueles que conhecem
pouco ou desconhecem o Espiritismo, que para nós não é preciso que alguém tenha
fé cega para ser beneficiado pelos caridosos irmãos do Além. Em absoluto. A fé
ajuda, mas quantos descrentes têm sido curados pelos Espíritos e muitos
continuam fiéis à sua maneira de pensar, atribuindo a cura a coincidências ou a
outras causas que não aquelas que verdadeiramente lhe puseram fim aos males? Tudo isso é muito humano e os Espíritos não
procuram saber, na hora de fazer o bem, se o enfermo é espírita, católico,
protestante, muçulmano ou ateu. Se dentro do quadro cármico de cada um a cura é
permitida, ele é curado. Não importa o que faça depois, não importa que se
esqueça do benefício recebido e cubra o Espiritismo de críticas injustas.
A fé que os espíritas aceitam é a fé raciocinada,
porque “fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em
todas as épocas da Humanidade”, está no frontispício de “O Evangelho segundo o
Espiritismo”.
Preferimos que ninguém nos busque
com a fé cega, porque esta significa miragem, ilusão, não é segura, não tem
base, não oferece garantia de estabilidade, por falta de amparo da razão. Desejamos
possua o homem a fé esclarecida, que não teme o raciocínio e até se fortalece
quando submetida ao crivo da razão.
Crer, só porque outros creem, sem
que sintamos dentro de nós a confiança tranquila que a fé raciocinada oferece,
não é crer, mas presumir que crê, “crer” por sugestão.
A fé cega é como a escuridão. Quando
nos vemos nas trevas, sabemos que é a escuridão que nos cerca, porém ignoramos
tudo quanto possa estar à nossa volta. Temos que andar tateando, por nos faltar
justamente a luz que nos permitiria franco desembaraço. A fé raciocinada é luz.
Faculta-nos a liberdade de pensar, de analisar, de concluir e de decidir,
porque não foge a nenhuma comparação, não nos impõe a obrigação de aceitar uma
ideia qualquer. Pelo contrário, induz-nos a somente aceita-la depois de
estarmos convencidos da sua natureza e dos seus efeitos, como nos leva a
recusá-la se, após o exame, ela nos parece desagradável, ruinosa ou
inconveniente.
Portanto, qualquer pessoa pode
beneficiar-se do Espiritismo sem precisar crer cegamente nele. Os fatos se
encarregarão de demonstrar a verdade, quando o raciocínio se puser a trabalhar
por si mesmo, sem coação de coisa alguma.
Foi o que sucedeu a alguém que aceitou
um convite nosso para consultar um Guia acerca da sua situação orgânica. ‘Vou,
mas não tenho fé”, disse. Foi o que nos confirmou quando nós, condoídos do seu
sofrimento e vendo que se mostrava desesperançado de encontrar uma solução para
o seu caso, nos lembramos de lhe perguntar se havia tentado submeter-se ao
Espiritismo, sem qualquer compromisso de adesão ou simpatia.
Foi. Hoje, apesar de sua condição de
médico, renunciou ao materialismo que o absorvia, leu todas as obras de Allan
Kardec e aprendeu todas as lições doutrinárias do Espiritismo, não escondendo
as suas simpatias por nossa causa.
Porque isso? Porque, homem
inteligente e culto, pensava que os espíritas eram fanáticos, acreditando
cegamente no que se lhes dizia, sem usarem o direito do exame que o raciocínio
sugere.
Em suma, a fé esclarecida é útil; a
fé cega, perigosa e traiçoeira. A fé que exaltamos é justamente a fé que se
irmana com a razão e não entra em conflito com ela, porque responde a todas as
suas justas inquirições. Essa a fé legítima, porque não ofende a liberdade de
pensamento do homem, que aceita e reconhece o direito da dúvida como um
processo de peneiramento, de análise, cuja conclusão poderá ser definitiva.
“Nada examinando, a fé cega aceita,
sem verificação, assim o verdadeiro como o falso, e, a cada passo se choca com a
evidência e a razão. Levada ao excesso, produz o fanatismo. Em assentando no erro, cedo ou tarde
desmorona; somente a fé que se baseia na verdade garante o futuro, porque nada
tem a temer do progresso das luzes, dado que o que é verdadeiro na obscuridade,
também o é à luz meridiana. A fé raciocinada, por se apoiar nos fatos e na
lógica, nenhuma obscuridade deixa. A criatura então crê, porque tem certeza, e
ninguém tem certeza senão porque compreendeu. Eis porque não se dobra. Fé inabalável
só é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.”(“O
Evangelho segundo o Espiritismo”.)
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