Reeducação Evangélica
A Redação
Reformador (FEB) Abril 1940
Lendo este
trecho, talvez se surpreenda ou espante o leitor, ao saber que com ele
deparamos na mesma encíclica papal de onde extraímos o que comentamos pelo Reformador
de março último, a encíclica “Summi Pontificatus”. Também nós nos surpreendemos,
porque logo nos acudiu à mente que, se a humanidade se ressente da falta de
educação evangélica, como realmente acontece, a culpa de semelhante falta cabe
a quem monopolizou a ministração dos ensinos do Evangelho, subtraindo-os ao
conhecimento direto dos homens, para que estes os recebessem exclusivamente sob
certos prismas muito especiais e particularistas.
Mas, dado
este fato, que desafia toda e qualquer contestação, e não podendo supor, pelos
mesmos motivos que aduzimos em nosso precedente artigo, que estas palavras do
atual pontífice queiram traduzir propósitos de salutar mudança de orientação ou
de diretriz, por parte da Igreja romana, no desempenho da tarefa em que ela
própria se investiu, constituindo-se herdeira única da missão dos apóstolos,
outra razão e outro significado tivemos que buscar para o tópico que serve de
objeto a estes ligeiros comentários.
Encontramo-los,
considerando aquelas palavras como um dos mais expressivos sinais dos tempos
cuja vinda o próprio Evangelho anuncia há perto de 2000 anos, como sendo os do
advento do Consolador, para a transformação do mundo, mediante a restauração dos
veros ensinos do Novo Testamento e a completação deles por meio de novas
revelações, para reconstituição das bases sobre que se erguerá definitivamente
a legítima Igreja Cristã, a Igreja Universal do Cristo de Deus.
É de tal
magnitude esse acontecimento, de tão prodigioso alcance e exprime de tal modo o
cumprimento inelutável dos sábios e providenciais desígnios do Senhor, que até
mesmo pelo órgão dos que mais fortemente se insurgem contra a obra do
Consolador e a combatem de todas as maneiras, a imprescinbilidade da sua
execução imediata é proclamada. Tão sábio e misercordioso é Deus, que faz
proclamem a verdade que corresponda, no momento, ao que se acha prescrito nas
suas leis, mesmo os que mais a aborreçam e hostilizem.
Sim, a
verdade, a grande verdade da hora atual. Verdade que nenhuma força humana ou extra
humana logrará impedir prevaleça é a de que somente pela cristianização das
almas poderá a mísera humanidade transviada salvar-se do funesnto embrutescimento
espiritual a que a levaram as miserandas paixões que a dominam.
Ora, essa
cristianização das almas somente poderá operar-se por meio do afeiçoamento delas
aos ensinamentos evangélicos, para a formação do sentimento cristão, sem o qual
não haverá fraternidade nos corações e não haverá paz no seio da coletividade
humana, pois que a fraternidade é o único alicerce capaz de suportar o edifício
da verdadeira paz, da paz indesctrutível, da paz universal.
E outra não
é a missão do Consolador, concretizado na Doutrina Espírita e na palavra dos
Espíritos de luz e de misericórdia que incessantemente falam aos homens, desde
que essa doutrina se constituiu, e que acaba de falar-lhe de maneira vibrante e
com profunda sabedoria na Grande Síntese.
Entretanto,
ao mesmo tempo que encarece a necessidade do cumprimento dessa missão
grandiosa, que, afinal, outra não é senão a da reeducação da humanidade segundo
os ensinamentos do Evangelho, a Igreja se esforça por lhe criar toda sorte de
embaraços, por impedi-la em absoluto, colocando-se assim em flagrante
contradição consigo mesm, evidenciando a pasmosa incoerência da sua atitude com
as palavras do seu chefe supremo.
Semelhante
incoerência, todavia, não existe para ela, bem o sabemos, porque, ao ver de uma
e outro, a reeducação evangélica que o último preconiza é segundo o Evangelho sotoposto
(substituído) a seus dogmas intencionalmente
abstrusos, o Evangelho interpretado à sua maneira, acordemente com a sua teologia
e com os volumes, ricos de teorias tão engenhosas e eruditas quão vazias de
sentido cristão, escritos pelos seus geniais doutores.
Dar-se-á
porém, que o Evangelho, para ser assimilado e praticado, necessite de
interpretações difíceis, só ao alcance de inteligências agudíssimas, de
espíritos de excepcional penetração, capazes de escrever volumosos tratados
sobre cada um de seus pontos? Se assim fora o divino Mestre não houvera
escolhido ignorantes e incultos pescadores para disseminá-lo pelas nações do
globo e não houver rendido graças ao Pai, por ter dado a conhecer aos
pequeninos e humildes aquelas coisas que Ele ensinava e por ter ocultado aos
doutos e poderosos.
É que o
Evangelho, o Evangelho de Jesus, não é obra para ser entendida e assimilada
pela inteligência, mas pelo coração, pois que é obra toda de sentimento, para
ser sentid, que não apenas compreendida. Efetivamente, depois dos apóstolos, só
foram até agora verdadeiros cristãos os que o sentiram, porque só esses o
praticaram; só o foram os que hão tido para entende-lo o dom precioso e ainda raro
da humildade, que gera a lídima sabedoria.
Aliás, que é
em síntese e substãncia o Evangelho? Ele, em verdade, se resume num único
mandamento, conforme o declarou o próprio Jesus, naquele que reza: amar a Deus
acima de todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo, mandamento para
cuja observância nada mais é necessário do que “não fazer ninguém ao próximo
o que não queira que lhe façam e fazer-lhe tudo quano desejaria que lhe fosse
feito”. Somente aquele que assim procede é humildemente cristão ou
cristãmente humilde, é cristão verdadeiro.
Fora, pois,
da exemplificação desse mandamento, que é o eixo principal do Espiritismo, pela
razão mesma de ser ele o próprio
Cristianismo redivivo, não haverá nenhuma reeducação evangélica do homem, que,
então, continuará a afastar-se do reino de Deus, com o praticar às avessas o
aludido mandamento, sob o influxo do egoísmo e do orgulho que lhe devastam a
alma, isto é, fazendo cada um aos outros o que não admite que estes lhe façam e
não lhes fazendo nada do que exige lhe seja feito.
Sem,
portanto, se despojar das suas grandezas, do seu fausto, das suntuosidades e
riquezas com que se ostenta perante o mundo, sem se desfazer da sua ambição de
poderio material e de predomínio sobre as consciências, sem se desprender dos
interesses que lhe não consentem perceber onde está ou onde pode encontrar o
reino de Deus, baldado verá a Igreja todo o esforço que envide por atender à
necessidade, que o seu pontífice proclama, de ser a humanidade, religiosa e
espiritualmente, reeducada segundo os ensinamentos do Evangelho. Este
permanecerá letra morta, como há sido até agora em suas mãos.
Ninguém pode
dar o que não tem. Espiritualize-se a Igreja, para fazer-se verdadeiramente
religiosa e poder espiritualizar as crenças dos seus fiéis. Faça-o e, penetrada
então do Espírito do Cristo, fácil se lhe tornará a tarefa reeducativa e tanto
mais fácil quanto já encontrará o caminho grandemente desbravado pelo Consolador
prometido, o Espiritismo, onde tudo é luz e sabedoria, porque tudo é humildade,
caridade e amor, sentimentos e virtudes sem os quais nenhum coração se achará
efetivamente voltado para o reino de Deus, visto que nenhum o encontrará, sem
que o haja realizado em si mesmo.
“O reino
de Deus não está aqui, ou ali, porquanto o reino de Deus está dentro de vós”,
disse-o Nosso Senhor Jesus Cristo, conforme se lê no Evangelho de Mateus (cap.
17, v.21).
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